O Isopor ecológico
Redação
Publicado em 16 de junho de 2017 às 09:26 | Atualizado há 8 anos
Pedro L. Macêdo
Com resina extraída do tronco do cajueiro, pesquisadores da Universidade Federal de Goiás (UFG) criaram um material similar ao isopor que degrada na água em menos de um mês. Enquanto o isopor conhecido por nós se decompõe no ambiente num período entre 100 e 400 anos, o material biodegradável desaparece da natureza praticamente 4900 vezes mais rápido. Além disso, a matéria prima é de baixíssimo custo, de fácil acesso e, de acordo com os pesquisadores, a fabricação do material é muito simples e rápido. Ou seja, a produção do poliestireno mais ambientalmente correto conhecido pela ciência pode ter sua produção em larga escala viabilizada.
“Além de ser uma alternativa ecologicamente sustentável para conservação de produtos, é também uma alternativa para qualquer tipo de embalagem, porque também criamos um plástico biodegradável e totalmente transparente”, explica a Dra. Kátia Flávia Fernandes, professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biológicas da UFG (ICB-UFG), cuja pesquisa foi idealizada e coordenada por ela.
A resina produzida pelo cajueiro já é uma velha conhecida da Dra. Kátia Fernandes. Quando estudava na graduação de Farmácia, na Universidade Federal do Ceará, ela observou aquela substância e se encantou com sua função. “Visualmente é lindo, se parece muito com o âmbar, e por ser uma substância orgânica e com propriedades curativas à planta, com certeza tinha algo a ser estudado ali, algo que poderia ser muito útil”, conta a pesquisadora.
A cientista, que estudou Mestrado em Bioquímica de Plantas e possui dois Pós-Doutorados (em um deles fez um projeto de Desenvolvimento de Embalagens Bioativas), descobriu na própria resina uma renovação enquanto acadêmica. “Já ouvi de pessoas que acadêmicos fazem pós-doutorado para viajar, conhecer novos lugares, mas não é isso. Eu cheguei a um ponto em que estava sentindo que já tinha feito tudo o que podia na minha carreira, mas não estava totalmente satisfeita. Então eu buscava por inspiração”, conta ela.
Ao fazer um Pós-Doutorado na Universidade Estadual de Londrina, em 2008, ela acompanhou um projeto cuja produção de um plástico biodegradável tinha como base o amido da mandioca. “Eu não achei que seria muito certo usar um alimento como principal composição de um material que seria usado, majoritariamente, para embalagem. E além disso, era um plástico leitoso, e eu buscava por um plástico transparente, que é muito mais aceitável comercialmente na Indústria Alimentícia”, conta a professora.
Quando foi estudar o seu segundo Pós-Doutorado na Espanha, Kátia conheceu vários outros projetos que lhe deram a inspiração que tanto buscava. “Uma pesquisadora fazia uma cadeira de plástico misturado ao pó da casca de nozes, que lhe davam um aspecto de ser feita com madeira. Também havia um projeto em que faziam uma espuma de colchão que não pegava fogo. Então, foi uma experiência muito enriquecedora, e me deu novas energias para trabalhar com a goma do cajueiro”, relata a cientista.
Descobertas
Ao debruçar sobre a resina do cajueiro, estudando suas propriedades, Kátia conseguiu desenvolver um plástico transparente a partir de um polissacarídeo presente na goma. Essa goma, além de tudo, também apresentou outras substâncias de usos diversos. “A partir de uma solução de etanol e água, que eu uso para extrair o polissacarídeo, uma das pesquisadoras doutorandas que oriento descobriu uma substância chamada ácido anacárdico, já conhecida pela ciência. Mas ela acredita, a partir de pesquisas prévias, que ele também possui propriedades termorreguladoras. Ou seja, é possível que se possa desenvolver um medicamento contra a febre a partir de uma substância encontrada na resina do cajueiro”, elucida a cientista.
