- O dinheiro está todo concentrado em cerca de 1% de ricos, que detêm mais riqueza do que o resto da população planetária
A Oxfam International é uma confederação de 17 organizações (e mais de 3000 parceiros), que atua em mais de 100 países na busca de soluções para o problema da pobreza e da injustiça, através de campanhas, programas de desenvolvimento e ações emergenciais
Ela acaba de publicar um relatório chocante: 1% da população mundial detém mais da metade de toda a riquesa mundial. Do jeito que as coisas vão, logo não teremos apenas bilionários, mas trilhonários. Os autores do relatório responsabilizam o “neoliberalismo” pelo atual estado de coisas. A propósito, nem o FMI, que já foi uma agência neoliberal, anda gostando do neoliberalismo.
Marx foi um dos pioneiros da investigação deste fenômeno que depõe contra o capitalismo e o desmoraliza: a concentração de riqueza. Ele dissecou a mais-valia, identificando neste mecanismo de apropriação do excende criado pelo empregado, o principal fator da concentração.
Mas o que a Oxfam mostra é que o buraco é mais em baixo. Estamos na era de hegemonoia do capital financeiro, o capital vadio, cujos objetivos se sobrepõem ao do capital produtivo. Os ricaços do mundo não são os que abrem um negóico de fazer coisas e vendê-las a quem pode comprar. Os ricaços do mundo são os que compram e vendem ações e outros “produtos” do mercado financeiro.
Esses ricaços, por meio de seus agentes, sequestraram os governos do mundo. Pela influênica deles, os governos vão virando “estados mínimos” e as redes de proteção social, onde ainda existem, vão sendo desfiadas. Segundo Oxfam, o cerne do problema é quie os ricaços não pagam impostos, ou os pagam em quantidades irrisórias. Mambam para paraísos fiscais boa parte de suas fortunas, para que as traças do fisco não as consumam. E insistem em um modelo de produção e consumo - a “destruição criativa”, de que falava Schumpeter – que vai cada vez mais arruinando o planeta.
Os anos 50 pareciam ter desmentido Marx. Um economista americano, Walt Rostow, proclamou a definitiva vitória da economia de mercado sobre o dirigismo estatal em geral e o socialismo em particular. Mas foi Simom Kusnetz, com seus cáuculos fantásticos e a sua “Curva de Kuznets” que forneceu a base científica da superioridade da economia de mercado. Ele pretendeu provar que Marx estava errado, ao mostrar, matematicamente, que quanto mais a economia capitalista se desenvolvia, mais a desigualdade social diminuia. De fato, nos anos 50, na mais dinâmica economia do planeta, a tendência era a desconcentração de renda.
Os fatos, porém, mostraram que as fantásticas equações de Kuznets eram pura quimera. A partir dos anos 70 do século passado, a tendência se inverte. A concentração de renda nos países ricos – e mais intrensmente nos países periféricos – ganha força meteórica. Nos dias de hoje, o nível de concentração de renda chegou a níveis escandalosos. É o que mostra, por exemplo, os estudos de Thomaz Piketty. O estudioso francês analizou cuidadosamente as estatísticas econômicas oficiais dos últimos anos e verificou a escalada do concentracionismo. E, por extensão, a da pobreza.
O que Oxfam defende é que, se todos os recursos do mundo fossem mobilizados para satisfazer as necessidades básicas do homem, a pobresa seria erradicada da face da Terra. Chamam a isso de “Economia Humana”. É um programa que passa longe das receitas esquerdistas tradicionais com sua ênfase na luta de classes. Embora o diagnóstico da Oxfam seja correto, a terapêutica propista soa um tanto sentimental e moralista.
Publicamos o relatório na íntegra. Deixamos de lado as notas de rodapé, indicando a documentação e os fatosque respaldam as conclusões. Mas os que tiverem interesse em verificar a bibiliografia, basta acessar www.oxfam.org.br. Está tudo lá.
