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COTIDIANO

Sociedade pautada pela redução da maioridade

A criminalidade entre os jovens tem sido um tema, atualmente, discutido pela sociedade. Em tramitação na Câmara dos Deputados, a redução da maioridade penal divide a opinião dos parlamentares, de setores sociais, trabalhadores ligados à Segurança Pública e toda população.

Apoiada pelo presidente da Câmara, o deputado federal Eduardo Cunha, e rejeitada pela presidente, Dilma Rousseff, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 17/193 gera polêmica e durante as votações na Câmara ocorreram episódios de desentendimento entre os políticos que estavam presente ou entre parlamentares e manifestantes, que afirmam não aceitar a redução.

Recentemente, a Sociedade Brasileira de Pediatria se posicionou contra a proposta. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef); a Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB) e a Organização das Nações Unidas (ONU) também emitiram nota, afirmando não apoiar o tema.

Em Goiás, o assunto também gera discussões e a população se mostra dividida. Alguns defendem a redução e outros rejeitam. Profissionais que lidam com a criminalidade apresentam posicionamentos e argumentações sobre o tema de perspectivas diferentes.

A Favor:

O delegado Eduardo Prado, atualmente titular da Delegacia de Combate ao Crime Contra o Consumidor (Decon), diz ser favorável à redução, mas aponta algumas condições que afirma acreditar serem necessárias para que a proposta seja efetivada .

Atuando na profissão há 11 anos, ele assumiu, aos 23 anos, uma delegacia no interior do estado quando controlava ocorrências em 16 cidades do nordeste goiano. O delegado foi titular do 22° DP, no Jardim Curitiba, em Goiânia, e adjunto na Delegacia de Estadual de Repressão a Narcóticos (Denarc).

Segundo Prado, ele já presenciou diversas ocorrências em que adolescentes estão envolvidos ou são principais suspeitos. O delegado afirma que durante o tempo de atuação na Denarc era recorrente investigações que apontavam o envolvimento dos jovens com o tráfico de entorpecentes.

Prado argumenta que considera a proposta como uma forma de não permitir que os jovens permaneçam sem punição pelos crimes. "Pessoas contra a PEC dizem que a medida não reduzirá a criminalidade, mas o objetivo dela é combater a impunidade", ressalta.

O delegado cita como exemplo para sua afirmação o sentimento das vítimas da população hoje considerada menor. "Imagina o sofrimento das pessoas que tiveram um parente vítima de homicídio que foi cometido por um adolescente. Além da dor motivada pela perda, provavelmente, elas podem sentir a sensação de que o autor permanecerá impune", pontua.

Ainda segundo ele, a forma atual de medidas contra jovens infratores funciona como um modo atrativo para que o adolescente seja aliciado por grandes criminosos. "A certeza da impunidade garante que esse menor não tenha receio de entrar para a criminalidade", enfatiza.

Prado também diz considerar que jovens infratores conseguem discernir entre aquilo que é crime e o que não é. "Quando um adolescente de 16 anos mata a própria mãe ou pratica latrocínio, é lógico que ele tem consciência do que está fazendo", explica. O delegado cita o caso que ocorreu recentemente no Piauí. "Os jovens são suspeitos de estuprar e matar, ainda dizem que são bandidos e querem continuar sendo", pontua.

O titular da Decon ressalta que atualmente o sistema penitenciário passa por uma crise com vários fatores agravantes e questiona que mesmo com as falhas é necessário trabalhar com objetivo de não permitir que autores continuem sem punições. "Hoje, o Estado perdeu o controle do sistema prisional. Não há qualquer tipo de ressocialização, nem os adolescentes ou os maiores são punidos, mas um erro não deve justificar o outro. Não é justo usar como argumento um sistema que não funciona hoje no País para deixar a impunidade prevalecer", explica.

Ele aponta dados para reforçar a afirmação. "Segundo dados estatísticos da Secretaria de Segurança Pública, entre as pessoas presas em Goiás no ano passado aproximadamente 80% delas conseguiram liberdade. No Brasil, permanece preso quem não tem condições financeiras para pagar um advogado competente", argumenta.

O delegado cita os critérios que ele diz considerar necessários para que ocorram mudanças e que a proposta da redução não seja apenas uma ação de interesses políticos. "Não basta reduzir a idade penal, é preciso construir presídios separados para os adolescentes. Os crimes ou atos infracionais de teor mais grave devem ser punidos com rigor e é necessário que dentro dos presídios tenha regras, que os presos, sejam eles adolescentes ou adultos, tenham acesso ao trabalho e à Educação", destaca.

