A exemplo do Brasil, diversos países também atualizaram sua legislação para permitir a quebra de licenças de forma compulsória para medicamentos contra a covid-19 nos últimos meses.
Canadá e Alemanha mudaram suas leis para facilitar a emissão de licenças, disse Pedro Villardi, coordenador do Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).
No Chile, o parlamento enviou ao Executivo uma indicação parlamentar com a mesma sugestão. Em todos os casos, as leis valem apenas em cada país. Israel quebrou a patente do Lopinavir/Ritonavir, mas o fármaco acabou não sendo útil para o tratamento.
Villardi elogiou o teor da proposta final aprovada pelo Congresso. "A ampla margem de aprovação do PL nas três votações mostra que se trata de um tema de interesse público.
Cabe agora ao Executivo sancionar integralmente o texto, o mais rápido possível, para que o Brasil tenha mais uma ferramenta para enfrentar essa e eventuais futuras emergências em saúde pública", disse.
No âmbito multilateral, por sua vez, Índia e África do Sul pediram a suspensão temporária do acordo que dispõe sobre as regras de propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC) - conhecido como TRIPS e em vigor desde 1995 - para todas as tecnologias contra a covid, não apenas para produção nacional, mas também para exportação.
A proposta contou com o apoio de 99 países, mas não do Brasil, que historicamente tinha posição de liderança entre as nações em desenvolvimento em relação aos embates com as mais ricas e detentoras das licenças, e apesar da parceria com os dois países em ao menos duas iniciativas multilaterais - o Brics e o IBAS.
Ainda sob a gestão do ex-chanceler Ernesto Araújo, a diplomacia brasileira adotou postura alinhada aos países ricos e produtores de imunizantes, o que foi motivo de insatisfação, principalmente da Índia, que detém parcela substancial da produção de vacinas e adotou como mote ser a "farmácia do mundo".
Pouco antes de sua demissão, Araújo explicou, em audiência tensa no Senado, a decisão brasileira de não apoiar a iniciativa de indianos e sul-africanos. Afirmou que a quebra de patentes não era necessária e poderia prejudicar o mercado de vacinas no futuro.
Segundo ele, como não havia consenso, o Brasil buscaria uma solução intermediária, alternativa costurada com Turquia, Chile, Colômbia e outras economias em desenvolvimento, assim como nações desenvolvidas. A ideia seria fomentar a produção local e facilitar o acesso a insumos usados na fabricação.
O Itamaraty defende que a simples suspensão das patentes não resolveria o problema da escassez de doses da vacina e do desequilíbrio na distribuição entre os países, porque demoraria muito tempo para expandir a capacidade de produção em diversas nações e continentes.
Além disso, os diplomatas alertavam que a medida poderia desestimular pesquisas no futuro - já que governos e setor privado investem verbas no desenvolvimento de imunizantes contra covid-19.
A maior mudança na discussão ocorreu em maio passado, quando os Estados Unidos mudaram de posição. O governo Joe Biden passou a apoiar a quebra da propriedade intelectual, numa posição histórica.
O atual chanceler brasileiro, Carlos França, elogiou a medida da Casa Branca depois de conversar com a representante comercial dos EUA, a embaixadora Katherine Tai. Porém, na prática, o Brasil não alterou sua proposta na OMC e segue patrocinando uma espécie de terceira via, em linha com a diretora-geral Ngozi Okonjo-Iwealade, da Nigéria.
Um embaixador familiarizado com as discussões afirma que há muita retórica nas discussões e que a delegação brasileira evoluiu da sua posição inicial, demonstrou flexibilidade negociadora e não é o real entrave. Para ele, não houve acordo ainda por resistência dos países ricos, sedes de grandes indústrias farmacêuticas, que não têm nenhum interesse na pauta.
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