A advogada goiana Gabriela Augusta Silva buscava aproximação com Deus, após a morte do irmão em um acidente de carro. Indicada por amigos, no dia 21 de outubro embarcou rumo a São Paulo para participar de um ritual xamânico. Mas neste local, ela não sabia, expôs o organismo a uma substância psicodélica proibida no Brasil.
O psicotrópico em questão é retirado do veneno do sapo bufo alvarius, também conhecido como sapo do rio colorado. Diferentemente do ayahuasca, obtido do cipó banisteriopsis caapi e da folha psychotria viridis, cujo uso religioso é permitido, o veneno do sapo em questão tem uso proibido no Brasil.
Isso porque, o veneno depois que é seco e fumado, libera o psicotrópico 5-MeO-DMT, ou 5-Metoxi-N,N-Dimetiltriptamina. Essa substância faz parte da lista F2 de substâncias sujeitas ao controle especial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Ou seja, só pode ser comercializado no Brasil com autorização da Anvisa, e devem cumprir com os requisitos estabelecidos para medicamentos, já que substâncias com propriedades terapêuticas são classificadas nesta categoria
Após o contato com veneno, Gabriela, em depoimento feito ao G1, disse ter ficado desacordada por 30 minutos e desde que recobrou a consciência, sofre com crises de pânico e de ansiedade, surtos psicóticos, pensamentos suicidas e também problemas respiratórios.
Há relatos de casos semelhantes ao de Gabriela. Uma comissária de bordo, que nunca teve medo de avião após usar a substância, começou a ter a fobia de voos.
Por conta dos transtornos que diz ter sofrido, Gabriela, está processando o Grupo Xamanismo Sete Raios por danos morais e materiais. O grupo, por sua vez, acusa a advogada de perseguição religiosa e explicou que não tinha conhecimento que tal substância era proibida.
"O Xamanismo Sete Raios não possui mais qualquer ligação com a substância conhecida como o bufo alvarius. Nosso uso religioso foi uma situação eventual e episódica, que cessou tão logo recebemos orientação jurídica", escreveu o grupo no perfil do Instagram, onde reúne mais de 200 mil seguidores.
Em Goiás
O uso do veneno de sapo em retiros espirituais é ainda encontrado nos Estados Unidos e no México. E, ao que tudo indica, são realizados em Goiás. Isso porque, de acordo com o Delegado do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc) Francisco Costa, a Polícia Civil de Goiás e do Rio de Janeiro apura se substâncias apreendidas em abril nos dois estados são, de fato, o alucinógeno do sapo.
“A droga foi apreendida em Goiânia e Pirenópolis com um líder espiritual e no Rio de Janeiro com um professor de yoga. Como se trata de uma substância nova, preferimos apurar os fatos em sede de inquérito policial e aguardar a chegada dos laudos definitivos para tomarmos as providências cabíveis. Os laudos aqui de Goiás já chegaram e confirmaram que se trata da substância 5-meo-DMT. Estou aguardando a chegada do laudo do Rio de Janeiro”, diz.
O delegado explica que a substância veio do México. “Um dos investigados, o professor de yoga, foi até lá e trouxe escondida dentro de sua mala. Pagaram R$ 4.300,00 por 12 gramas da substância. Uma parte foi despachada via correio para o líder espiritual aqui em Goiás e outra ficou com ele lá no Rio de Janeiro”, esclarece.
O delegado ressalta ainda o quanto lucrativo seriam esses rituais com uso de tal veneno. Ele conta que líder espiritual cobrava por cada atendimento R$ 300 e a quantidade apreendida daria para ele fazer aproximadamente 500 atendimentos. “Iria lucrar cerca de 150.000,00 com a atividade”, afirma.
Ainda de acordo com o delegado Francisco Costa, os retiros são divulgados nas redes sociais e as pessoas interessadas faziam o pagamento e agendamento prévio. “No dia combinado, eram atendidos em um centro espiritual aqui em Goiânia ou em Pirenópolis, na casa do líder espiritual”, diz.
Faltam estudos
Em matéria no site do Butantã, o pesquisador Carlos Jared, diz que boa parte dos compostos presentes no veneno do Incilius alvarius faz parte de metabolismo cerebral humano, como a adrenalina e a própria bufotenina.
“A estrutura química da bufotenina foi descrita em 1934 e sintetizada em laboratório em 1936. Nos últimos anos, alguns estudos científicos já identificaram níveis elevados de bufotenina na urina de pessoas com esquizofrenia e com Transtorno do Espectro Autista [TEA], por exemplo”, afirma
Mas estudos científicos apontam o 5-MeO-DMT como útil no tratamento de condições de saúde mental, em combinação com terapias psicológicas. Também já foram registrados resultados favoráveis no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático, depressão e transtornos relacionados à ansiedade.
Ao G1, o professor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Drauzio Araújo, que pesquisa os efeitos da ayahuasca há 20 anos, disse que o que se sabe sobre os efeitos da 5-MeO-DMT está muito alinhado com o que sabemos sobre os efeitos de outras substâncias psicodélicas.
“Do ponto de vista físico, está muito claro que essas substâncias não matam, não causam overdose e não causam tolerância [dependência química], mas claro que há grupos de risco. Particularmente no 5-MeO-DMT, é comum pessoas relatarem que tiveram a sensação de que morreram. Não é trivial”, diz ele.