O profissional da Segurança Pública diz que entende o momento como uma forma oportuna para discutir o assunto não só da redução, mas também da criminalidade. "O executivo, o judiciário, a polícia, o Ministério Público precisam se reunir e discutir medidas em busca de combater a criminalidade. Eu sou consciente de que o Brasil tem entre os problemas a falta de investimentos em Educação, a falta da valorização da família, a carência de políticas sociais, mas essas são medidas que funcionam a longo prazo", pontua.

Prado reafirma que a redução da maioridade não deve ser considerada como um parâmetro para amenizar a situação de crimes ocorridos no Brasil. "Para reduzir a criminalidade é preciso investir em polícia, em estratégias de segurança, é necessário mudar a atual situação do sistema carcerário e oferecer dignidade aos presos, que eles tenham um trabalho obrigatório durante o tempo de internação, investir em Educação, cultura e religião dentro dos presídios. O Brasil tem dinheiro suficiente para a ressocialização, mas esse dinheiro está sendo desviado e acaba usado na corrupção", diz.

O delegado declara que percebe na pauta da maioridade penal uma oportunidade para que a sociedade estenda a discussão sobre a criminalidade no País. "Nós temos que mudar a cultura de corrupção que existe hoje no Brasil. Esse é um processo difícil de acontecer, lento, mas não podemos aceitar que não ocorram melhorias", informa.

Contra:

A conselheira tutelar Clarissa Barbosa afirma que é contra a redução da maioridade penal e seu posicionamento também é feito com ressalvas. Ela diz acreditar ser necessário que o jovem tenha consciência de que qualquer ação considerada ilegal deverá ser punida, porém outros fatores devem ser levados em consideração. "Os adolescentes têm que responder por qualquer ato infracional cometido, mas que eles não sejam impedidos de ter acesso à ressocialização", considera.

Clarissa atua como conselheira desde 2009. Ela conta que o perfil da maioria dos jovens atendidos nos conselhos tutelares é de alguém que sofreu algum tipo de desestrutura. "Acompanho uma realidade sofrida, não só dos jovens, mas também de famílias, de crianças que precisam de um apoio social, financeiro ou emocional", enfatiza.

A profissional diz ter receio de dois aspectos que envolvem a proposta da redução, um deles é a aprovação da PEC sem que sejam considerados problemas sociais e o outro é em relação à diferença de resultados apresentados pela atual forma de internação de jovens infratores em comparação com o sistema prisional. "A taxa de reincidência de crimes daqueles que cumpriram pena no sistema carcerário é alta, enquanto poucos jovens que cumprem medidas socioeducativas voltam a cometer atos infracionais", argumenta.

Pela experiência em lidar com jovens, ela diz que eles muitas vezes são vítimas. "Essas crianças e adolescentes vem de um passado de sofrimentos. Alguns já sofreram com maus-tratos, vários tipos de abusos ou violência sexual e outros a mãe ou o pai está preso ou já faleceu", explica.

Clarissa diz que a aprovação da proposta é apenas um dos pontos relativos aos problemas sociais vividos ou causados pelos jovens. "Essa questão é apenas a ponta do iceberg, mas para solucionar os problemas é necessário tratar a base dele", exemplifica.

Ela fala também que, se ocorrer falta de ressocialização dos jovens envolvidos na criminalidade, esse fator traz consequências sociais de uma forma generalizada. Por isso, é preciso ajudar nossa juventude perdida, porque qualquer problema que afete ela trará reflexos para a sociedade", argumenta.

A conselheira ainda ressalta que apesar de haver uma parcela da população de jovens envolvida na criminalidade, há uma outra que é vítima desse mesmo problema. "Se tem jovens matando, tem também jovens morrendo de forma precoce por causa da falta de uma estrutura social", afirma

Clarissa aponta que no Brasil se as leis não são sempre cumpridas os direitos também não são garantidos e explica que a falta de acesso a eles funciona como um facilitador para que os jovens sejam aliciados. "No cartório ou no papel tudo é lindo, as leis são admiráveis, mas na prática há um abismo de falhas", destaca.

Para a conselheira, incentivar o jovem a seguir estimulado à socialização é uma forma mais fácil do que adotar as medidas protetivas para aqueles que cometeram atos infracionais. "Na minha opinião, é melhor adotar vários projetos voltados para a área preventiva do que ter apenas mais uma lei no papel. A ação de adotar projetos seria mais barata, mais tranquila e digna. Uma forma preventiva é sempre mais barata do que uma medida protetiva", pontua.

