Recentemente casos de etarismo - preconceito relacionado à idade - têm sido noticiados na mídia com mais um agravante: tem chegado cada vez mais cedo. Nesta semana, por exemplo, um vídeo de duas universitárias zombando do fato de estudarem com uma estudante de 44 anos, viralizou nas redes sociais.
No vídeo,uma das universitárias ironiza: “Gente, quiz do dia: como ‘desmatricula’ um colega de sala?”. Em seguida, outra responde: “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”. “Realmente”, concorda a terceira.
A estudante a quem as garotas se referem é Patrícia Linares, que, em entrevistas, relatou o quanto tal vídeo a abalou. “Eu chorei muito. Quando cheguei em casa, contei para o meu esposo o que tinha acontecido, mandei para as minhas irmãs e aí tudo começou a acontecer”.
Em contrapartida, com o vídeo viralizado, Patrícia ganhou diversas mensagens de apoio à estudante e suas autoras, o contrário. A universdade, em nota, afirmou que não compactua com qualquer tipo de discriminação e está tomando medidas em relação às universitárias envolvidas no caso, porem não divulgou quais.
Outro caso recente de etarismo, aconteceu com a escultora Andrea Sunshine, 53 anos, conhecida como Vovó Fitness. Adepta da rotina de treinos, mantém um perfil na plataforma OnlyFans no qual mostra o corpo bem cuidado e a rotina de atleta. Apesar de ter muitos seguidores, tem sofrido com mensagens preconceituosas. "Querem acabar com minha autoestima" desabafou.
Dois lados
O serralheiro, 62 anos, está cursando o primeiro ano de Direito na Unialfa. Foto: arquivo pessoal
Já o serralheiro Valcy da Cruz, tem recebido apoio, mas também há quem o desestimule. Aos 62 anos, está cursando o primeiro ano de Direito na Unialfa. Ele conta que os filhos e o trabalho o impediram de terminar o ensino médio. Mas está correndo atrás do prejuízo: em 2002 terminou o 3º ano como melhor aluno da Escola Ney Ribeiro Valadão A intenção era emendar a faculdade no ano seguinte, mas a perda de um filho para o câncer adiou os planos e ele resolveu se mudar para a Europa.
“Quando voltei para Goiânia, pensei: estou sozinho vou realizar meu sonho de estudar”, conta. Entre os colegas de sala, o serralheiro ressalta que é acolhido e o mesmo não pode dizer do apoio de alguns amigos e familiares. “Eles dizem que vou passar cinco anos estudando e depois ainda tem a prova da OAB e é muito tempo. Mas eu digo a eles que ainda tenho tempo e nunca desisto do que quero ", afirma.
A socióloga Carol Loss, 43, que é doutoranda em Sociologia pelo IESP- UERJ, Mestra em Sociologia e Bacharela em Segurança Pública e Social, também entrou na faculdade mais velha, aos 34 anos. E, no decorrer da carreira acadêmica sempre ouviu frases como: “você é tão ‘anos 80’”, “Por que você não pinta seus cabelos?” (eles estão grisalhos naturais) e “você jamais terminará seu doutorado porque você já é mãe”.
“Quando entendi que estas colocações falavam muito mais dos outros que de mim mesma, passei a me afastar dessas pessoas e a seguir meus objetivos sem me contaminar por este tipo de comentário", argumenta.
Causas
A socióloga Carol Loss, 43, já sofreu etarismo e, acredita preconceito que atinge de forma desigual homens e mulheres. Foto: arquivo pessoal
Questionada sobre as questões sociológicas do etarismo, ela explica que é preciso notar que há uma desigualdade entre o etarismo masculino e feminino. “Em nossa cultura, baseada em tradições coloniais, conservadoras e patriarcais enquanto cabe aos homens, à medida que vão envelhecendo, estarem nos lugares mais altos na pirâmide social, recebendo elogios e posições de destaque, às mulheres cabe estarem preparadas para assumirem funções voltadas para as atividades do cuidado, como: levar um pai ou uma mãe para o médico, cuidar da criação dos filhos ou fazer as tarefas domésticas”, compara.
Sendo assim, a socióloga acredita que é preciso analisar mais a fundo sobre as questões de etarismo, entrecruzando raça e etnias, gêneros, classes e regiões do país. “Será que um homem branco, dentro de um metrô na Zona Sul do Rio de Janeiro, será visto da mesma forma que um homem não branco? Talvez, desta forma, podermos propor soluções para diminuir tais preconceitos de idades”, questiona.
Outra questão que envolve o etarismo, segundo Carol Loss, é que pessoas mais velhas na sociedade parecem não serem merecedoras de ocupar certos espaços. “Percebemos que, cada vez mais, é cobrado uma estética, tanto de homens quanto de mulheres, em relação à não demonstração de suas idades. Quem anda na contramão disso, é vista como uma pessoa “desleixada”: cabelos brancos que devem ser escondidos e intervenções para amenizar sinais de expressão na pele são algumas delas”, exemplifica.
Para a psicóloga Débora Peres, o etarismo pode prejudicar ainda a saúde mental, já que pode abalar bastante a autoestima da pessoa que foi violentada e até fazê-la desistir de seus objetivos que podem ter sido muito tempo adiados. “O etarismo está entrelaçado à uma sociedade que se baseia no desempenho, em que devemos sempre performar para o dito sucesso. Neste preconceito há questões com a vaidade, mas para além disso, há também intolerância, falta de empatia e solidariedade”, reflete.