Uma economia para os 99%
Novas estimativas indicam que o patrimônio de apenas oito homens é igual ao da metade mais pobre do mundo. Enquanto o crescimento beneficia os mais ricos, o restante da sociedade – especialmente os mais afetados pela pobreza – sofrem. O desenho e a estrutura das nossas economias e os princípios que dão base a decisões econômicas nos levaram a essa situação extrema, insustentável e injusta. Nossa economia precisa parar de recompensar excessivamente os mais ricos e começar a funcionar em prol de todas as pessoas. Governos responsáveis e visionários, empresas que trabalham no interesse de trabalhadores e produtores, valorizando o meio ambiente e os direitos das mulheres, e um sistema robusto de justiça fiscal são elementos fundamentais para essa economia mais humana.
Já se passaram quatro anos desde que o Fórum Econômico Mundial identificou o aumento da desigualdade econômica como uma grande ameaça à estabilidade social, e três anos desde que o Banco Mundial vinculou seu objetivo de erradicar a pobreza à necessidade de se promover uma prosperidade compartilhada. Desde então, e embora lideranças mundiais tenham se comprometido a alcançar um objetivo global de reduzir a desigualdade, o fosso entre os ricos e o restante da sociedade aumentou. Essa situação não pode ser mantida. Como o presidente Obama afirmou no seu discurso de despedida na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2016, “um mundo no qual 1% da humanidade controla uma riqueza equivalente à dos demais 99% nunca será estável”. No entanto, a crise de desigualdade global continua inabalável:
Se nada for feito para combatê-la, a desigualdade crescente pode desintegrar nossas sociedades. Ela aumenta a criminalidade e a insegurança e mina o combate à pobreza. Ela gera mais pessoas vivendo com medo do que com esperança. O resultado do plebiscito Brexit, a vitória de Donald Trump na eleição presidencial nos Estados Unidos, o aumento preocupante do racismo e a desilusão generalizada com a política tradicional indicam cada vez mais que um número crescente de pessoas nos países ricos não está mais disposto a tolerar o status quo. Por que elas deveriam tolerá-lo, já que a experiência indica que a situação atual gera estagnação de salários, empregos precários e um fosso cada vez maior entre ricos e pobres? O desafio é o de construir uma alternativa positiva – e não um modelo que acentua as divisões.
O cenário nos países pobres é complexo na mesma medida e tão preocupante quanto. Centenas de milhões de pessoas foram retiradas da pobreza nas últimas décadas, o que representa uma conquista da qual o mundo deve se orgulhar. No entanto, uma em cada nove pessoas ainda vai dormir com fome. Se a desigualdade não tivesse aumentado ao longo desse período, outras 700 milhões de pessoas, a maioria mulheres, não estariam vivendo em condições de pobreza atualmente. Pesquisas indicam que três quartos da extrema pobreza poderiam ser efetivamente eliminados imediatamente usando recursos já disponíveis, aumentando a tributação e reduzindo gastos militares e outros gastos regressivos.
O Banco Mundial deixou claro que, sem redobrar seus esforços para combater a desigualdade, as lideranças mundiais não alcançarão o objetivo de erradicar a extrema pobreza até 2030.14 A situação poderia ser diferente. As reações populares à desigualdade não precisam aumentar as divisões. O relatório Uma economia para os 99% analisa como grandes empresas e pessoas super ricas estão acirrando a crise da desigualdade e o que pode ser feito para mudar essa situação. Ele considera as falsas premissas que têm nos levado por esse caminho e mostra como podemos criar um mundo mais justo, baseado em uma[ economia mais humana – uma economia na qual as pessoas, não os lucros, são mais importantes e que prioriza os mais vulneráveis.
