Pela primeira vez, cientistas brasileiros descrevem como o coronavírus danifica células do cérebro
Estadão Conteúdo
Publicado em 19 de junho de 2021 às 08:44 | Atualizado há 4 anos
RIO – Um grupo de cientistas brasileiros da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ), da Fundação Oswaldo Cruz ( Fiocruz ) e do Instituto D’Or de Pesquisatestesu pela primeira vez como o Sars-CoV-2 invadem as células neuronais e provoca danos ao cérebro . Os cientistas constataram que embora o vírus não se replique dentro dos neurônios, ele provoca uma resposta inflamatória sistêmica que leva a danos nas células neuronais. A descoberta, feita em laboratório, será crucial para a compreensão das sequelas neurológicas e psiquiátricas da covid-19 .
Inicialmente, a cobiçado foi obtido como uma infecção do trato respiratório. No entanto, já se sabe que o vírus afeta vários outros órgãos, como os rins, o fígado, os vasos sanguíneos, o coração e o cérebro. Pelo menos a metade dos pacientes apresentam sintomas neurológicos, como confusão mental, anosmia (perda de olfato), delírio e risco aumentado de AVC. O novo trabalho foi submetido na forma de pré-impressão em Stem Cell Research , uma das revistas científicas mais importantes do mundo.
Em setembro do ano passado, o mesmo grupo tinha constatado pela primeira vez a presença do Sars-CoV-2 dentro do cérebro. A equipe teve acesso aos resultados de uma necropsia feita em uma criança de 1 ano e 2 meses morta por covid-19. Os cientistas conseguiram constatar a destruição dos tecidos cerebrais, mas, em testes in vitro, não conseguiram identificar uma replicação do vírus dentro das células cerebrais.
Desta vez, o grupo voltou a testar o processo com a ajuda de neuroesferas humanas (micro cérebros mais simplificados, feitos com células de tronco) em laboratório. Eles conseguiram constatar que o vírus entra nos organóides, mas, de fato não se replica dentro das células neuronais.
“Comprovamos, por exemplo, também em laboratório, que o vírus se replica em células cardíacas, mas não nas células neurais, mesmo quando submetidas a uma grande quantidade de Sars-CoV-2”, explicou a neurocientista Marília Zaluar Guimarães, da UFRJ e do Instituto D’Or, uma das autoras do trabalho. “Mas mesmo não mobilizando a maquinaria celular para gerar outros vírus, ele provoca um estrago nas células, por meio da produção e liberação de citocinas.”
A inflamação, segundo o novo estudo, enfraquece o sistema imunológico e gera danos neurológicos e psiquiátricos. “Essa descoberta é condizente com a hipótese atualmente mais aceita de que a maioria dos danos neurais causados pela covid-19 está relacionada a uma inflamação sistêmica que leva a danos indiretos no sistema nervoso central”, conclui o trabalho.
“Essa ‘tempestade de citoquinas’, característica da severa covid, tem um grande impacto no funcionamento cerebral”, explica a pesquisadora. “Ela prejudica a memória, a manutenção das atividades neurais, como sinapses, entre muitas outras.”
Para um neurocientista, a descoberta será crucial para o sentido como sequelas neurológicas e psiquiátricas deixadas em pacientes de covid.
“Acho que esse estudo pode ser uma semente para entender os processos das sequelas que, infelizmente, começaremos a cada vez mais”, concluí.