Ulisses Aesse
Um dos principais nomes do Direito goiano, Marcelo de Castro Dias, é advogado formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), especialista em Planejamento Urbano e Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-GO) e membro da Comissão de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-GO). Em entrevista ao Diário da Manhã, Marcelo de Castro Dias lembra da vocação agropecuária do Brasil, mas adverte sobre a necessidade da preservação ambiental como forma, inclusive, de se manter o comércio da produção com outras nações. O advogado diz que o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve intacto o Código Florestal, alterando apenasmente sete pontos da lei de forma quase cirúrgica, entre eles, o que o advogado considera uma alteração muito importante, como a da intervenção em áreas de preservação permanentes, as APPs, que são a intervenção por interesse social ou utilidade pública. ‘Ficam aqui condicionadas à inexistência de alternativa técnica ou locacional à atividade proposta’, afirma ele. Para Marcelo, mesmo com todos os problemas apresentados, o Brasil vai implantar seu Código Florestal com seus excelentes instrumentos e reverter este quadro de insegurança jurídica e de desmatamento ilegal. Só assim, sustenta, o País conseguirá implantar um sistema de preservação florestal moderno onde o agronegócio, com toda sua tecnologia de ponta, conviva com o extrativismo florestal, com a biodiversidade de forma harmônica, numa unidade econômica, com a manutenção de ecossistemas preservados, e, que se possa servir de exemplo para os outros países do mundo. Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Diário da Manhã - Qual a situação da legislação florestal no Brasil e sua interface com os setores produtivos da agropecuária?
Marcelo de Castro Dias - O Brasil possui vocação nata para produção de alimentos e pecuária, mas, também, é um dos países com maior biodiversidade do planeta. Não se pode alavancar a produção de alimentos de forma destrutiva, sem os cuidados com as florestas e biomas existentes. Para entendermos melhor esta interface e a evolução na visão do legislador temos que resgatar o histórico destas leis e historicamente o Brasil possuiu três códigos florestais, contando com o atual. O primeiro tratou-se do Decreto 23.793/34, e tinha uma preocupação utilitarista, ou seja, preocupava-se mais com a exploração dos recursos naturais, do que com a proteção da biodiversidade, e classificava as florestas em protetora, remanescentes, modelo e rendimento. As protetoras tinham este nome porque se localizavam perto de rios, e se aproximam das hoje denominadas áreas de preservação permanente; as remanescentes seriam o que denominamos hoje de parques nacionais e unidades de conservação de proteção integral, e visavam a preservação de espécies que o poder público entendiam como “preciosas”; as modelos eram as artificiais, ou que não eram formadas de espécies nativas, denominadas de exóticas, e por último as de rendimento, que eram as florestas não compreendidas nas anteriores. Percebe-se então, que de longa data já havia a preocupação do legislador em organizar as informações florestais em nosso país. Depois veio o Código Florestal da Lei Federal nº 4.771/65, que sofreu diversas alterações legislativas no tempo. Este Código já mais consentâneo como a tendência preservacionista, delimitou expressamente o regime das chamadas áreas de preservação permanente e de reserva legal, bem como o regime florestal das pequenas propriedades. Era um código que recebia muitas críticas dos produtores rurais, pois em sua grande maioria não conseguia adequar-se as limitações administrativas ambientais do uso da propriedade nele impostas, muitas vezes levando o setor produtivo a ficar à margem da lei, o que levou a sociedade a debater uma nova legislação que trouxesse esta gama de pessoas do setor produtivo para legalidade, sem que com isso houvesse uma ampliação da degradação ambiental, ou seja, buscou-se um equilíbrio nas duas vertentes, agronegócio e preservação ambiental, numa dura tarefa para o congresso nacional. Sendo então aprovado a Lei Federal 12.651/12, o atual Código Florestal do país.
Diário da Manhã - Qual a vertente adotada pelo novo código florestal?
