É final de junho, a estação é inverno e a oeste da capital Goiana a cidade de Trindade se prepara para a tradicional Festa do Divino Pai Eterno, assim foram nos últimos 180 anos. A festa em louvor ao Divino Pai Eterno em 2019 contou com 360 carros de bois durante o desfile e 4 mil cavaleiros e com a participação de 3,2 milhões de pessoas, mas neste ano nada disso será visto como de costume.
O adiamento do Jubileu de 180 anos da devoção ao Pai Eterno foi anunciado na última semana pelo Reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, padre Robson Oliveira e pelo governador do Estado de Goiás Ronaldo Caiado. O cancelamento da data tradicionalmente prevista foi preciso devido à pandemia do coronavírus, para que não haja aglomeração de pessoas, evitando a propagação do vírus.
A devoção ao Divino Pai Eterno começou quando por volta de 1840 o lavrador Constantino Xavier encontrou um medalhão de barro com a representação da Santíssima Trindade coroando a Virgem Maria. A casa do lavrador e de sua esposa, Ana Rosa desde então foi considerada o primeiro Santuário do Divino Pai Eterno onde um altar foi construído para colocar o medalhão que reunia ao seu redor, familiares e vizinhos do casal que rezavam juntos o terço aos finais de semana.
Começaram a acontecer milagres, prodígios e graças que aumentaram cada vez mais o número de pessoas que se reuniam no local e atribuíam os acontecimentos ao Divino Pai Eterno. Constantino foi o construtor da primeira capela, coberta por folhas de Buriti na região do Barro Preto de Goiás, atual Trindade. Hoje a Romaria que acontece normalmente em julho em Trindade (GO) é o maior evento religioso do Centro-Oeste e terceira maior festa religiosa do Brasil.
Os impactos do adiamento
Durante os dias de festa os padres têm uma rotina intensa, entre missas, celebrações, atendimento de confissões, entrevistas, eles ainda recebem os devotos e abençoam os carreiros e as pessoas que chegam em Romaria. Para padre Robson de Oliveira, Reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno, “a realização da Romaria do Divino Pai Eterno é realmente uma nova bênção a cada ano que passa”.
Em conversa com DM, o sacerdote contou que em 180 anos de devoção, esta é a primeira ocasião que a data da Romaria pode ser alterada “essa é a primeira vez que passamos por uma situação tão inusitada como esta”, alega. “Precisamos, mais que tudo, pensar no bem-estar dos romeiros do Divino Pai Eterno e não poderíamos fazer nada que coloque-os em risco. Lembrando que parte desses romeiros faz parte do grupo de risco, que são os idosos”, defende.
A comemoração que recebe cerca de 3 milhões de pessoas é de onde grande parte dos moradores de Trindade tiram seu sustento para o ano inteiro. Padre Robson justifica que o impacto na economia local seria resultado de algo que neste momento é muito maior, “é esta pandemia da Covid-19 que afetou o mundo inteiro, agora, é momento de sacrifícios para a Igreja, para o município, para a população e também para os romeiros, que se preparam o ano inteiro para estar aqui e celebrar conosco”.
Perspectivas para realização da festa
A perspectiva do Reitor é de que nos próximos 15 ou 20 dias, terá uma resposta precisa sobre a realização ou não do evento na data tradicional, “para tomarmos esta decisão, ainda estamos estudando as possibilidades, faremos reuniões com o Estado e o Município, com os demais órgãos responsáveis pela realização da Festa para ter uma avaliação precisa que nos permitirá programar essa data. Eu, pessoalmente, espero que em setembro, já estejamos aptos a realizar a Festa”, relata.
O religioso acredita que tudo passara em breve, “com fé em Deus, logo poderemos agradecer ao Pai Eterno pelo fim desta pandemia”, afirma. Sobre a possibilidade de transmitir a festa pelos meios de comunicação como tem sido feito com as missas “com certeza, se ocorrer esse adiamento, teríamos celebrações transmitidas pelos meios de comunicação, assim como já vem acontecendo hoje. Porém, ainda não sabemos se será algo específico”, mas esclarece que as festividades e novenas seriam realizadas em uma nova data, “todas as festividades da Romaria seriam realizadas posteriormente” diz.
“Mais do que nunca, somos convidados a estarmos em comunhão de oração. Esta é uma situação muito difícil e inusitada, mas, pela fé, nos unimos como filhos e filhas do Divino Pai Eterno. Tenham paciência e sigam sendo Igreja doméstica em seus lares, vivendo a Palavra de Deus, com a esperança de que, em breve, tudo isso vai passar”, finaliza o sacerdote.
Fé e devoção ao Divino Pai Eterno
A Romaria movimenta pessoas de todos os lugares do país, que vem cumprir as promessas por graças atribuídas ao Divino Pai Eterno, padre Robson explica, “o Pai Eterno conhece cada um de nós, conhece o mais profundo sentimento do nosso coração. Portanto, em um período como este, de tantas incertezas, os fiéis não precisam ficar preocupados. Se a decisão de todos os órgãos responsáveis pela Festa, for pelo adiamento do evento, os fiéis ficarão liberados de cumprir suas promessas na data tradicional. Neste caso, é provável que seja definida uma nova data, sendo essa a mais adequada para que as promessas sejam cumpridas”.
