
O escritor Marcelo Rubens Paiva declarou que sente orgulho e admiração pelo Brasil ao ver o país julgando os envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 2022 e 2023. Durante evento na Universidade Sorbonne-Nouvelle, em Paris, Paiva declarou que gostaria de ter acompanhado as sessões do Supremo Tribunal Federal (STF) ao lado das famílias de Stuart Angel e Vladimir Herzog, vítimas da ditadura militar, assim como seu pai, Rubens Paiva.
“Uma pena que minha família não pôde ir, mas ela certamente se sentiu bem representada pelas famílias dessas duas grandes figuras da nossa história”, afirmou o autor. “Minha sensação é de muito orgulho e admiração por ver que o país tem coragem para enfrentar um trauma grande e para julgar os golpistas.”
O escritor não esteve presente no julgamento porque cumpre agenda na Europa, onde sua obra continua repercutindo. Em Paris, ele participou de um evento do festival Printemps Brésilien (Primavera Brasileira), organizado pelo professor Leonardo Tonus com apoio do serviço cultural da universidade. O festival reúne diversas personalidades da cultura brasileira ao longo de 2025, ano do Brasil na França.
Durante sua apresentação na Sorbonne-Nouvelle, para um auditório lotado com 350 pessoas, Marcelo Rubens Paiva discutiu o processo de criação do livro Ainda Estou Aqui e sua adaptação para o cinema. O filme, inspirado na obra, conquistou o primeiro Oscar de Melhor Filme Internacional para o Brasil. Alternando entre português e francês, o autor contextualizou o público jovem sobre o cenário político brasileiro da época retratada no livro. Atores também leram trechos do autor e de sua mãe, Eunice Paiva. Ana Lúcia Paiva, conhecida como Nalu, irmã do escritor e residente em Paris há três décadas, também esteve presente e foi aplaudida pelo público.
Paiva relatou ter assistido ao filme Ainda Estou Aqui pela segunda vez dez dias antes, no Brasil, acompanhado pelos colegas de escola de seus filhos. “Crianças de sete a 11 anos de idade. Que adoraram o filme, acharam muito bem produzido”, contou, arrancando risos da plateia.
Entre os momentos de maior impacto da palestra, o escritor destacou uma cena que o marcou ao rever o filme. No trecho, sua irmã Vera, interpretada por Valentina Herszage, retorna de Londres e questiona a prisão da irmã Eliana, sem obter respostas. “Está relacionado a algo que minha terapeuta me disse: ‘puxa, sua família não falava do assunto?’ E de fato minha família não falava muito sobre esse assunto. Especialmente com a minha mãe”, afirmou.
Outro momento aplaudido foi a lembrança do abraço de sua mãe a um militar, durante uma homenagem a Rubens Paiva no Palácio do Planalto, em 1996. “Eu perguntei: ‘mãe, que história é essa de abraçar general?’ ‘Ele estava do meu lado, eu ia fazer o quê?’ Mas é de uma sabedoria que faz muita falta hoje. É um momento Eunice Paiva. É dessa mulher que o mundo precisa”, disse.
Paiva também relembrou com humor o processo de adaptação do livro para o cinema. Segundo ele, estava satisfeito com o sucesso literário, quando foi procurado pelo cineasta Walter Salles. “A Rede Globo tinha me procurado para fazer uma série, e eu estava apavorado. Na época, tinha umas novelas das dez e das onze que tinham muita nudez e muito sexo. Eu tinha medo que tivesse uma cena com minha mãe e meu pai, e os tanques passando...”, brincou.
Sobre a abordagem da adaptação cinematográfica, o escritor defendeu a decisão de não retratar explicitamente cenas de tortura. “Não estávamos ali para contar a história da ditadura brasileira. Não dava tempo para contar. Outros filmes virão para contar essa história. É o mesmo que você pedir que A Lista de Schindler conte a história do nazismo. Não dá. A minha mãe não viu tortura, então por que a gente tem que mostrar tortura?”, questionou.
A edição francesa de Ainda Estou Aqui tem lançamento previsto para outubro, pela editora Decrescenzo.