Saiba como são narcossubmarinos, que transportam drogas para a Europa
Redação DM
Publicado em 10 de abril de 2025 às 21:50 | Atualizado há 2 semanasUm submarino brasileiro que transportava 6,6 toneladas de cocaína para Portugal foi interceptado e apreendido no fim de março nos Açores. Foi uma das maiores cargas já registradas desde que este tipo de operação foi descoberto, nos anos 1990.
Segundo as autoridades europeias, o submarino havia zarpado de Macapá, no Amapá, na foz do rio Amazonas, e teria sido construído artesanalmente por um cartel de drogas da América do Sul.
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COMO SÃO FEITOS OS SUBMARINOS DO NARCOTRÁFICO?
Eles são construídos apenas para o tráfico de drogas, com equipamentos já existentes no mercado. São utilizados cascos de fibras de vidro, de alumínio ou aço, e uma cobertura é adaptada. “Faz-se um convés à prova d’água, [com] uma tampa hermética sobre o casco de uma lancha”, explica Gustavo Assi, professor de engenharia naval da Escola Politécnica da USP. Motores, trocadores de calor, tanques e lastros de embarcações de superfície também são adaptados para as necessidades da jornada do tráfico.
Embarcação tem um tipo de snorkel. Esta estrutura fica minimamente para fora d’água, servindo de entrada e saída de ar para o motor e para a tripulação. A pequena escotilha oferece pouco espaço para os tripulantes se revezarem no comando do submarino, especialmente porque ele é carregado ao máximo para a viagem.
“Alguns são construídos de forma bem rudimentar, mas pelas imagens que a gente tem visto das apreensões mais recentes, eles estão ficando mais bem equipados, os projetos têm evoluído e eles têm alcançado o destino. Esse foi pego, [mas] nós não sabemos quantos outros que chegam de fato a completar sua missão”, disse Gustavo Assi, professor de engenharia naval da Escola Politécnica da USP.
Estrutura não é “caseira”. Esse tipo de submarino não é feito em fundo de quintal ou sem ferramentas, mas em um estaleiro clandestino, destaca o professor. “Você precisa laminar fibra de vidro, fazer selos poliméricos e tem que ter um conhecimento de motores, ventilação, de centro de gravidade e de instalações. Não é uma gambiarra.”
“Há conhecimento técnico nítido nos projetos desses submarinos. Eles são construídos a mando dos narcotraficantes, [mas] é óbvio que existem profissionais cooptados pelo tráfico para fazer isso, o nível de tecnologia envolvido ali não é algo que alguém faça sem conhecimento técnico, então é uma cooptação de engenheiros, de técnicos que sabem o que estão fazendo”, disse Gustavo Assi.
Projetos vêm se sofisticando. Gustavo considerou o submarino aprendido pela Marinha Portuguesa grande, com 18 metros. O “Che”, narcossubmarino brasileiro de fibra de vidro encontrado no Mar da Galícia em 2019, com motor de 240 cavalos de potência, segundo o jornal La Voz de Galícia, tinha apenas um piloto e dois tripulantes. Eles foram presos com três toneladas de cocaína, avaliadas em R$ 700 milhões, à época. O submarino achado em março deste ano tinha cinco tripulantes e levava quase sete toneladas de drogas.
Estética é intencional. Geralmente, os submarinos são pintados de cores escuras, como o cinza-chumbo, para a sua melhor camuflagem durante a fase de aproximação da costa, na chegada à Europa.
COMO ELE NAVEGA?
Alguns dos submarinos já interceptados teriam sido construídos dentro da Floresta Amazônica colombiana, de onde partem. As embarcações então descem pelo rio Amazonas, equipam-se com suprimentos, comida e tripulantes na foz do rio, próximo a Macapá, e de lá saem para viagem pelo Atlântico.
Embarcações não chegam, contudo, ao fundo do mar. “Eles navegam na flor da água, submersos por alguns centímetros ou menos de um metro de profundidade”, explica Assi.
