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Morte de ciclista é declaração de guerra da violência urbana

 Mortes não cessam em Goiânia: entre sábado e domingo, oito foram assassinados.  Nenhum suspeito foi preso  

O enterro da bancária Cibelle Silveira, 31, realizado ontem no cemitério Jardim das Palmeiras, comoveu por vários fatores: brutalidade, absurdo, desproporção e estupidez humana.  Conforme relato de André da Silva Costa, cunhado da vítima que também participava do passeio ciclístico, ela teria sido abordada e morta à queima-roupa. Tudo rapidamente.

Apaixonada pelo ciclismo, Cibelle é mais uma das vítimas da espécie de violência que mais cresce no Brasil e em Goiás: a selvageria contra ciclistas.Ao ser assassinada na BR-060, a ciclista Cibelle não é a única que morre, mas inúmeras vítimas que deixarão de andar de bicicleta temendo pela morte. Ontem, nas redes sociais o assunto era: quem tem coragem de andar de bicicleta em Goiânia? Um ato nobre e saudável torna-se teste de coragem. Mobilidade… sim… para a morte.

Durante o velório, os familiares procuravam razões para o absurdo de todos estarem ali. Mas ninguém conseguiu explicar. O marido da ciclista estava em choque.  Pessoas próximas que falaram com ele afirmaram ver um homem arrasado e transtornado – sem olhar fixo. Na segunda-feira à noite, ele seguia junto com o irmão, mais atrás, quando percebeu que algo ocorreu poucos metros à frente.

O grupo já havia completado a prova do dia e seguia para o fim do trajeto, bastante comum entre ciclistas.  De acordo com André Costa, como a BR – 060 é escura, eles apenas escutaram o estalo do tiro.  Os segundos que percorreram os 50 metros até Cibelle pareceram horas para os dois de tão assustados que ficaram, relata André.

E quando aproximaram perceberam que Cibelle sangrava muito, mas ainda não estava morta. O autor teria fugido através do viaduto, onde já se encontrava um parceiro em uma moto pronto para completar a fuga e deixar mais um inquérito nas mesas da Polícia Civil e mais uma família rasgada no meio.Os dois ciclistas chamaram uma ambulância, mas um motorista que chegou no local sugeriu que fossem para o Cais do Bairro Goya, onde a jovem já chegou morta.

Com a ausência de policiamento ostensivo na rodovia, que liga Goiânia e Abadia de Goiás, ela tornou-se vítima de criminosos completamente descontrolados. A indignação no velório ousou dizer seu nome: medo. “Um sistema de segurança e justiça falido que - se condenar o criminoso – não terá vagas no presídio para separar sociedade de bandidos. É isso que temos. Ele tira a vida de vários e vários anos e fica preso alguns dias”, resumiu um tio da vítima.

A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar a morte da jovem e sabe que na medida em que as horas passam aumentam as chances de impunidade para os criminosos, pois as pistas desaparecem. Pouco se sabe do que ocorreu entre os assassinos e a ciclista.

Prejudicados


A jovem era a união de predicados: formada em Comércio Exterior, cursava Direito e trabalhava na Caixa Econômica Federal da praça Cívica, onde era apontada como ‘miss simpatia’ por atender todos com consideração e felicidade. Cibelle frequentava a Assembleia de Deus Campo de Campinas, onde era mais do que fiel, mas atuante nos congressos, como Louvorzão e Conectados.

A foto de capa da rede social de Cibelle mostra sua bicicleta. É representativa, pois revela uma das paixões que a fazia sair de casa, trabalhar, ir para a Unianhanguera estudar Direito e ainda guardar tempo para se dedicar ao ciclismo. Estava empolgada com técnicas, estilos de ciclismo, roupas e, claro, na liberdade que o ciclismo dá. Infelizmente, que deveria garantir a liberdade, falhou.

A reportagem tentou contato com a Delegacia Estadual de Investigação de Homicídios para ter mais detalhes do homicídio, mas não conseguiu informações sobre o delegado responsável.

Capa da rede social da jovem atleta: ciclistas estão revoltados com vida interrompida

Goiânia tem ‘surto’ de assassinatos desde sábado


A morte de Cibelle Silveira não é caso isolado. Desde sábado, o Instituto de Medicina Legal (IML) tem apresentado movimentação além do normal por conta de homicídios. Oito homens foram assassinados em Goiânia e Aparecida de Goiânia em 30 horas.

O assassinato de Cibelle, ocorrido na segunda-feira, é mais um na estatística das gerências de segurança e no Mapa da Violência, que não cansa de mostrar Goiás como estado destaque na criminalidade em geral e em específico nos delitos contra a vida.