AS CAUSAS DA DESIGUALDADE
Não há como negar que os grandes vencedores da nossa economia global são os que estão no topo da distribuição da renda. Pesquisas realizadas pela Oxfam revelam que, nos últimos 25 anos, o 1% mais rico da população mundial teve uma renda mais alta que os 50% mais pobres. Longe de escorrer para baixo e beneficiar os mais necessitados, a renda e a riqueza estão sendo sugadas para cima a um ritmo alarmante. O que está gerando essa situação? Empresas e indivíduos super-ricos estão desempenhando papel fundamental nesse sentido.
As empresas estão trabalhando para os que estão no topo. Grandes empresas se saíram bem em 2015/16: seus lucros são altos e as 10 maiores empresas do mundo tiveram receita superior à de 180 países juntos. As empresas constituem a força vital de uma economia de mercado e, quando trabalham em benefício de todos, desempenham papel vital na construção de sociedades justas e prósperas. No entanto, elas estão cada vez mais trabalhando para os ricos e, nesse processo, os benefícios do crescimento econômico são negados aos que mais precisam deles. Nos seus esforços para oferecer retornos elevados aos mais ricos, as empresas pressionam ainda mais seus trabalhadores e fornecedores a acompanhá-las nesse objetivo – e a evitar impostos que beneficiariam a todos, particularmente aos mais afetados pela pobreza.
Arrochando trabalhadores e fornecedores
Enquanto a renda de muitos altos executivos, que são frequentemente remunerados com ações das suas empresas, tem aumentado vertiginosamente, os salários de trabalhadores comuns e a receita de fornecedores têm permanecido praticamente inalterados e, e em alguns casos, até diminuído. O diretor executivo da maior empresa de informática da Índia ganha 416 vezes mais que um funcionário médio da mesma empresa. Na década de 1980, produtores de cacau ficavam com 18% do valor de uma barra de chocolate – atualmente, ficam com apenas 6%. Em casos extremos, trabalho forçado ou análogo à escravidão pode ser usado para manter os custos corporativos baixos.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que 21 milhões de pessoas são trabalhadores forçados que geram cerca de US$ 150 bilhões em lucros para empresas anualmente. Todas as maiores empresas de vestuário do mundo têm ligação com fábricas de fiação de algodão na Índiaque usam trabalho forçado de meninas rotineiramente. Os trabalhadores menos remunerados e que trabalham nas condições mais precárias são, predominantemente, mulheres e meninas.
Em todo o mundo, empresas estão implacavelmente empenhadas em reduzir seus custos com mão de obra – e em garantir que os trabalhadores e fornecedores da sua cadeia de abastecimento fiquem com uma fatia cada vez menor do bolo econômico. Essa situação aumenta a desigualdade e suprime a demanda.
Evasão fiscal
Em parte, as empresas maximizam seus lucros pagando o menos possível em impostos. Elas fazem isso usando paraísos fiscais ou fazendo com que os países concorram uns com os outros na oferta de incentivos e isenções fiscais e de alíquotas tributárias mais baixas. As alíquotas fiscais aplicadas a pessoas jurídicas estão caindo em todo o mundo e esse fato – aliado a uma sonegação fiscal generalizada – permite que muitas empresas paguem o menos possível em impostos.
Há relatos de que a Apple pagou apenas 0,005% de imposto sobre seus lucros na Europa em 2014.23 Os países em desenvolvimento perdem US$ 100 bilhões por ano com a sonegação fiscal.24 Os países como um todo perdem mais outros bilhões com a concessão de benefícios e isenções fiscais. As pessoas mais afetadas pela pobreza são as que mais perdem, já que são as mais dependentes dos serviços públicos que esses bilhões não arrecadados poderiam financiar.
O Quênia perde US$ 1,1 bilhão por ano em isenções fiscais para empresas: valor quase duas vezes mais alto que o do seu orçamento para a saúde – em um país no qual a probabilidade de mulheres morrerem no parto é de uma em 40. O que está impulsionando esse comportamento por parte das empresas? Dois fatores: o enfoque em retornos de curto prazo para seus acionistas e o crescimento do capitalismo da camaradagem.