“É por isso que o governo deve investir em pesquisas científicas, investir no trabalho dos cientistas, porque é no laboratório que novas tecnologias são desenvolvidas e incentivam o trabalho de estudantes”KÁTIA FERNANDES, pesquisadora
A partir do trabalho com o polissacarídeo que a doutora extraiu, o plástico com a transparência desejada finalmente foi desenvolvido, mas ela ainda queria mais. “Foi quando eu falei com meu orientando, que esteve comigo desde o início do projeto. Eu disse assim: ‘Marcos, e se a gente fizesse um isopor a partir desse mesmo polissacarídeo, hein? Será que é possível?’. E quando um estudante dedicado e devidamente orientado recebe um desafio, ele não possui limites. É por isso que o governo deve investir em pesquisas científicas, investir no trabalho dos cientistas, porque é no laboratório que novas tecnologias são desenvolvidas e incentivam o trabalho de estudantes.”
Para ficar um pouco mais claro, o isopor que conhecemos pertence à mesma família dos plásticos, e o nome técnico de ambos é poliestireno. A diferença entre ambos é que o isopor é constituído por uma massa plástica submetido um processo de aquecimento onde esse material é expandido pelo gás pentano. Ou seja, 97% do volume do isopor é feito de ar (3 Kg de massa sólida compacta para cada tonelada do poliestireno).
E nessa história toda entra o importante papel de Marcos Antônio Júnior, doutorando em Ciências Biológicas (com concentração em Bioquímica e Genética), que conseguiu desenvolver o primeiro protótipo do isopor desejado pela doutora. Segundo Kátia, ainda era uma massa de pouca consistência e precisava de alguns reajustes na sua composição, mas já era um produto revolucionário ecologicamente. “E foi fazendo algumas alterações aqui, e outras ali, que conseguimos chegar ao produto final”, afirma Marcos.
Resina
A resina do caju é um subproduto da produção cajueira no Brasil, e o processo de manufatura do plástico é feita a partir de uma solução com água e etanol para extrair o polissacarídeo presente na goma. A garantia de que os poliestirenos desenvolvidos pela pesquisa tenham uma produção de baixo custo é justamente o fato da resina ser um descarte na linha de produção de frutos e castanha.
Ainda que não tenha um valor comercial agregado a essa goma produzida pelo caule da planta, é possível que, com a descoberta da professora Kátia e sua equipe, exista uma preocupação com a produção e inclusão da resina no ciclo do comércio cajueiro. “A patente já foi registrada, e acredito na produção em larga escala, tanto do isopor como do plástico, porque a fórmula e manufatura são muito simples”, conta a doutora.
Importância
O Brasil é um país cuja produção de resíduos sólidos quase alcança os 400 Kg por habitante/ano, e somente 58% desses resíduos são descartados corretamente. Os outros 42% simplesmente são jogados no meio ambiente (lixões, beiras de estrada, lotes e terrenos em zonas periféricas de cidades e rios), e a população impõe à natureza que cuide de um problema que não é dela.
Ao desgastar e intoxicar o meio ambiente com o nosso lixo, a mistura de resíduos orgânicos com os não orgânicos cria um problema ainda mais complexo. Para se ter uma ideia, este jornal que você está lendo neste exato momento demora de duas a seis semanas para se decompor e deixar de existir. Pode até parecer pouco tempo, mas um poliestireno (isopor, copos descartáveis, ou qualquer material plástico) demora de 100 a 400 anos para desaparecer da natureza.
O isopor é reciclável, mas sua coleta não é econômica. O problema da coleta é que além do isopor ter baixo valor, sua densidade e peso são baixos. Para a reciclagem é preciso juntar toneladas de isopor, ou seja, ter enormes espaços nos depósitos para acumulá-lo e muitas viagens para transportá-lo. E só existem duas células de reciclagem de isopor no Brasil, uma em São Paulo e outra no Paraná.
Nos aterros sanitários, o isopor ocupa muito espaço e satura com rapidez os espaços destinados ao lixo, dificulta a compactação (justamente por ser um material extremamente rígido se comparado aos outros poliestirenos) e, por consequência, prejudica a decomposição de materiais biodegradáveis. Nos lixões, o isopor libera gás carbônico se for queimado. Então é fácil concluir que os danos provocados pelo inevitável descarte incorreto do isopor são de proporções drásticas.
Os poliestirenos desenvolvidos pelo time de pesquisadores da UFG possuem uma degradação extremamente rápida. Na água, à temperatura ambiente, o isopor pode se decompor entre vinte e trinta dias, enquanto em regiões mais quentes esse número pode cair para até dez dias.