Novas drogas têm surgido enquanto antigas ainda são um problema
Para o presidente da Associação Goiana das Comunidades Terapêuticas, Rodrigo Santana, explica que desde 2016, as drogas sintéticas apareceram no Brasil causando um rastro ainda maior de vício e destruição. “Elas têm baixo custo por serem produzidas em escala industrial e mais potentes", explica.
As drogas k, segundo ele, fazem parte deste grupo, em que se começou com as drogas k2 e k4 e, mais recentemente, surgiu a k9, que já é encontrada em Goiás. “No estado já houve grandes apreensões da k9. Ela é conhecida como maconha sintética, é cem vezes mais potente que a maconha”, compara.
Para o presidente as novas gerações de drogas muito mais potentes são sim uma preocupação. No entanto, ele reflete que para combatê-las é preciso primeiro conscientizar sobre o uso das drogas mais leves, inclusive, o álcool, tabaco e maconha original, que muitas vezes são portas de entrada para drogas mais pesadas.
“O início do uso de drogas tem acontecido cada dia mais cedo. Após anos de uso, a pessoa fica mais resistente e procura drogas mais e mais potentes”, argumenta.
Para frear o uso das drogas, ele acredita em políticas públicas que conscientizem as crianças e adolescentes nas escolas, e que esclarecimentos sobre as drogas possam fazer parte da grade curricular. “Também acredito que necessitamos de maior fiscalização. Hoje os menores conseguem comprar bebidas e se viciam cada dia mais cedo”, conclui.
Risco à saúde mental
Segundo pesquisas, além de outros riscos, de acordo com o Ministério da Saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), em 2021, registrou 400,3 mil atendimentos a pessoas com transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas e álcool. A maior parte dos pacientes é do sexo masculino com idade de 25 a 29 anos.
5 drogas que tem se espalhado pelo mundo
1) Nbome
Método de consumo: papéis sob a língua
preço: R$ 30 a R$ 40 o selo
Descrição: é um potente psicodélico com efeitos semelhantes aos do LSD. Começou a ser vendida pela internet em 2010. Provoca forte alteração na consciência, alucinações visuais e sonoras, euforia e sentimentos de amor
Ação no corpo: além de provocar surtos paranóicos, a droga causa taquicardia, hipertensão e convulsão e pode levar à insuficiência renal aguda. Dois selos já podem causar uma overdose
2) Pó de anjo
Método de consumo: fumo, ingestão ou injeção
Preço: US$ 20 a US$ 30 o grama
Descrição: quando foi criada nos anos 1950, era usada como anestésico. Mas seu uso médico foi interrompido por causar delírios e surtos psicóticos em alguns pacientes. A partir da década de 1970, tornou-se uma droga de rua. O consumo em baixas doses (1 a 5 mg) provoca uma sensação de embriaguez acompanhada de relaxamento, sensação de desligamento da realidade, falta de coordenação motora, dificuldade de concentração e alucinação
Ação no corpo: penetra nos depósitos de gordura do corpo, o que aumenta seu tempo de ação. Pode alterar o ritmo cardíaco e a pressão, aumentando as chances de AVC
3) Maconha Sintética
Método de consumo: fumo
Preço: R$ 30 o grama
Descrição: é produzida a partir de uma base formada por plantas aromáticas (capim moído, ervas finas, etc.). Essa base recebe uma solução líquida de moléculas sintéticas com atividade farmacológica similar à do tetraidrocanabinol (THC), o princípio ativo da maconha
O "barato": tem efeitos semelhantes aos da maconha convencional, porém bem mais intensos. Provoca relaxamento, mudança de humor e alteração de percepção
Ação no corpo: pode causar hipotermia e redução de sensibilidade no corpo. O uso abusivo pode levar a convulsões e lesões nos rins
4) Krokodil
Método de consumo: InjeçãoPreço: US$ 6 a US$ 8 a injeçãoDescrição: é um tipo de heroína sintética e foi criada para uso médico em 1932 na União Soviética com o nome de desomorfina. Seu emprego recreacional começou nos anos 2000. A região do corpo onde é injetada fica grossa, escurecida e esverdeada, descamando como se fosse a pele de um crocodiloO “barato”: provoca um estado profundo de letargia e relaxamento, mas seu efeito é de curta duração (cerca de duas horas), o que potencializa o consumoAção no corpo: causa danos severos aos vasos sanguíneos e tecidos dos locais onde é aplicada, provocando necrose e gangrena. Há risco de inflamações ósseas e amputação de membros afetados
5) Special-K
Método de consumo: Inalação (pó), injeção ou comprimidos
Preço: R$ 25 a cápsula ou R$ 32 a ampola
Descrição: é feita a partir de um medicamento anestésico usado em cavalos e em seres humanos, a quetamina. Sintetizada pela primeira vez em 1962, foi empregada na Guerra do Vietnã para aliviar a dor de feridos
O “barato”: seu consumo produz uma leve sedação e pensamentos fantasiosos (como num sonho), diminuição da atividade motora e alterações de humor. Usuários também relatam sensação de estar fora do próprio corpo
Ação no corpo: o abuso da substância pode levar ao aumento da temperatura corpórea com danos aos músculos, rins e fígado
Fonte: Super Interessante