“Ele não vai lá nas profundezas e só emerge quando chega na Europa. É um barco que navega debaixo d’água porque não suporta grandes pressões externas. Ele vai navegando a uma profundidade rasa, mantendo o seu snorkel ou as suas tubulações para fora d’água, para captar ar”, disse Gustavo Assi.
Mesmo assim, ele é interessante para os traficantes porque navega de forma “invisível”. Ele passa despercebido por longas distâncias, carregando a carga submersa por todo o Atlântico durante viagens que levam cerca de um mês.
Submarinos são naufragados de propósito. A embarcação não é ancorada em praias ou portos no fim do trajeto: ao chegarem em locais de águas rasas, próximos à costa, os tripulantes afundam o submarino para que outro grupo com barco de pesca possa vir, durante à noite, mergulhar e retirar a droga.
COMO SUBMARINOS SÃO ENCONTRADOS?
Patrulhas aéreas com helicópteros ou drones são capazes de identificar os submarinos. Justamente porque não viajam completamente submersos em grandes profundidades, esse tipo de vigilância é capaz de detectar a embarcação, especialmente nas proximidades com a costa.
Traficantes fazem o que podem para driblar as autoridades. Pequenos, com cascos não metálicos que fazem pouco ruído, os submarinos são difíceis de serem percebidos. Suas tripulações ainda planejam as aproximações costeiras para o período da noite, em que é mais difícil serem flagrados.
“MISSÃO KAMIKAZE”
Máquinas são perigosas e há risco de explosões. “Você está ali com tanques de combustível dentro de um casco frágil, sem isolamento, então há risco de explosão, de vazamento de diesel”, destaca Assi. “Também há risco de vazamento de gases do motor para dentro do submarino [que levam à] intoxicação e asfixia.”
Condições dentro do submarino são insalubres. Para transportar o máximo de drogas, há pouquíssimo espaço para quem viaja dentro da embarcação. “Eles têm que fazer as necessidades -defecar, urinar- dentro do lugar onde dormem, onde comem. Há risco de contaminação de alimentos e de alimentos apodrecerem. Existem vários riscos à saúde”, comenta o professor da USP.
Risco de afundar também é grande. Navegando em águas rasas, onde é possível encontrar uma pedra, uma peça de navio flutuando, o casco frágil do submarino pode trincar ou não resistir a um choque. Não há visibilidade alguma debaixo d’água, já que ele navega com o auxílio de um periscópio, então prevenir estas colisões torna-se ainda mais improvável.
“Eu vejo como uma missão kamikaze. Quem embarca em um submarino desse, para atravessar o Atlântico em águas rasas e com esse nível de segurança, sabe que tem um risco altíssimo de não completar a viagem. E a gente não sabe quantos afundaram, quantos desses aí já se perderam. O risco para a tripulação é altíssimo, é uma missão suicida. Mas a segurança não é um critério levado em conta, porque as drogas valem mais do que a vida humana nesse caso”, disse Gustavo Assi.
Ruído e calor também são intensos dentro do submarino pela proximidade do motor. Além disso, há outros riscos diante da pressão d’água e das intempéries no mar, já que o submarino não é preparado para suportar uma tempestade, por exemplo. Um correspondente da BBC News na Europa entrou em um narcossubmarino em 2023 e descreveu o ambiente como “apertado, claustrofóbico e incrivelmente primitivo.”
DEMANDA PELOS SUBMARINOS CRESCE
Os narcossubmarinos foram detectados pela primeira vez em 1993. Daquele ano até 2009, a Marinha da Colômbia interceptou 33 embarcações, segundo os arquivos do jornal Washington Post. O mesmo número foi apreendido somente no ano de 2019, apontou reportagem do UOL.
As embarcações já eram utilizadas desde os anos 1980 para contrabando. No entanto, as arriscadas viagens se provaram um negócio lucrativo e pagariam até US$ 50 mil (R$ 295,6 mil) por tripulante. O UOL apurou que um dos brasileiros presos na operação da Marinha de Portugal, em março deste ano, havia sofrido três ataques cardíacos e decidiu participar do transporte da droga porque precisava de dinheiro para pagar os custos de uma cirurgia no Brasil.
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