Pontes e Lacerda está 483 km distante de Cuiabá, no Mato Grosso, cidade que surgiu graças a corrida do ouro iniciada no século 18. Fundada em 1719 pelos bandeirantes, a capital mato-grossense acompanha de longe agora um alvoroço que conheceu bem: a corrida pelo ouro na até então pacata Pontes e Lacerda.
Nas últimas semanas, o pequeno município de 41 mil habitantes que surgiu em 1979 despertou a atenção dos brasileiros. A cada minuto aparecem relatos de pessoas que ficaram ricas com poucos dias de trabalho nas primeiras semanas de agosto e setembro deste ano. Encontrar pepitas de um quilo não é raro. Ao contrário, se acumulam as imagens das pedras preciosas que circulam pelas mãos rudes dos trabalhadores. Em cima dos metais, eles colocam copos de cerveja, imagens de santos, fotos de familiares.
Por isso, na serra do Caldeirão, milhares de pessoas procuram ouro 24 horas por dia. Homens, mulheres e até adolescentes encaram a força bruta da rocha. Hipnotizados, alguns não dormem há pelos menos três dias. Quando menos esperam desmaiam de sono em cima de seus instrumentos de trabalho.
“Tem gente que largou emprego, família, tudo. Ganha numa noite o que ganharia em um mês”, diz Antônio Lobato da Silva, um dos garimpeiros semiprofissionais que buscam “fazer a vida” na nova Serra Pelada. “Por enquanto ganhei R$ 10 mil. Mas a fortuna está bem aqui debaixo dos meus pés. É agachar e pegar”, diz ao Diário da Manhã.
Um garimpeiro, que falou com a reportagem do DM, relata que a família não sabe sobre sua investida no local. “Estava em Anápolis, sem emprego, em uma dificuldade danada. Sou técnico em radiologia. Vendi a moto e comentei que iria até um parente em Goiânia. Estou aqui. Encontrei apenas dez gramas. Não sabia nada sobre garimpo. O mais difícil foi chegar na serra. Vou sair com no mínimo um quilo. Deus proverá!”, torce.
Curiosidade
Marcelino*, que está na região por curiosidade devido ao grande movimento, informa ao DM que jamais vivenciou algo parecido no estado: “É uma loucura. Tem muito ouro na região. A serra é grande e cada um que chega traz um sonho”.
Antônio Lobato relata que tem experiência com busca por diamantes nas águas do Rio Araguaia, na região de Baliza, em Goiás, mas que jamais imaginaria ver surgir um novo eldorado, no Mato Grosso. “A questão é a paciência. O ruim é o clima quente, a grande quantidade de pessoas e muitas vezes o desespero. De repente, você acha que não vai encontrar nada. Mas encontra. É que nem pescaria”.
José Marcelino acredita que a grande quantidade de pessoas que já chegou no garimpo tem como motivação as imagens que circulam nas redes sociais. “Isso aqui tá cheio de formiguinha. Umas cinco mil ou mais pessoas. É gente que viu foto, relatos e fica doido”.
Incerteza
O visitante imaginava explorar a terra de Pontes e Lacerda, mas a incerteza jurídica o tem feito pensar duas vezes antes de se aventurar: “O Governo Federal entrou com a ação para a desocupação da área. E isso desestimula. Esse pessoal aqui está trabalhando, procurando sobreviver. Não acho errado o que fazem. Mas não quero viver esse risco”.
Marcelino se refere à ação impetrada pelo procurador federal Felipe Mascarelli, que protocolou ação na Justiça Federal de Cáceres na terça-feira. Ele pediu que a Justiça Federal determine a retirada de todos garimpeiros por meio da ação e coerção física da Polícia Militar, Exército e Polícia Federal.
Conforme Felipe, a atividade de extração de ouro é ilegal e não existe licença para lavra com a chancela do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), órgão federal que cuida das autorizações para exploração mineral no país.
Em entrevista coletiva, o prefeito Donizete Barbosa do Nascimento diz que espera para hoje ou no máximo segunda-feira a decisão da Justiça Federal. “Existe a disposição de se liberar licença para uma cooperativa. Conversamos com o governador e parece ser esta a disposição. Mas não sabemos qual será atitude do DNPM. Sabemos que existe pedido de licença de pesquisa para uma empresa”, disse o prefeito na manhã de ontem.
Donizete afirma que garimpeiros de todo país estão na cidade. Moradores de Goiás, Rondônia, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Pará, Distrito Federal, Minas Gerais e até trabalhadores da região Sul do país se deslocaram para Pontes e Lacerda.