Este novo Código Florestal tem como princípios o objetivo de trazer o desenvolvimento sustentável, com o compromisso pela preservação das florestas, confirmando a importância inquestionável da atividade agropecuária para o país, e, consignando ser responsabilidade de todos a fiscalização do meio ambiente, sendo as florestas denominadas bens de interesse comum de todos cidadãos, possuindo, também, instrumentos econômicos para alavancar a preservação ambiental, reafirmando como regramento que a manutenção de florestas podem levar a limitações administrativo-ambientais ao direito de propriedade e não desapropriação. E dentre vários mecanismos traz o conceito de área rural consolidada, que são as áreas com ocupação de benfeitorias e edificações, ocorrida antes de 22 de julho de 2008, o que possibilita a existência das regras de transição para ocupação do solo, um dos pontos nevrálgicos do novo Código Florestal. Veja que é grande abrangência da Lei.
Diário da Manhã - Como está a implantação do Código Florestal e sua aceitação pelo setor produtivo e agronegócio?
Em recente entrevista no mês de agosto, ao jornal Folha de S. Paulo, a ministra Tereza Cristina, da Agricultura, disse uma frase que me chamou a atenção e vem a calhar no momento. Ela disse que “o Brasil precisa parar de discutir o Código Florestal e implementá-lo para reduzir o desmatamento na floresta amazônica”. Isto é uma verdade, mas o poder público tem de assumir a responsabilidade neste sentido. O que ocorre é que o projeto de lei do novo Código Florestal, num primeiro momento não agradou o setor de agronegócios, que queriam menos estrições ao uso da propriedade, ou seja, mais espaço para produção e menos florestas, e muito menos agradou os ambientalistas, que viam no novo Código Florestal um retrocesso na proteção das florestas e biomas existentes, e assim foi aprovado a lei. Realmente houve uma diminuição de algumas limitações administrativas, e regras de transição com menos restrições ao uso do solo, ocorrendo que, diminuem o tamanho das áreas de preservação permanente, onde houvesse ocupação consolidada até 22 de julho de 2008, data da entrada em vigor do Decreto Federal 6.514/2008, que regulamenta a Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9605/98). Então, entidades mais afinadas com a visão preservacionista, adentraram com Ações Diretas de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, as chamadas ADIN´s e mais uma outra ADIN de um partido político, para retirar a validade da lei, alegando, como foco principal de que o novo Código Florestal era inconstitucional, pois feria um princípio implícito na Constituição Federal, que é a vedação do retrocesso em questões ambientais. Ou seja, a argumentação era que o novo código florestal diminuía o tamanho das áreas de preservação permanente e de reserva legal das propriedades, e, também, dava uma anistia aos proprietários que aderirem ao Programa de Regularização Ambiental, chamado PRA, para as infrações ocorridas até 22 de julho de 2008, o que levaria a uma maior degradação do meio ambiente e de sua proteção e preservação. Em contrapartida outro partido, adentrou com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade - ADC, para que o Supremo Tribunal Federal confirmasse a constitucionalidade da lei, já que pairavam dúvidas. Desse modo estava instaurada a celeuma.
Diário da Manhã - O que ficou decidido pelo Supremo Tribunal Federal?
Para situarmos esta resposta, é bom explicar para os menos familiarizados com o tema que áreas de preservação permanentes para o Código Florestal são áreas protegidas, cobertas ou não por vegetação nativa, com a função ambiental, de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas; portanto são as reservas naturais mais importantes, se é que pode se dizer nestes termos, pois garantem a qualidade da água e da biodiversidade. E as reservas legais são as áreas que os proprietários de terras têm que deixar com vegetação nativa, com intuito de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural; que variam a porcentagem de região para região, sendo no bioma Cerrado, e especificamente em Goiás, no geral, 20% da propriedade de Reserva Legal, e estas reservas legais, junto com as unidades de conservação previstas na Lei do SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei Federal nº 9.985/2000), formam a base da legislação florestal de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável no país. Dito isso, podemos responder que o Supremo Tribunal Federal manteve praticamente intacto o Código Florestal, alterando sete pontos da lei de forma quase cirúrgica, como exemplo de uma alteração importante, ficou condicionado que as exceções que possibilitaram a intervenção em áresa de preservação permanentes as APPs, que são a intervenção por interesse social ou utilidade pública, ficam condicionadas à inexistência de alternativa técnica ou locacional à atividade proposta. Por outro lado, decidiu o STF que não se tratava de anistia, visto que os proprietários continuam sujeitos a punição na hipótese de descumprimento dos ajustes firmados nos Termos de Compromisso, para aplicação e aprovação dos Planos de Recuperação Ambiental – PRAs. Quanto ao postulado da vedação do retrocesso, o STF enfatizou que no duelo valorativo entre a proteção ambiental e a tutela do desenvolvimento, tendo como centro de gravidade o bem comum e a pessoa humana, não se pode dizer que são políticas antagônicas, que não cabia ao Supremo delimitar o modelo escolhido pelo legislador de desenvolvimento sustentável do país como um todo, portanto para o STF, não se tratava de retrocesso ambiental e sim modelo de desenvolvimento escolhido pelo legislador sobre o tema. Tendo o STF decidido a questão, tem razão a Ministra em falar para diminuir o debate acirrado e implementar a Lei, o que serve tanto para os órgãos ambientais, bem como para os proprietários e possuidores de terras e, também, ambientalistas.
