Ressaltada por canções e poesias, a amizade é vista como uma das relações mais grandiosas da humanidade. Mas, muitas vezes, pelo ambiente de competição e comparação incentivados pela sociedade, a união - que sugere apoio, compreensão e felicidade - se torna tóxica e até perigosa. E os adolescentes, em processo de formação e autoafirmação, estão mais vulneráveis à amizades arriscadas.
Um caso que tem sido muito comentado diz muito sobre isso. A digital influencer, Rhailla Maielly Kloh, 20 anos, foi espancada por três amigas em 2016, quando tinha 14 anos, e torturada pelas garotas durante três horas. As agressões aconteceram na casa de uma delas, que amarraram a vítima e a levou para o fundo da casa, onde tinha aberto cova.
Pela situação grotesca, a influencer achou que tratava-se de uma brincadeira, até que foi atingida por uma faca no ombro. Logo, conseguiu fugir, foi socorrida e levada ao hospital. As agressoras, que gravaram as torturas, foram condenadas a três anos de internação por ato infracional. A motivação do crime, de acordo com investigações, foi ciúmes, pois a vítima estaria interessada no ex-namorado de uma das agressoras.
Já outro caso que aconteceu ano passado terminou em tragédia. A também adolescente Ariane Bárbara Laureano de Oliveira, 18 anos, foi morta a facadas e seu corpo jogado em uma mata, no Setor Jaó.
De acordo com a polícia e o Ministério Público, três jovens, entre 19 e 23 anos, convidaram a vítima para lanchar e no caminho, dentro de um carro, mataram a garota. Os jovens confessaram o crime e contaram que assassinaram Ariane para saberem se eram psicopatas.
Apesar de fatos lamentáveis como os acima, de acordo com a psicóloga na Secretaria Municipal de Saúde Alves, que é doutora em educação, Cida Alves, no processo interpessoal há muitas pessoas conseguem desenvolver relações de amizades cooperativas e empáticas.
“Mas há também indivíduos que vão desenvolver relações dentro de uma perspectiva de competição e terão incapacidade de lidar com sucesso do outro, seja em aspectos cognitivos, que envolvem aparência ou bens materiais”, analisa.
Os casos de relações tóxicas na amizade vêm de longa data. “Histórias de nossas avós e mães, mostram amizades que expõem o outro a situações de violência, vexames ou humilhações. Mas, tudo que existe foi potencializado, tanto no positivo, como negativo, pelo contato com o mundo virtual, em que as margens de socialização são reduzidas, o que impede de olhar o outro ”, explica.
Adolescência
Conforme a psicóloga, a necessidade latente de pertencer a um grupo, acaba trazendo relações não saudáveis à vida do adolescente. “Essa é a fase em o jovem precisa se afirmar como indivíduo único e, assim, se separa da família e se identifica mais com seus iguais. Assim, os valores se tornam o do grupo, que opera de acordo com a própria imaturidade. Mas é claro que existem as raízes sedimentadas em cada um”, argumenta.
Assim, muitos erros acontecem nessa época, porque, conforme Cida Alves, os adolescentes possuem a cognição desenvolvida, mas ainda não evoluíram a maturidade em uma fase em que tudo é mais intenso.
Para a psicóloga, os adultos devem monitorar essa fase de independência e imaturidade e é preciso identificar as raízes dos conflitos. Pois, se antes a maioria dos motivos estavam voltados à origem e posses da família, hoje a aparência física é o mais importante. “Assim, buscando uma imagem que não existe, existe a busca por ser melhor ou mais popular, lidam com diferenças de forma ruim e acontecem muitas situações de perversidade”, conta.
Soluções
Para evitar situações assim, a psicóloga explica que a atuação deve ser em três níveis: na família, na escola e na sociedade. Os pais, por exemplo, devem criar em casa ambiente de cumplicidade e liberdade para que os jovens levem os amigos para dentro da residência e, dessa forma, possam observar tais relações de perto.
“A escola precisa entender também que o seu papel, além da aprendizagem, é de criar uma relação próxima e afetiva entre os alunos e não ficar apenas na lógica de competição das notas. A escola pode desenvolver projetos que ressaltem o que é ser amigo e como ajudar o amigo, por exemplo”, detalha.
Cida Alves explica ainda que a comunidade como um todo também pode e deve ajudar nessa educação, já que internet, programas de TV e música também são socializadores e incentiva a criação de políticas públicas nesse sentido. “Todos podem atuar para desconstruir essa lógica de ver outro como rival e desenvolver a empatia”, explica.
Dicas de como identificar uma amizade tóxica
- Escute seus amigos – Tem-se a mania de naturalizar o jeito violento, então, tente observar o discurso e valores da pessoa.
- Analise a relação – Observe se a pessoa te estimula ou coloca para baixo, se gasta energia te depreciando ou leva adiante informações falsas a seu respeito.
- Desnaturalize as pequenas violências - Não é brincadeira quando você se sente humilhado ou constrangido.
Psicóloga Cida Alves