A professora aposentada Iraci Borges de 95 anos acompanhou o crescimento da devoção ao Pai Eterno “tem 68 anos que moro em Trindade e nunca falhei uma festa”, ela relembra saudosamente o dia que entrou pela primeira vez na matriz dedicada ao Divino Pai Eterno, “dia 28 de fevereiro de 1951 quando entrei na Igreja matriz pela primeira vez” e garante que sua chegada à Capital da Fé dos goianos foi um chamado.
“Acredito que a minha vinda para Trindade foi um chamamento divino. Eu não conhecia a devoção ao Divino e tive um sonho com a imagem do Divino”, ela conta que após perder pessoas da família, encontrava-se sem chão e já pretendia se mudar. “Logo após meu sonho recebi um telegrama dizendo que em Trindade havia uma vaga e eu respondi por telegrama que aceitaria sem conhecer, como era uma indicação do meu padrinho de batismo imaginei que era o melhor pra mim”.
A surpresa de dona Iraci veio logo após sua chegada ao novo destino “eu não trouxe mudança, vim com a indicação para uma pensão que ficava do lado da Igreja, logo que me alojei minha madrinha me levou a Igreja e quando cheguei lá tamanha foi a minha surpresa, a imagem que eu sonhei. Meu sonho foi uma revelação”, conta. Desde então ela se dedica a cidade e a devoção ao Divino Pai Eterno e garante que é “plenamente feliz” desde sua chegada a Trindade.
Emocionada Iraci diz que nunca pensou que o adiamento da festa em que trabalhou por muitos anos pudesse acontecer, “estou muito triste, temos que rezar muito para esse vírus desaparecer, está assolando o mundo inteiro. Na minha idade aos 95 anos nunca pensei que pudesse passar por isso”, mesmo diante das dificuldades o olhar da devota é positivo “mas estamos tendo a oportunidade de reconhecer a solidariedade do povo brasileiro”, declara.
A nova geração de devotos
Alef Ricardo de Moura têm 24 anos e herdou a tradição de participar da Romaria dos avós “a devoção ao Divino Pai Eterno, e a ida a Trindade durante a festa ou não, sempre esteve na vida dos dois. Desde que nasci com poucos meses fui levado por eles a Trindade”, relata. O professor acredita que foi assim que nasceu sua devoção ao Divino Pai Eterno “ali creio que o amor de devoto passou a inflamar meu pequeno coração, na grande festa”.
Ele já participa da festa há 15 anos “sempre íamos de excursão nos dois dias finais da Romaria, nos juntávamos aos milhares de fiéis que de ônibus acorriam ao santuário para agradecer as graças de mais um ano ao Pai Eterno. Nos últimos anos, vovô retornou à casa paterna, porém continuamos, os netos vão no primeiro final de semana caminhando, e no Domingo da Festa vamos de carro”, conta.
Ao saber da suspensão do evento, Alef lamentou "quando soube da notícia do adiamento da festa, o coração chorou", entretanto ele afirma que a fé o sustenta e mantém a esperança, "me fez pedir com muita esperança ao Pai Eterno que nos livre desta pandemia. É por um bem maior, o Pai sempre tem cuidado dos filhos, e nos quer bem. Então entendemos que é pelo bem e segurança de cada um dos seus devotos", enfatiza.
Déborah Félix relata que desde a adolescência costumava visitar o Santuário com seus pais para assistir às missas aos domingos e visitar a Igreja Velha. Hoje aos 29 anos, a estudante de pedagogia tenta iniciar a tradição da Romaria com sua família, “em 2017 foi meu primeiro ano de Romaria. Entendi então o que significava a caminhada, a sensação única de rezar pelo caminho, rezar por alguém que se ama e chegar na Igreja e agradecer, ter aquela sensação de paz única no coração”.
Déborah relembra os momentos de caminhada, “passamos por diversas pessoas que estão superando obstáculos para estarem ali, que estão em busca de algo maior” e conta os diferentes motivos que à levaram a Capital da Fé. “Em 2017 pedi pela cura de uma grande amiga que havia descoberto câncer de mama, 2018 pedi pela cura dela novamente, em 2019 ela faleceu e também adquiri casa própria, então fui para rezar pela alma dela e para agradecer a conquista da minha casa. Em 2019 com grande felicidade consegui levar meu marido junto caminhando comigo”.
Para ela o adiamento da festa fortalecerá a fé dos fiéis “acredito que será mais forte que todos os anos anteriores, o isolamento social que não permite que estejamos na igreja como gostaríamos, nos fará mais forte para ir até o Divino Pai Eterno agradecer por estarmos vivos e por ter tido fé e capacidade de superarmos esse momento complicado que o mundo vive”, declara.