- Como consequência, desordenamento urbano é sensível
- Paisagem remete aos símbolos desumanizados, como os viadutos Latif Sebba (Avenida 85) e João Alves (T-63)
A disputa eleitoral que ocorre em Goiânia é decisiva para o planejamento da cidade tendo em vista as próximas décadas. O município não é competitivo, não se desenvolve nos segmentos tecnológicos e científicos e apresenta reduzida produção cultural quando comparado com cidades de grande porte nas regiões metropolitanas dos principais países do mundo.
Em contrapartida, é campeã em desigualdade social, de acordo com o coeficiente Gini divulgado pelas Nações Unidas (ONU) e está nas mãos do poder econômico: os grupos se organizam em torno da expansão urbana, da divisão do território em quadros para atender à especulação imobiliária. Dentro desta linha de desenvolvimento, a cidade caminha na direção de outras capitais, como São Paulo e Belo Horizonte, e menos com suas raízes de cidade jardim.
Sem o domínio da municipalidade, as camadas mais pobres são controladas e tratadas como forças decorativas e unidades de consumo. Antes foram proibidas de chegar no centro. Agora, com o centro esquecido, as elites correram para os condomínios fechados, restando aos populares a colonização dos espaços abandonados – justamente o centro, antes “proibido”.
Nas mãos do setor produtivo, os políticos fazem o que as elites desejam. Não é à toa, por exemplo, que uma das ações da atual gestão da Prefeitura de Goiânia tenha sido a barganha com antigos doadores eleitorais – um supermercado do Setor Coimbra, por exemplo, se apoderou de uma rua. Assim, um espaço público tornou-se privado, habilitado para se transformar em um novo shopping center.
A ideia proposta por Jefferson Bueno é contrária ao caminho perseguido pela Capital. Sem imaginabilidade, a cidade perde em importância e experiência humana, negando o exercício do direito à cidade.
Ainda há tempo
O ex-ministro, ex-senador e ex-vereador por Goiânia Iram Saraiva, professor de Direito Constitucional, afirma ao DM que mudar a rota da cidade, tendo em vista o retorno à natureza, é o mais certo e óbvio. “A natureza urra, pede, clama por isso. Discutir novamente esta cidade é essencial. E ainda dá tempo de mudar. Pois daqui décadas não terão como mudar a rota do desenvolvimento”.
O sociólogo George Simmel já se debruçava sobre a problemática das cidades quando Goiânia sequer existia: em seu estudo A metrópole e a vida mental, ele afirmava que a cidade [em oposição ao mundo rural] agitava nossos nervos. A proposta do engenheiro Jefferson Bueno é exatamente combater os efeitos dessa cidade nervosa e dedicada à produção do capital, que acelera a loucura e torna os homens depósitos de fast food, sexo e açúcares.
“O dinheiro, com toda sua ausência de cor e indiferença, torna-se o denominador comum de todos os valores”, disse George Simmel
Espaço de conflitos e imagens, a capital goiana marca a modernidade do Brasil com uma pobreza visual: a cópia nacional do art déco, do classicismo e do brutalismo plasmado nos prédios dos órgãos federais.
O dinheiro continua a dominar as ruas, a formar parcerias e enquadrar a paisagem. Por isso, projetos como o de Jefferson Bueno não são analisados seriamente. Falta a ele a monetarização.
Mística, a cidade demorou a compreender que o mito do desenho inicial forjado a partir do manto de Nossa Senhora, dando, assim, uma conotação religiosa, era na verdade uma grande confusão: Goiânia é, de fato, fruto das pesquisas em referência ao desenho de Washington e Versailles, na França.
Cidade barroca
A arquiteta Márcia Metran de Mello faz questão de explicar as origens factuais dos traçados da nova Capital:
“Assim como Versalhes, Karlsruhe e Washington, Goiânia é, de certa forma, uma cidade barroca”, diz a arquiteta, que fez desta cidade sua tese de doutorado.
Se Henri Lefebvre inaugura na década de 1970 o direito à cidade, com certeza, ele nos fala que o espaço foi habitado por todos nós – e que temos direitos iguais. Mas engano: a cidade é mais do que dinheiro. É propriedade. Por isso, a proposta de Bueno é diferente de tudo até aqui. Ela nos devolve parte da cidade. Queremos sonhar, nos entreter, divagar, viajar enquanto andamos nas suas ruas.
Ao contrário do que sugeriu Jefferson Bueno, a paisagem urbana da Capital nos últimos dez anos remete aos símbolos desumanizados, como os viadutos Latif Sebba (Avenida 85) e João Alves (T-63), que repetem de forma pobre uma só imagem. Tais cenas marcam a Goiânia de concreto e ferro, enquanto surgia, de fato, uma proposta de água.
Os espetos gigantes remetem às regiões que mais cresceram na capital (Leste, Oeste e Sul) em detrimento das regiões sustentáveis – Norte e Noroeste. Fazem também alusão às licitações suspeitas da Delta Construções, firmadas entre a prefeitura e seus proprietários. De tantos simbologismos, resta a dúvida: Goiânia segue mesmo em um caminho certo?
Capital pós-moderna
Em vez de cidade sustentável, Goiânia é a capital pós-moderna, que emula comportamentos mais frenéticos do que as cidades estudadas por Simmel, provocando um sentimento entre o déjà-vu e a epifania de quem vislumbrou uma outra cidade.
Sem lagos, sem água e meio ambiente, a Goiânia da nova era que se institui é segregada, produtora de subúrbios e uma copiadora das soluções do urbanismo do medo – a experiência de Hempstead Plain, na Nova Iorque da década de 1950, se repete em cada condomínio fechado, que cria um problema jurídico: simula o público. Em contrapartida, perde-se o telúrico.
A neosanitarização radicaliza as possibilidades de planejamento, cujo maior exemplo é o critério de renda: os pobres que antes moravam no meio rural são mandados para bem longe. Não é à toa portanto que os gestores de Goiás e Goiânia, visando atender às elites, colocaram o shopping e os condomínios fechados de um lado e os pobres de outro, especialmente na região Noroeste.
“A cidade que habitamos é, infelizmente, antidemocrática, reacionária, fechada e violenta. Os ricos já a abandonaram há tempos. Observe: os filhos destes financistas já vivem no exterior, enquanto lutamos aqui pela sobrevivência. Eles nos teleguiam remotamente por meio das câmeras de segurança, que podem ser acessadas em Londres, Dubai, San Francisco”, diz ao DM o arquiteto e urbanista Luis Fernando Machado, autor de um estudo sobre a digitalização dos sentidos.