Em nenhum caso ocorreu prisão dos suspeitos de praticarem os crimes. Diferente do delito com prisão em flagrante, os homicídios em que ocorrem fugas – segundo pesquisa da FGV  – revelam baixíssimo índice de resolução, menos de 23%.

Logo, as mortes de sábado, domingo e segunda tendem a se transformar em pastas e mais pastas de inquéritos empilhadas nas delegacias.

As mortes de sábado ocorreram em bairros que apresentam coloridas manchas criminais, caso do Setor Estrela Dalva, Parque Maracanã, imediações da avenida Anhanguera (onde já ocorreram dois homicídios em novembro), Jardim Tiradentes (Aparecida de Goiânia) e setor Independência das Mansões (Aparecida de Goiânia).

Menos mortes

A Secretaria de Segurança Pública (SSP), que tem sua própria metodologia de contagem de homicídios, diz que ocorreu queda dos números na capital durante o mês de novembro.  Em 2014 - diz o órgão responsável pela segurança - ocorreram 40 mortes em novembro. Neste ano, 39.

A secretaria comemora uma morte a menos na estatística da violência e prevê que 2015 será menos violento do que 2014. Secretário da Segurança Pública e Administração Penitenciária, Joaquim Mesquita avalia que os números de Goiânia refletem “o trabalho integrado entre as forças policiais e o foco prioritário no combate aos crimes contra a vida”.

Apesar do bom trabalho, conforme o secretário, os servidores de Segurança estão descontentes e podem anunciar indicativo de greve caso  o Governo de Goiás decida realmente suspender o repasse de parcela do reajuste salarial que estava prevista para os meses de novembro e dezembro.

Na atualidade, 14 entidades que integram o movimento de Segurança Pública, caso da Associação de Cabos e Soldados (ACS), Sindicato dos Policiais Civis de Goiás (Sinpol), Sindperícias, União Goiana dos Policias Civis (Ugopoci), Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar (Assego), dentre outros, aguardam decisão do poder Executivo.

Ontem, os servidores de segurança pública invadiram a Assembleia para protestar. A deputada estadual Adriana Accorsi acredita que caso os servidores sejam desrespeitados pode existir risco de greve – o que traria prejuízos à população, como exatamente aumentar a escalada de homicídios.

Ciclistas querem desistir de pedalar


Kellyson Gonçalves e seus amigos. Ele quer vender sua bicicleta. Desânimo após acidentes e onda de violência contra ciclistas  

O ciclista Danilo Siqueira Prudente, do grupo Bike Brothers, afirma ao Diário da Manhã que tem perdido o interesse em pedalar: “É violência de todo tipo. Roubam e matam, como fizeram com essa moça. Estou indignado”.

Danilo afirma que a violência contra bikers é latente e não apenas comum entre criminosos habituais. Ao contrário: uma ação de diversos integrantes da sociedade. “Tem gente que mostra prazer ao tirar fino do ciclista”.

O esportista diz que não existe mais local seguro: “Não dá para fazer trilhas nem andar no meio da cidade”. Ontem, dezenas de ciclistas realizaram protesto na T-63 contra a morte da bancária. No sábado, o movimento será ainda maior e todos de preto pretendem cobrar mais segurança  para o governo, na praça Cívica.

O ciclista Kellyson Gonçalves, do grupo Perdidão do Cerrado,  caiu de forma violenta no ano passado. Tudo por conta de um buraco no asfalto de uma rodovia. Nos últimos meses, a violência contra ciclistas o tem levado a pensar na família – e mais ainda em suas duas filhas. “Estou disposto a vender a minha bicicleta e congelar essa prática apenas na memória. O ciclismo é um sonho. Mas será que temos o mínimo de proteção e segurança? Afinal, quem nos garante o direito de pedalar?”

Kellyson é da mesma igreja que Cibelle e conhecia a jovem e seu marido. Para ele, os ciclistas devem se unir e cobrar uma ação propositiva do poder público, que não pode ignorar uma classe de pessoas que levanta a bandeira da saúde, do trânsito sustentável e do esporte.  “Não contemplá-los é premiar o malfeito e o injusto”.

Segurança


Em maio deste ano, no Rio de Janeiro, a selvageria tirou a vida do ciclista Jaime Gold, de 57 anos. Ele foi esfaqueado enquanto pedalava. Dois adolescentes mataram o médico e o fato tornou-se motivo para um grande debate sobre segurança pública. Afinal, o que fazer para reduzir o número de ataques?

João Lima, pesquisador de violência e integrante da ONG A Paz Que Eu Quero, afirma que não existem desculpas: “Falta policiamento e efetivo, com certeza. Segurança não é só isso. Mas se ocorre um ataque terrorista na França, aumenta-se a presença de soldados e militares nas ruas. A violência em Goiás mata mais do que ataques terroristas”, analisa.

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