Diário da Manhã - Qual são os mecanismos previstos no Código Florestal para aplicação desta politica de desenvolvimento sustentável e como está sua aplicação?
O Código Florestal prevê vários mecanismos, dentre eles o CAR, Cadastro Ambiental Rural, no âmbito do Sistema Nacional de Informação sobre o Meio Ambiente – SINIMA, uma inovação trazida na legislação para que o próprio produtor rural faça a declaração por meio de planta e memorial descritivo, onde informa a localização dos remanescentes de vegetação nativa, das Áreas de Preservação Permanente, as Áreas de Uso Restrito, as áreas consolidadas e, caso existente, também da localização da Reserva Legal. Estes dados vão compor uma base de dados das propriedades rurais para controle e monitoramento pelos entes estatais, possibilitando corretas informações para delinear o planejamento ambiental e econômico do ´país e o combate ao desmatamento. Para que o leitor interessado no tema possa entender, trata-se a grosso modo, como as informações prestadas na Declaração de Imposto de renda, e se não estiverem corretas, os proprietários podem cair na malha fina para regularização. É que os órgãos ambientais estaduais, vão poder confrontar estas informações com base de dados do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural -CCIR, que é documento emitido pelo INCRA, com a base de dados do IBAMA e imagens de satélite, visita in loco por amostragem, e também das informações constantes do ADA – Ato Declaratório Ambiental - ADA, obrigatório por lei e que serve para redução do valor da alíquota do Imposto Territorial Rural- ITR, que varia de 0,03% a 20%, de acordo com área total do imóvel e grau de utilização. Quando vejo o debate sobre tamanho de desmatamento e incêndios florestais na mídia, com dados variados, tenho que para a Academia e debate científico, o correto é a implantação do CAR, para sabermos corretamente como combater o desmatamento ilegal e realizar o planejamento de ocupação racional do solo.
Diário da Manhã - E como está sua aplicação?
O produtor rural deve se manter atualizado e dentro das normas em vigor e o atual Código Florestal está dando uma chance de ouro para isso. Primeiro ponto, deve ser feito o georreferenciamento do imóvel rural, previsto na Lei Federal nº 10.267/2001, que é o mapeamento de um imóvel rural referenciando os vértices de seu perímetro ao Sistema Geodésico Brasileiro, definindo sua área e sua posição geográfica. Serve para a regularização registral dos imóveis rurais que já está obrigatório pela lei para propriedades maiores que 100 hectares, sendo que para proprietários de terras acima de 25 hectares e menores que 100 hectares a data de 20/11/2023 o prazo de carência, e menores que 25 hectares a data de 20/11/2025. Caso não tenha feito o georreferenciamento, mesmo assim é importante para regularização que o proprietário rural faça o CAR – Cadastro Ambiental Rural, com as medidas que possui no registro de imóveis, o que possibilitará a regularização das áreas rurais consolidadas, ou seja, o proprietário poderá aderir ao regime jurídico transitório que autoriza a continuidade das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em áreas de preservação permanente, aderindo ao PRA – Programa de Regularização Ambiental, que trará um regime que pode ser mais atrativo ao proprietário, a ser analisado caso a caso, mas para isso o proprietário terá de estar inscrito no CAR perante a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável - SEMAD de Goiás até 31 de dezembro de 2.020, caso não haja prorrogação do prazo. Necessário ainda que o produtor rural faça o ADA – Ato Declaratório Ambiental perante o Ibama, descrevendo suas reservas legais e área de preservação permanente e unidades de conservação que existam no imóvel, impedindo que estas áreas sejam tarifadas com alíquotas mais altas do Imposto Territorial Rural - ITR pelo fato da receita federal não reconhecer como áreas de preservação e taxar de