Durante os oito anos (2003-2010) do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP), ouvia-se a voz insistente do vice-presidente José Alencar (PR-MG) contra a Selic, a taxa de juros praticada pelo Banco Central. Alencar era dono da Coteminas, a maior indústria de malhas do País. Era um homem que se fez pelo próprio trabalho e insistia que era preciso baixar os juros e garantir meios para que o crédito fluísse para indústrias, comércio e agricultura, de maneira a desenvolver as empresas, gerar empregos e riquezas. Ele estava certo, e o governo naqueles dias apostou nesta linha: os bancos estatais baixaram os juros, criaram linhas de crédito subsidiadas para comércio, indústria, agricultura e construção civil e o Brasil viveu um boom de crescimento e geração de riquezas que durou dez anos.
Atualmente, os juros estão em 14,25% ao ano. A economia está em recessão. Nos últimos doze meses, a soma de todas as riquezas do País, o PIB, recuou 5,5%, conforme relatório do próprio Banco Central. O desemprego avança a 10,2% da população economicamente ativa. O que justifica a manutenção dos juros neste patamar tão alto? Nada, diria José Alencar.
Governo e bancos afirmam que os juros são altos no Brasil para financiar a dívida pública. A relação dívida/PIB no Brasil é uma das mais baixas do mundo. Decano do jornalismo, Mauro Santayana, que escreve coluna no Jornal do Brasil e na revista Brasil Atual, traz luz a esta equação. A dívida pública no Brasil não é alta. O que é alto é o apetite dos bancos com juros, conforme mostra Santayana:
“O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, deve saber, os juros para igual efeito na Alemanha – com uma dívida bruta maior que a do Brasil – estão abaixo de zero. Os títulos públicos austríacos e holandeses rendem pouco mais de 0,2% ao ano e os da França, pouco mais de 0,3%, porque são países que, mesmo mais endividados que o Brasil, não são loucos de matar sua economia, como fazemos historicamente – e seguimos insistindo nisso, com os juros mais altos do planeta, de mais de 14% ao ano, e outros, ainda mais pornográficos e estratosféricos, para financiamento ao consumo, no cheque especial, no cartão de crédito, etc”, denuncia.
EUA e Europa triplicam dívida e reduzem juros
Matéria do jornal O Globo mostra que a dívida bruta do Brasil somou R$ 4,03 trilhões em abril, o equivalente a 67,5% do Produto Interno Bruto (PIB) – e pode avançar ainda mais nos próximos meses por conta do forte déficit fiscal projetado para este ano e pelo nível elevado da taxa de juros (14,25% ao ano). Os Estados Unidos, pátria do The Wall Street Journal, multiplicou, nos primeiros anos do século 21, de US$ 7 trilhões para US$ 23 trilhões a sua dívida pública bruta, que passou de 110% do PIB este ano, e se espera que vá chegar a US$ 26 trilhões em 2020. A Inglaterra, terra sagrada da City e da revista The Economist, mais que dobrou a sua dívida pública, de 42% do PIB em 2002 para quase 90%, ou 1,5 trilhão de libras esterlinas (cerca de US$ 2,2 bilhões), em 2014. A dívida da Alemanha também é maior que a nossa, e a da Espanha, e a da Itália, e a do Japão, e a da União Europeia.
Farra dos bancos
Debate realizado na Comissão de Direitos Humanos do Senado, promovido pelo senador Paulo Paim (PT-RS), pôs em pauta a questão dos juros. Segundo Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, ao contrário do que se supõe, a dívida pública não resulta de financiamentos para a realização de obrigações do Estado, como obras de infraestrutura ou investimentos em saúde e educação. Maria Lúcia disse que a despesa pública é consequência do desvio de recursos para manter privilégios concedidos a bancos e outras instituições financeiras, como os juros elevados e cumulativos e o uso abusivo de mecanismos financeiros como o swap cambial (contrato para evitar o risco da variação do dólar). “Não há transparência”, denuncia.
Segundo Maria Fattorelli, a Câmara Federal requisitou saber quem se beneficiou de centenas de bilhões de reais de contratos de swap cambial e responderam que é informação sigilosa. “Se é uma operação pública, paga pelos cofres públicos, e se salários dos servidores estão na internet, por que os detentores desses contratos não estão?”, questiona.
Desenvolvimento x rentismo
Há uma classe de empresários, e de famílias no Brasil, que há décadas pratica o rentismo, ou seja, vive de rendas. Quanto maior os juros, maior o rendimento. Os rentistas são representados, principalmente, pelas famílias que controlam bancos privados, grandes meios de comunicação, negócios imobiliários e de importação e exportação.
O período de governo (1994-2002) do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB-SP) foi o paraíso para os rentistas. A taxa Selic chegou a astronômicos 40,25% ao ano em 1995, chegando ao final de seu mandato, em 2002, a 25%, ao ano. No período de Lula (2003-2010), os juros tiveram um pico de 19% em 2005, e passaram a cair, chegando ao final de sua gestão em 2010 a 9,9% ao ano. A tendência de queda seguiu até 2012 no governo Dilma Rousseff, quando a taxa teve o patamar mais baixo, em 7,4%. Os juros baixos geraram reações e o governo Dilma foi exposto a um bombardeio dos grandes meios de comunicação para que fizesse a retomada da alta dos juros. Ela cedeu e foi retomando o viés de alta, subindo os juros a 8,3% em 2012, chegando a 10,8% em 2014, virando 2015 em 13,75%, até o patamar atual, em 2016, de 14,25% ao ano.
Mas a fome dos rentistas é cada vez maior no governo interino de Michel Temer. Basta lembrar que Ilan Goldfajan, economista-chefe e sócio do banco Itaú, é quem comanda agora o Banco Central do Brasil.
Austeridade para os pobres, lucro para os ricos
Mauro Santayana diz que é preciso quebrar mitos criados pela mídia corporativa. O primeiro deles é de que os governos do PT de Lula e Dilma teriam quebrado o Brasil e por isto os juros não podem cair. Ele observa que a dívida pública em relação ao PIB diminuiu de quase 80%, em 2002 (último ano de FHC), para 66,2% do PIB, em 2015 (no governo Dilma). Enquanto a dívida líquida caiu de 60% para 35%, ressalta. “Poupamos US$ 414 bilhões desde o fim do malfadado governo de FHC (US$ 40 bilhões pagos ao FMI mais R$ 374 bilhões em reservas em internacionais). E somos um dos dez países mais importantes do board do FMI, e o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos”, aponta.
Santayana considera uma incoerência do governo de Michel Temer bancar reajustes dos mais altos salários da República, e manter os juros em taxas indecentes que o Estado brasileiro repassa aos bancos, os maiores juros do mundo, atesta. “Que tal, senhor ministro Henrique Meirelles, adotar a mesma proposta de teto estabelecida para os gastos públicos exclusivamente para os juros e os respectivos bilhões transferidos pelo erário ao sistema financeiro todos os anos? Juros que não rendem um simples negócio, um prego, um parafuso, um emprego na economia real – ao contrário dos recursos do – BNDES, que querem estuprar em R$ 100 bilhões para antecipar em ‘pagamentos’ ao Tesouro?”, desafia.
Falta um José Alencar neste momento atual do Brasil. Hoje, o que se vê são dirigentes empresariais abraçados ao rentismo. O que dizer quando Fiesp e CNI se unem para propor a redução de impostos para as empresas e o aumento da carga horária dos trabalhadores de 44 para 80 horas semanais? Do além-túmulo, José Alencar dirá: “ficaram loucos!”.