Promotoria pede que Governo do Paraná seja condenado por reconhecimento facial em escolas
DM Redação
Publicado em 25 de abril de 2025 às 11:12 | Atualizado há 5 horas
Isabela Palhares – Folha Press
O Ministério Público ajuizou uma ação pedindo que o Governo do Paraná seja condenado a pagar R$ 15 milhões de danos morais pelo uso de reconhecimento facial nas escolas estaduais. O órgão pede ainda a suspensão imediata da coleta de dados biométricos de quase 1 milhão de crianças e adolescentes.
Desde 2023, a gestão do governador Ratinho Junior (PSD) começou a usar reconhecimento facial para controlar a frequência escolar dos alunos. Com a adoção do sistema, os professores precisam usar seus celulares para tirar uma foto da turma e enviar para um aplicativo que identifica e registra quais estudantes estão presentes no dia.
A ideia de usar o sistema surgiu em 2022 quando a secretaria de Educação era comandada por Renato Feder, atual secretário da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) em São Paulo. Foi sob seu comando que foi celebrado convênio com uma empresa para fazer o reconhecimento.
Empresário da área de tecnologia, Feder defendeu à época que o recurso iria otimizar o tempo em sala de aula, já que os professores iriam perder menos tempo “com uma tarefa burocrática”, a chamada dos alunos, e assim poderiam se dedicar mais a ensinar.
Para o Ministério Público do Paraná, a adoção do sistema infringiu o direito de proteção dos dados pessoais de cerca de um milhão de crianças e adolescentes que estudam nas escolas estaduais do estado. Por isso, o pedido de suspensão do uso e o pagamento de indenização por danos morais coletivos.
Em nota, a Secretaria de Educação do Paraná disse ainda não ter sido notificada da ação e defendeu a agilidade que o sistema de reconhecimento facial trouxe para as escolas. Feder não comentou sobre o pedido de condenação.
A Valid Soluções S.A, empresa contratada para fazer o reconhecimento facial, afirma que ainda não foi oficialmente notificada. “A empresa se manifestará nos autos assim que for devidamente citada. Vale ressaltar que a Valid conta com rigorosos processos para implementação de projetos dos mais diversos tipos, sempre seguindo rigorosamente as leis vigentes”, diz em nota.
O promotor Marcos José Porto Soares entendeu que a política adotada infringe diversos aspectos da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) por violar o direito à autodeterminação informativa (o direito de cada pessoa em controlar e proteger seus dados pessoais), o direito de consentimento dos pais e responsáveis das crianças e o princípio da finalidade e transparência.
Para o promotor, a secretaria forneceu “informações genéricas no momento da matrícula ou rematrícula dos alunos sem especificar, nos formulários das autorizações, os dados pessoais sensíveis tratados e a finalidade específica para justificar o tratamento deles.”
Segundo análise da Promotoria, o documento de autorização menciona apenas de forma genérica o tratamento de “dados e imagens dos estudantes”, sem especificar o uso de dados faciais biométricos das crianças e adolescentes o que inclui as características físicas e comportamentais dos alunos.
O promotor também afirma ver violação no direito de consentimento dos pais e responsáveis sobre o tratamento de dados pessoais sensíveis das crianças e adolescentes.
Em um relatório de impacto, o governo informou que os pais poderiam negar o consentimento desde que apresentassem uma negativa. No entanto, o promotor disse que os documentos de requerimento de matrícula não trazem essa informação.
“Não há opção de recusa disponível”, destaca o promotor.
Ele também argumenta que o governo paranaense apresentou “informações imprecisas” sobre o controle dos dados dos alunos, ou seja, não cumpre o dever de assegurar que os “os dados corretos serão usados pelas pessoas certas para os propósitos certos.”
“Nós sabemos hoje a gravidade dos riscos da imagem de crianças e adolescentes caírem nas mãos de pessoas de pessoas que podem usá-las de maneira inadequada, por exemplo, usar as fotos das salas de aula para fazer um deep fake pornográfico ou algo do tipo”, diz Rafael Zanatta, codiretor da Data Privacy Brasil, organização que promove a proteção de dados e direitos digitais.
A ação ajuizada pela Promotoria defende ainda que os riscos aos quais os alunos são colocados e os direitos que têm sido violados não justificam o “suposto ganho de eficiência” para o trabalho escolar.
“O governo não conseguiu comprovar que o reconhecimento facial melhora a qualidade da educação, muito menos que os ganhos promovidos por esse sistema seriam tão grandes que compensaram a série de violações que promove. Crianças não são coisas, não são ratinhos a serem monitorados. O ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] assegura que elas têm direito à privacidade”, diz Zanatta.
Na ação, o promotor pede a condenação do governo do Paraná e da Valid Soluções. Se aceito, eles seriam condenados a suspender a coleta de dados biométricos dos alunos e pagar a indenização que seria revertida a um fundo específico.
Em nota, a gestão Ratinho Júnior classificou a chamada por reconhecimento facial como uma “inovação” e “solução” que otimizou o trabalho docente em sala de aula.
“A ferramenta segue padrões e leis de privacidade e segurança de dados. Essas imagens não ficam armazenadas no dispositivo ou com os docentes, garantindo direito à privacidade dos estudantes”, diz a nota. Também informou que as imagens são criptografadas e armazenadas conforme determina a LGPD.
“Além de reduzir o tempo de chamada, o objetivo é ter um registro de frequência mais preciso por meio da solução que une inteligência artificial e biometria. Nesse modelo, também não há risco de alguém responder a chamada por outra pessoa”, diz a nota.