Ela diz considerar que o envolvimento da comunidade é um fator diferencial para conquistar a redução da criminalidade entre os menores. "Talvez, seja possível envolver toda sociedade de uma maneira simples para que possamos resgatar a dignidade dos jovens. Se em cada comunidade a criança ou o adolescente tivesse acesso a centros de lazer, cursos ou atividades esportivas, eles não seriam presas para os aliciadores", enfatiza. A conselheira ainda aponta que a falta de investimentos nesses projetos leva a um processo de exclusão.

O coordenador da "Frente Goiana Contra a Redução da Maioridade Penal", psicólogo social, especialista em juventude e coordenador da Rede de Atenção a Crianças, Adolescentes e Mulheres em Situação de Violência, Eduardo Mota, também diz ser contra a redução da maioridade penal e aponta como motivos para o posicionamento a falta de conexão entre alguns dos argumentos apresentados por parte das pessoas que defendem essa proposta.

Ele argumenta que alguns dizem que reduzir a idade penal vai amenizar a criminalidade de uma forma generalizada e contesta esse posicionamento. "A redução vem sendo pregada como importante passo na diminuição dos números da violência, que, claro, é algo preocupante, sobretudo a violência penal, mas nesse caso a proposta é absolutamente ineficaz", aponta.

Mota argumenta que a parcela de jovens responsável por crimes não é tão significativa em comparação com os maiores de idade. "Adolescentes são responsáveis por menos de 1% dos crimes cometidos no País então eu questiono qual é a lógica concreta de que esse percentual seja importante a ponto de se discutir a redução da idade penal", conclui.

Como a conselheira tutelar, ele também afirma que os presos do sistema carcerário voltam a praticar crimes em uma proporção mais elevada do que os jovens que cumprem medidas. "Os adolescentes têm uma média de reincidência de 30%. Já no sistema prisional a reincidência é de 70% dos casos, ou seja, o sujeito sai do presídio, mas o presídio não sai dele", diz.

Segundo o especialista em juventude, atualmente, o que se leva em consideração para a aplicação de medidas socioeducativas é uma análise de vários ângulos da vida do jovem infrator e não a gravidade da ação. "Independente do ato cometido, mas também a situação de vida, o acesso aos serviços públicos, o que vai se avaliar é a condição que o adolescente tem no cumprimento dessa medida ou qual seria a mais adequada e mais aplicável para o caso, fatores como condições de vida e de acesso a serviços", relata.

Mota aponta que há outras formas de trabalhar com a ressocialização dos menores. "O adolescente pode cumprir outros tipos de medidas eficientes que não são prisional ou reclusão. Nas medidas socioeducativas se prevê um rol de possibilidades em que a internação é a última alternativa", diz.

Para o coordenador da Frente Contra a Redução, para se amenizar a criminalidade entre jovens, além de investir em políticas públicas como a Educação, é necessário também voltar esforços para melhorar os centros de ressocialização. "Cuidar desses jovens para que não venham se envolver em qualquer ato de contravenção. Também é preciso investir na melhoria da execução de medidas socioeducativas, que precisam atender esses jovens de maneira mais qualificada", informa.

Ele afirma ainda que apesar dos questionamentos por parte da sociedade sobre a aplicação das medidas aos jovens infratores, os números registrados provam que elas são aplicadas. "Nós temos mais de 400 adolescentes presos somente em Goiânia. Cumprindo medidas socioeducativas são mais de mil adolescentes só na capital", explica.

Frente Goiana Contra a Redução da Idade Penal: 

A Frente Goiana Contra a Redução da Idade Penal é formada por grupos, movimentos sociais e pessoas que são contra a aprovação da PEC. Os organizadores costumam promover reuniões presenciais para debates sobre o assunto e ações por meio das redes sociais como forma de mobilização. O coletivo também publicou um documento intitulado "Carta Manifesto: Goiás Contra a Redução da Iddade Penal" com uma petição pública.

Atualmente, mais de 30 grupos apoiam essa mobilização, entre eles a Articulação de Mulheres Brasileiras; a Associação de Psicologia e Desenvolvimento Social; Centro Acadêmico Carlos Marighela, da UFG; Centro Acadêmico de Psicologia, UFG; Centro Cultural Eldorado dos Carajás; Agentes de Pastoral Negros; Cirgo Laheto; Comissão de Direitos Humanos, da UEG; Conselho Regional de Psicologia; Coletivo Quilombo; Comissão de Direitos da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB\GO; Diretório Municipal do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL); Secretaria Municipal de Assistência Social da Prefeitura de Goiânia e outros.