Preocupação
Uma das preocupações da Prefeitura de Pontes e Lacerda é a proliferação da prostituição, roubo e violência nas minas de ouro. Chamado de Serra Pelada do Mato Grosso, o local exige dos garimpeiros coragem e determinação. O acesso não é fácil e quem se aventura tem que levar água para o local. O kit de picaretas, martelos, enxadas, peneiras pode ser encontrado na própria cidade, que lucra com a venda de equipamentos, hospedagem em hotéis e alimentação.
Um item faz a diferença dentre os que são mais competentes para extrair ouro: o martelo elétrico. Quem tem se destaca. “Os que tem mais condições financeiras trabalham com martelo elétrico para quebrar as rochas. Rende bem mais”, explica José Marcelino.
O martelo elétrico, estilo auto-hammer, é utilizado com bateria e pode custar até R$ 3 mil. É mais leve e mais potente do que um normal, que ainda economiza a energia do garimpeiro. Dentre os garimpeiros novatos que ganharam mais de R$ 10 mil no local, existe uma grande procura pelo objeto, que pode ser encontrado apenas em Cuiabá.
Legislação dificulta trabalho de garimpeiros
A Constituição Federal afirma que os recursos minerais são bens da União, conforme o inciso IX do artigo 20. Para que corra a extração é necessária a autorização do órgão fiscalizador. É uma forma do governo controlar a exploração mineral. Com o argumento de que possa ocorrer dano ao patrimônio da União, muitas vezes a exploração mineral do país é repassada para grandes indústrias e mineradoras internacionais, capazes de pagar estudos e pesquisas detalhadas – inacessíveis aos mineradores individuais.
Segundo Márcio Amorim, superintendente regional do Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNPM), a área batizada de Nova Serra Pelada tem pedido de pesquisa por conta da Mineração Tarauacá Indústria e Comércio S.A, que requereu direito de estudo de uma área com 571 hectares. É interesse do grupo realizar a exploração mineral. Ele diz que os “aventureiros” não tem autorização para extração de bens minerais. E a reação do Governo Federal pode ser drástica: os garimpeiros são suspeitos de praticar crime de usurpação de bens públicos.
O artigo 2° da Lei 8.176/ 91 diz que “Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo”. A pena é de detenção, de um a cinco anos e multa. A lei afirma que Incorre na mesma pena aquele que, sem autorização legal, “adquirir, transportar, industrializar, tiver consigo, consumir ou comercializar produtos ou matéria-prima, obtidos na forma prevista no caput deste artigo”.
Ouro é vendido a R$ 130 a grama
O grama do outo de Pontes e Lacerda chega a custar R$ 100 – em Cuiabá o valor aumenta para R$ 120 ou R$ 130. Por dia, especula-se que seja extraído entre 20 e 40 quilos do metal. O garimpeiro Antônio Lobato da Silva explica que o melhor é que o trabalho seja realizado com parceria. “Não dá para ficar fazendo tudo a todo tempo. Fazer comida, por exemplo, é uma perda de tempo. Por isso compramos. O marmitex sai bastante caro: R$ 25. Mas corremos contra o tempo. Pode ser que no final de semana já sejamos obrigados a sair daqui”, explica.
A corrida fez a inflação que já consome o Brasil piorar ainda mais para os garimpeiros. A água mineral comercializada no pé da serra sai por R$ 10. E uma garrafa de refrigerante não fica por menos de R$ 15.
Saiba Mais
Serra Pelada marcou a década de 1980
Em fotografias e também vídeos, uma das imagens mais marcantes do Brasil durante a década de 1980 é a exploração de ouro em Serra Pelada, na cidade Curionópolis, no Pará. Filmes, livros e inúmeras reportagens foram realizados no local. O fotógrafo Sebastião Salgado fez uma série na serra, com flagrantes do trabalho realizado durante a exploração aurífera.
A região onde está hoje Pontes e Lacerda era inicialmente habitada por índios Nambikwara. Mas eles foram dizimados pelas bandeiras do passado que procuraram ouro no mesmo lugar que hoje desperta os garimpeiros. Dentre os séculos 18 e 19 ocorreram sucessivas descobertas de ouro na Vila Bela da Santíssima Trindade até que minguassem as pepitas.
No século seguinte, a exploração passou a ser da madeira. E assim espalharam os conflitos agrários, principalmente entre seringueiros, grileiros e latifundiários.
Estima-se que sejam encontrados (projeção por mês) cerca de 900 quilos de ouro em Pontes Lacerda. Serra Pelada, em seu auge, chegou a ter a mesma quantidade. Mas em seu último ano de trabalhos, 1990, a extração chegava a menos de 250 kg.
Ouro já atraiu cerca de cinco mil homens: produção de ouro ao dia pode chegar a 30 kg. Presença de visitantes aqueceu comércio da pequena cidade do Mato Grosso