improdutiva. Importante ainda que as atividades econômicas do proprietário ou possuidor rural, como obrigação assessoria faça o cadastro, CADASTRO TÉCNICO FEDERAL – CTF e possa ter o Certificado de Regularidade, que é a certidão pela qual o Ibama atesta que os dados das pessoas inscritas estão em conformidade para com as obrigações decorrentes do Cadastro, referentes às atividades sob controle e fiscalização do Ibama, previsto na instrução Normativa IBAMA nº 6, de 2013, também quando necessário possua o DOF – Documento de Origem florestal, que permite o transporte e estocagem de produtos florestais de origem nativa. São documentos fáceis de cadastrar em sua maioria. Estando regular com estas informações, possibilitará ao produtor rural ter amplo acesso ao crédito e financiamento bancário, bem como maior valorização de sua propriedade e produtos agropecuários ali produzidos, que terão uma visão do mercado, como propriedade que cumpre sua função social. Alguns produtores ainda tem uma visão distorcida deste sistema, e ficam arredios, mas a tendência é que adequem-se, principalmente a nova geração que virá mais conectada com esta nova realidade de sistema digital integralizado de informações, e do acesso a benefícios que a regularização pode trazer.
Diário da Manhã - Qual a importância das unidades de conservação para proteção ambiental?
São de suma importância, pois estas unidades de conservação previstas na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação -SNUC (Lei Federal 9.985/2000), junto com as áreas de preservação, Apps e reservas florestais, podem e devem construir os chamados mosaicos ambientais, que são faixas contínuas preservadas com interligação, criando, também, os corredores ecológicos, que são indispensáveis para manutenção da flora e sobrevivência de nossa fauna tão rica. Aqui no Cerrado, em Goiás, cito dois importantes exemplos de propriedades privadas que foram transformadas em unidades de conservação, uma é a recente criada Reserva Particular do Patrimônio Natural, RPPN, Sede Campestre ADUFG, pertencente a associação dos professores da Universidade Federal de Goiás (UFG), na qual tive oportunidade de colaborar com os docentes, nos meandros das legislação aplicada para sua implantação, área bem preservada no Fazenda Morro Feio, que na verdade é belo, no município de Hidrolândia. De forma até incoerente com o intuito preservacionista existe grande burocracia, com emaranhado de leis para criação duma RPPN, justificável até certo ponto, pois a terra é gravada em caráter de perpetuidade, como de preservação permanente. Outra importante unidade de conservação é a Área de Proteção Ambiental do Vale do Encantado, uma grande área toda preservada nos cânions do Rio Araguaia, criada pela visão do jornalista Batista Custódio, para preservar um santuário ecológico de beleza ímpar, que serve para preservar a biodiversidade do cerrado para as presentes e futuras gerações. Tendo inclusive recebido diploma da UNESCO com área de relevante interesse ambiental para humanidade. Região muito rica em recursos hídricos e minérios, já sofreu tentativa de construção de uma hidrelétrica e mineração irregular, que foram repelidas graças a existência da APA, que inclusive é ponto de soltura de animais silvestres capturados, sendo um santuário ecológico. Infelizmente tive notícias que vem sofrendo atualmente invasões irregulares para desmatamento, que estão sendo investigadas e autuadas pelos órgãos ambientais do Estado de Goiás. Existe também o Parque Estadual da Chapada dos Veadeiros, que possui uma biodiversidade muito rica, e outros de rara beleza em nosso estado. Então, o Cerrado como berço das águas, precisa destas áreas para manter sua biodiversidade, já que a pressão do setor produtivo é enorme, o estado de Goiás tem vocação nata para o agronegócio, sendo as unidades de conservação um ponto de equilíbrio.
Diário da Manhã - O produtor rural precisa de assessoria para esta adequação?