Ampliar o tempo de internação:

Além da pauta da redução da maioridade, os parlamentares também discutem ampliar o tempo de internação dos menores. Atualmente, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como tempo máximo de internação o período de três anos. A nova proposta aponta como ampliação desse período o limite de 8 anos.

Mota se diz contra essa medida e aponta que a adolescência é uma fase importante para a definição da personalidade e das possibilidades da vida de uma pessoa. "Um adolescente de doze anos, ao cometer um crime grave, vai perder esse direito à adolescência, que será negado e então a sociedade vai ter uma pessoa que perdeu todo o tempo de amadurecimento. Me preocupo com a condição que ele vai ter no presídio, se terá acesso à Educação, como é previsto também para o regime carcerário, mas sabemos, nem sempre esses direitos são garantidos para todos. Como esse adolescente vai sair depois do tempo de internação para o convívio social?", questiona.

Já o delegado Eduardo Prado se diz favorável à ampliação do tempo de internação desde que ele sirva para ressocializar os jovens e que sejam garantidos critérios como o envolvimento de políticas que visem a garantia de que esse tempo não será apenas para a internação, mas que o jovem possa trabalhar e ter acesso a outros direitos.

A conselheira tutelar Clarissa enfatiza que sua principal preocupação é com a promoção de políticas públicas para que os jovens sejam ressocializados e que é preciso encontrar uma maneira que o adolescente possa refletir sobre o ato infracional cometido.

Consenso:

Apesar de apresentar opiniões e argumentações diferentes, os entrevistados apontam falhas no sistema penitenciário e também a falta de investimentos em políticas públicas de uma forma geral. Eles também citam a população de menor poder aquisitivo como mais vulnerável à criminalidade e à permanência na prisão.

Os entrevistados disseram considerar que o governo tem condições de investir nessas políticas e em presídios de qualidade, mas apontaram também faltas. "Quando falo em educação igual para todos, tenho a expectativa da melhoria nessa área, principalmente para a população menos favorecida financeiramente e isso não é uma utopia, é uma realidade possível, mas falta investimento", afirma a conselheira tutelar.

Já o delegado cita a falta de investimentos por parte do Estado. "O governo federal está jogando a responsabilidade pelo investimento em segurança para os estados, enquanto essa também é uma responsabilidade dele. A União tem que começar a investir e ajudar os estados e municípios na gestão da Segurança Pública", argumenta.

O coordenador da Frente de Luta aponta falhas em outras áreas que interferem na Segurança. "Se diz que o grande problema da Segurança Pública é a questão das drogas. O uso e abuso das substâncias entorpecentes é também uma pauta da Saúde Pública e esse conjunto de serviços tem que estar preparado em quantidade suficiente para atender a população e ele já é uma forma de cuidar dos jovens e prevenir atos infracionais", destaca.

Tramitação:

Na última quarta-feira, a comissão especial responsável por analisar a redução da maioridade penal aprovou o relatório que analisa a PEC. O tema está previsto para voltar a ser analisado pelos parlamentares no próximo dia 30.O relator da proposta, o deputado Laerte Bessa, fez alterações no texto antes que fosse votado. Entre as novas medidas estão o uso de critérios como a gravidade do crime e o cumprimento da pena em presídios específicos para adolescentes.

A redução da maioridade penal é discutida há 20 anos e a sociedade ainda não encontrou um consenso. Atualmente analisada pelos deputados federais a PEC 17193 gera desentendimentos entre os favoráveis e os que são contra ela. O deputado Jean Wyllys se pronunciou diversas vezes por meio das redes sociais contra a aprovação da medida. O também deputado federal Eduardo Cunha faz um discurso enérgico em relação ao tema. Ele tem um posicionamento favorável à aprovação da proposta.

Até o momento, foi votada a medida que prevê a validação da proposta para jovens a partir de 16 anos e quando ele comete crimes considerados hediondos. Para ser aprovada no próximo dia 30, é necessário uma quantidade mínima de votos, que seria de 308 favoráveis. Se receber essa quantidade ou um número maior de votos, a PEC volta a ser pauta da Câmara em mais uma votação e caso aprovada ela será analisada pelo Senado.

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