Supercapitalismo dos acionistas
Em muitas partes do mundo, as empresas estão cada vez mais perseguindo um único objetivo: maximizar os retornos para seus acionistas. Isso implica não apenas maximizar lucros no curto prazo, mas também desembolsar uma parcela cada vez maior desses lucros para seus titulares. No Reino Unido, 10% dos lucros das empresas foram distribuídos aos seus acionistas em 1970; atualmente, esse percentual é de 70%.26 Na Índia, o percentual é mais baixo, mas está crescendo rapidamente e, para muitas empresas, supera 50% atualmente.
O rápido crescimento do “capitalismo trimestral”, com seu impacto negativo sobre nossas economias, tem sido criticado por muitos, inclusive por Larry Fink, diretor executivo da BlackRock (a maior gestora de ativos do mundo), e por Andrew Haldane, economista-chefe do Banco da Inglaterra. Um retorno maior para acionistas favorece os ricos, porque a maioria desses acionistas é composta pelas pessoas mais ricas da sociedade, o que aumenta a desigualdade. Investidores institucionais, como fundos de pensão, detêm cada vez menos ações de empresas. Trinta anos atrás, fundos de pensão detinham 30% de todas as ações de empresas no Reino Unido; atualmente, detêm apenas 3% delas.Cada dólar de lucro passado aos acionistas de empresas é um dólar que poderia ter sido usado para garantir uma remuneração mais alta a produtores ou trabalhadores, pagar mais impostos ou investir em infraestrutura ou inovação.
O papel dos super-ricos na crise
Sob qualquer ponto de vista, estamos na era dos super-ricos, uma segunda “era dourada” na qual uma fachada enganosa camufla problemas sociais e corrupção. O estudo dos super-ricos realizado pela Oxfam inclui todos os indivíduos com um patrimônio líquido de pelo menos US$ 1 bilhão. Os 1.810 bilionários (em dólares) incluídos na lista da Forbes de 2016, dos quais 89% são homens, possuem um patrimônio de US$ 6,5 trilhões – a mesma riqueza detida pelos 70% mais pobres da humanidade.
Embora as fortunas de alguns bilionários possam ser atribuídas ao seu trabalho duro e talento, a análise da Oxfam para esse grupo indica que um terço do patrimônio dos bilionários do mundo tem origem em riqueza herdada, enquanto 43% podem ser atribuídos ao favorecimento ou nepotismo. Uma vez acumuladas ou adquiridas, fortunas desenvolvem uma dinâmica própria. Os superricos têm dinheiro para gastar com as melhores orientações de investimento e a riqueza detida por eles desde 2009 vem crescendo a uma taxa média de 11% por ano.
Investindo em fundos de cobertura ou em depósitos cheios de obras de arte e carros antigos, a indústria altamente sigilosa da gestão da riqueza tem sido extremamente bem-sucedida em aumentar a prosperidade dos super-ricos. A fortuna de Bill Gates aumentou 50%, ou seja, em US$ 25 bilhões, desde que ele deixou a Microsoft, em 2006, apesar dos seus louváveis esforços para doar uma boa parte desse patrimônio. Se os bilionários continuarem a garantir esses retornos para si, é possível que tenhamos o primeiro trilionário do mundo em 25 anos. Em um ambiente desses, se você já é rico, precisa se esforçar muito para não continuar enriquecendo muito mais.
As grandes fortunas detidas pelos que estão no topo do espectro da riqueza e da renda evidenciam claramente a crise de desigualdade. No entanto, os super-ricos não são apenas beneficiários passivos dessa crescente concentração de riqueza. Eles a estão perpetuando ativamente. Seus investimentos são um dos meios pelos quais isso acontece. Por serem alguns dos maiores acionistas conhecidos (especialmente em fundos de investimentos em ações e de cobertura), os membros mais ricos da sociedade são grandes beneficiários do culto a acionistas que está distorcendo o comportamento das empresas.
comprando políticas
Pagar o mínimo possível em impostos é uma estratégia fundamental de muitos dos superricos. Para esses fins, eles usam uma rede global secreta de paraísos fiscais ativamente, como revelado pelos chamados Panama Papers e outras fontes. Os países competem para atrair os super-ricos, vendendo sua soberania. Os exilados fiscais super-ricos podem optar por uma ampla gama de destinos mundo afora. Com um investimento de pelo menos 2 milhões de libras, é possível comprar o direito de viver, trabalhar e comprar imóveis no Reino Unido, bem como beneficiar-se de generosas isenções fiscais.