Obrigatoriamente não, mas é de grande relevância, para uma correta adequação aos preceitos da legislação, em especial o Código Florestal, que o proprietário procure um agrimensor, bom e zeloso profissional, para elaboração do CAR, com indicação das reservas legais e áreas de preservação permanente do imóvel de forma correta, e, também, caso necessário, quando envolver regularização e assinaturas de Termos de Compromisso, sentindo-se desprotegido juridicamente, que procure apoio jurídico de advogados que entendam da área, ou seja, de sua confiança. Caso não conheça, a OAB de Goiás possui quadros qualificados de advogados com atuação nesta área e que podem ser informados em contato com a OAB/GO. Sempre costumo dizer que o advogado que milita nesta área de Direito Ambiental sempre tem de contar com laudos de um profissional técnico, seja engenheiro, agrimensor ou biólogo, e técnicos peritos em geral, para prestação de um bom serviço, sendo de bom alvitre, que estes profissionais, também, contem com serviços de assessoramento jurídico, que caminhem parceiros, mas independentes entre si, e com escritórios separados.
Diário da Manhã - Pode haver também punição a quem não se regularizar?
Pode e as punições na seara ambiental são muitas vezes multas pesadas, que podem variar de R$ 50,00 (cinquenta reais) e o máximo de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), e embargo de áreas, o infrator está sujeito a chamada tríplice punição, pois além da multa administrativa, pode ser condenado em indenização cível e ainda obrigação de fazer de recuperação da área degradada, bem como punição na esfera criminal com penas de prisão. O novo Código Florestal consagrou ainda, no seu artigo 2º, §2º, as chamadas obrigações de natureza propter rem, ou seja, tem natureza real, que significa que são transmitidas aos sucessores, no caso de transferência do domínio ou posse da propriedade rural, trocando em miúdos, se você compra uma fazenda onde houve um desmatamento, você poderá ser responsabilizado pelo desmatamento e pagamento da multa administrativa, ainda que não seja o infrator, pois a multa e obrigação de recomposição florestal acompanham a propriedade. Sendo importante fazer o levantamento do passivo ambiental ao adquirir um imóvel rural. Além disso, fazendas com áreas embargadas ficam com restrição para obtenção de financiamentos para plantio em instituições financeiras, o que dificulta a atividade econômica. Neste quesito alguns proprietários rurais tem sofrido restrições, que entendo ser abusiva, de instituições financeiras, que não se sustentam do ponto de vista jurídico. É que a legislação, em especial o art. 15-A do Decreto Federal 6.514 prevê que este embargo restringe-se aos locais onde efetivamente caracterizou-se a infração ambiental, desta forma não deveria existir restrição ao crédito para as demais atividades econômicas da propriedade ou posse rural. Vamos supor que um imóvel possua 1.000 hectares, e houve desmatamento irregular de 50 hectares, então este imóvel rural sofreu embargo destes 50 hectares e multa administrativa pelo ato irregular, que pelo princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, está sendo motivo de recursos administrativos, que podem alegar desde erro no tamanho da área, como valor excessivo no tamanho da multa, ou até que o proprietário possuía licença ambiental. Desta forma, o resto da área, 950 hectares está livre para o plantio e produção, mas muitas vezes encontram dificuldades para financiamento e até para escoar a produção para multinacionais, devido a fazenda estar no cadastro de áreas embargada do Ibama. Mas o embargo é só daquele pedaço de terra, pela legislação em vigor, e não da propriedade como um todo, estes abusos tem de ser combatidos pelos produtores rurais, inclusive judicialmente se for o caso, pois prejudicam o setor do agronegócio como um todo.
Diário da Manhã - Esse emaranhado de leis não complica a vida do produtor rural?
