Lembro-me quando criança que, quando chegava em casa, após o almoço de Domingo de Páscoa na casa de alguma das minhas avós, encontrava a casa repleta de adesivos nas paredes, dicas escondidas dentro de gavetas. Era meu momento preferido daqueles domingos: era a hora da caça aos ovos. Meus pais compravam os ovos e, enquanto minha mãe e eu estávamos na Igreja, meu pai os escondia pela casa. Não havia coisa mais fantástica que aquela busca pelo “tesouro perdido”, que instigava a imaginação daquela garotinha de sete ou oito anos.
Mas antes daquela hora só minha, tinha aquele momento família do almoço dominical. Troca de abraços, discurso dos mais velhos, gente chorosa por lembrar daqueles que não mais podiam partilhar daquele momento conosco, e mesa farta. A família sempre foi imensa, às vezes eramos trinta, quarenta pessoas espalhadas pela área da casa de minha bisavó, a molecada correndo em volta do pé de jabuticaba. Hoje as coisas mudaram, minha bisavó morreu, e a vida da maioria de nós progrediu. Mas naquela época, muitos daqueles sorridentes membros desta vasta família passavam por privações quase o ano inteiro. A mesa lotada de comida e os corações transbordantes de alegria faziam daquela data a hora exata de tirarmos a “barriga da miséria”, literalmente.
Quem havia comido arroz com feijão e farinha o ano todo, neste dia em especial, comeria toda sorte de carnes e saladas preparadas carinhosamente pelas mulheres da família. Doces caseiros que só elas sabiam fazer, vinham de sobremesa. Mas para além da comilança, havia afeto. Alguns parentes moravam em fazendas distantes, outros até mesmo em outra cidade ou estado e esperavam ansiosamente pelas festas familiares onde poderiam rever e receber um abraço daquele primo, tio ou irmão querido. Foi vivenciando estes momentos que aprendi que o Natal, a Páscoa, o Dia das Mães, eram mais que uma data meramente comercial, feita para as lojas faturarem mais e o proletariado se endividar.
A essência estava na convivência, nos olhares trocados ao redor da mesa, nas mãos dadas no momento da oração. Hoje é dia de compartilhar, de dividir a carga, assim como Simão, o Cirineu, ajudou Jesus em seu tortuoso caminho rumo ao Gólgota. É tempo de demonstrar amor ao próximo - e entenda-se próximo como todo aquele que habita a seu redor, não apenas os próximos no cotidiano - antes que ele se vá. Mas que seja o amor genuíno, aquele descrito por Alan Kardec, a caridade para quem perece em corpo e espírito. Para quem tem fome de carinho e comida.
Independente de credo, ou a falta dele, todo homem é dotado de empatia, desde que o coloque em prática. E não são os ensinamentos de líderes religiosos, de simbólicos arrebatadores de massas que vão fazer florescer o caráter individual. Mas sim os ensinamentos de berço, aqueles que te foram passados desde seu nascimento por esta mesma família com quem você irá almoçar daqui a pouco.
Familia, ou famulus, empregado ou escravo doméstico. Aquela mãe dedicada, que acorda cedo, põe o café na mesa, alimenta os filhos e depois vai trabalhar. Aquele pai, às vezes meio ausente, que quase nunca tira férias, para o salário render mais e pagar o curso de inglês dos filhos. Aquela avó boleira, que sempre te recebe com café quentinho e uma forma do seu bolo preferido. Aquele avô das mãos calejadas e vistas cansadas, da lida sob o sol do roçado. Não precisa de exemplos bíblicos, se temos em casa exemplos vivos, de carne, osso e algumas rugas, de gente de verdade, que enfrenta calvários diariamente para manter de pé o que chamamos Família.