Em Malta, um importante paraíso fiscal, é possível comprar uma cidadania plena por US$ 650.000. Gabriel Zucman estimou que uma riqueza de US$ 7,6 trilhões está escondida em paraísos fiscais offshore. Só a África perde, todos os anos, US$ 14 bilhões em receitas fiscais em decorrência do uso de paraísos fiscais por parte dos super-ricos. Segundo cálculos da Oxfam, esse valor seria suficiente para prestar uma assistência de saúde que poderia salvar a vida de quatro milhões de crianças e empregar um número suficiente de professores para colocar todas as crianças africanas na escola.
As alíquotas fiscais aplicadas à riqueza e às rendas mais altas continuam a cair em todo o mundo rico. Nos Estados Unidos, a alíquota mais alta do imposto de renda era de 70% até a década de 1980; atualmente, ela não passa de 40%.43 Nos países em desenvolvimento, a tributação aplicada aos ricos é ainda mais baixa: pesquisas realizadas pela Oxfam revelam que a alíquota máxima média é de 30% sobre a renda e que, na maioria dos casos, ela nunca é efetivamente aplicada.
O PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena” [Robert Kennedy, 1968] A despeito de qualquer justificativa inicial das desigualdades de riqueza, fortunas podem crescer e se perpetuar além de qualquer justificativa racional em termos da sua utilidade social” [Thomas Piketty, economista e autor de O Capital no século XXI] Nenhuma sociedade pode conviver com esse tipo de desigualdade crescente. Na verdade, não há exemplo na história da humanidade de riqueza acumulada nos níveis atuais sem que houvesse uma revolução” [Nick Hanauer, bilionário e empresário americano]
As Falsas Premissas
Falsa premissa 1 – O mercado está sempre certo e o papel dos governos deve ser minimizado. Na verdade, não se confirmou que o mercado é o melhor meio de organização e valorização de grande parte da nossa vida em comum ou a melhor base para a definição do nosso futuro comum. Vimos como a corrupção e o favorecimento ou nepotismo distorcem os mercados em detrimento de pessoas comuns e como o crescimento excessivo do setor financeiro exacerba a desigualdade. Temos exemplos práticos de como a privatização de serviços públicos, como de saúde, educação ou abastecimento de água, exclui os pobres, particularmente mulheres pobres.
Falsa premissa 2 – As empresas precisam maximizar seus lucros e retornos para acionistas a todo custo. A maximização dos lucros aumenta desproporcionalmente a renda dos que já são ricos, gerando pressões desnecessárias para trabalhadores, agricultores, consumidores, fornecedores, comunidades e o meio ambiente. Há, por outro lado, muitas maneiras mais construtivas de se organizar empresas que contribuem para promover mais prosperidade para todos e temos muitos exemplos desse fato na atualidade.
Falsa premissa 3 – A riqueza individual extrema é benéfica e um sinal de sucesso, e a desigualdade não é relevante. Na verdade, o surgimento de uma nova era dourada, caracterizada pela concentração de grandes fortunas nas mãos de poucos, em sua maioria homens, é economicamente ineficiente, politicamente corrosivo e prejudicial para o nosso progresso coletivo. É necessário que tenhamos uma distribuição mais equitativa da riqueza.