Realmente existe um emaranhado de leis e decretos que fazem parte do arcabouço legislativo ambiental, começa no art. 225 da constituição federal, depois tem-se a Lei complementar 140/2011, que define as competências comuns para licenciamento e proteção ambiental existente entres a União, Estados e Municípios, a percursora Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), que já trazia importantes princípios como o do poluidor-pagador; a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos (lei 9.433/1997), Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei nº 9.985/2000), Lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), , Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98 e seu Decreto 6.514/2008), e dezenas de outras importantes leis ambientais, e ainda centenas de resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que regulamentam obrigações ambientais e impõe condições aos jurisdicionados. Para exemplificar como se concatenam estas leis, a Lei de Política Nacional de Meio Ambiente, em seu artigo 9-A, prevê expressamente que quem possui áreas de reservas legais excedentes, pode instituir uma servidão ambiental desta área pelo prazo mínimo de 15 anos ou com caráter de perpetuidade, e esta área pode ser cedida onerosamente a outro proprietário de terras que não possua reserva legal, para sua regularização, desde que no mesmo bioma. Ou seja, a preservação numa área pode ser inclusive rentável economicamente, fora os créditos por emissão de carbono, e a Cota de Reserva Ambiental – CRA, título nominativo representativo de área com vegetação nativa, que terá valor econômico no mercado. Tenho a oportunidade de fazer parte da Comissão de Direito Ambiental da OAB/GO, na qual sempre são debatidos projetos de lei para aprimoramento da legislação ambiental em Goiás, já que além de toda legislação federal, temos uma enorme gama de legislações ambientais estaduais e também municipais, e atualmente foi posto em pauta pelo presidente da comissão, Dr. Victor Mendonça, entusiasta das questões jurídico-ambientais, discussão para emissão de um parecer sobre a Lei Estadual nº 20.773/2020 que “Institui o Regime Extraordinário de Licenciamento Ambiental - REL como medida de enfrentamento da situação extrema de âmbito econômico no Estado de Goiás, provocada em razão da decretação de estado de calamidade pública, decorrente da infecção humana pelo Novo Coronavírus (COVID-19)”. Também estamos com pauta nova, de minha sugestão, que teve boa aceitação dos colegas da comissão, que é justamente a discussão sobre a aplicação do código florestal, em especial no estado de Goiás.
Diário da Manhã - Não pode haver uma simplificação ou criação do Código Ambiental para facilitar a vida do cidadão?
Aperfeiçoamento e simplificação da legislação ambiental sempre é possível. Na verdade temos uma legislação ambiental moderna que propicia ao meu ver o desenvolvimento sustentável caso aplicada em sua integridade e órgãos ambientais aparelhados, com técnicos capacitados para análise dos processos de licenciamento ambiental e corpo de fiscais atuantes para coibir infrações ambientais de toda ordem. No âmbito municipal, sempre fui a favor da criação do Código Ambiental do Município de Goiânia, desde quando fui Coordenador Jurídico da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, na qual atuei para fortalecimento do Conselho Municipal de Meio Ambiente de Goiânia, o Fundo Municipal de Meio Ambiente, com autonomia para gerir os recursos advindos do licenciamento ambiental e multas, e o SISLAM, que se trata do Sistema Licenciamento Ambiental Municipal, entendia que deveria haver o Código Municipal Ambiental e sou a favor para Goiânia. No campo nacional era a favor de um Código Ambiental Nacional que congregasse essas diversas legislações ambientais, porém convergindo para um entendimento que vi o Dr. Clarismino Jr. esposar em palestra, que podemos lhe chamar do decano no Direito Ambiental em nosso estado, com renomado conhecimento da área, e que ele me corrija, se estive falando errado, que o ideal seria uma Consolidação da Legislação Ambiental, nos moldes da Consolidação da Leis Trabalhistas, para que este apanhado de leis ambientais sejam consolidados num único instrumento legal.
Diário da Manhã - O que vê para o futuro da questão florestal e desenvolvimento sustentável do país?
Gosto muito da frase do jurista Ariano Suassuna que fala: ‘O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso’. Me enquadro nesta perspectiva. Sou um realista esperançoso e penso que mesmo com todos problemas, o Brasil vai conseguir implantar este Código Florestal com seus excelentes instrumentos e reverter este quadro de insegurança jurídica e de desmatamento ilegal, para implantarmos um sistema de preservação florestal moderno, onde o agronegócio, com toda sua tecnologia de ponta, conviva com o extrativismo florestal, a biodiversidade de forma harmônica, numa unidade econômica, com a manutenção de ecossistemas preservados e possamos servir de exemplo para os demais países do mundo. O professor José Afonso da Silva, brilhante e festejadíssimo constitucionalista no meio jurídico, escreveu a obra ‘Direito Ambiental Constitucional’, onde certificou sobre o tema que ‘A importância das árvores para a vida humana é fato de reconhecimento antigo e universal; daí por que a proteção do patrimônio florestal sempre constituiu uma preocupação jurídica’.