Falsa premissa 4 – O crescimento do PIB deve ser o principal objetivo da formulação de políticas. Na verdade, como Robert Kennedy afirmou em 1968, "o PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena". O cálculo do PIB não computa o trabalho não remunerado realizado por uma enorme quantidade de mulheres em todo o mundo. Ele não leva em consideração a desigualdade, que fica evidente em um país como a Zâmbia, cujo PIB está crescendo a taxas elevadas em um momento no qual o número de pessoas em situação de pobreza no país efetivamente aumentou.
Falsa premissa 5 – Nosso modelo econômico é neutro em relação ao gênero. Na verdade, cortes nos serviços públicos, na segurança no emprego e em direitos trabalhistas afetam mais as mulheres. Um número desproporcionalmente mais alto de mulheres ocupa empregos menos seguros e mais mal remunerados e elas também ficam responsáveis pela maior parte do trabalho não remunerado de cuidar de filhos e de outras pessoas no lar – que não é contabilizado no PIB, mas sem o qual nossas economias não funcionariam.
Falsa premissa 6 – Os recursos do nosso planeta são ilimitados. Além de falsa, essa premissa pode ter consequências catastróficas para o nosso planeta. Nosso modelo econômico baseia-se na exploração do nosso meio ambiente e na desconsideração dos limites do que o nosso planeta pode suportar. É um sistema econômico que colabora intensamente para a ocorrência de mudanças climáticas descontroladas.
Essas seis premissas precisam ser desmistificadas rapidamente. Elas são desatualizadas, retrógradas e não conseguiram gerar um ambiente de prosperidade e estabilidade compartilhadas. Elas estão nos empurrando para o abismo. É urgentemente necessário que adotemos uma forma alternativa de administrar nossa economia – para que tenhamos uma "economia humana".
Uma economia humana
Os governos trabalharão para os 99%. Um governo responsável constitui a maior arma contra a desigualdade extrema e a chave para uma economia humana. Os governos devem escutar a todos, não apenas a uma minoria rica e seus lobistas. Precisamos revitalizar o espaço cívico, especialmente para que as vozes das mulheres e de grupos excluídos sejam ouvidas. Quanto mais responsáveis nossos governos, mais justas nossas sociedades serão.
Os governos cooperarão, ao invés de apenas competir. A globalização não pode continuar a promover uma corrida implacável para baixo em relação a direitos trabalhistas e fiscais, que só beneficia os mais ricos. Precisamos pôr fim à era dos paraísos fiscais de uma vez por todas. Os países devem cooperar uns com os outros, em bases iguais, no sentido de construir um novo consenso mundial e um ciclo virtuoso que garanta que empresas e pessoas ricas paguem impostos justos, que o meio ambiente seja protegido e que os trabalhadores sejam bem remunerados.
As empresas trabalharão em benefício de todos. Os governos devem apoiar modelos de negócios que impulsionem claramente um tipo de capitalismo que beneficie a todos e apoie um futuro sustentável. O produto da atividade empresarial deve beneficiar os que o possibilitaram e criaram – a sociedade, os trabalhadores e comunidades locais. É preciso dar um basta ao lobby empresarial e à compra da democracia. Os governos devem tomar as medidas necessárias para garantir que as empresas paguem salários e impostos justos e assumam a responsabilidade por seu impacto sobre o planeta.
A extrema riqueza será eliminada para que a extrema pobreza possa ser erradicada. A era dourada dos dias atuais está minando o nosso futuro e precisa ser encerrada. Medidas precisam ser tomadas no sentido de que os mais ricos contribuam para a sociedade em bases justas e não continuem a usufruir de privilégios injustos sem que nada seja feito a respeito. Para esse fim, a tributação aplicada aos ricos deve ser justa: precisamos aumentar os impostos sobre a riqueza e grandes rendas para garantir condições mais iguais para todos e reprimir com vigor a sonegação fiscal por parte dos super-ricos.
A economia operará em favor de homens e mulheres igualmente. A igualdade de gênero estará no centro da economia humana, garantindo que as duas metades da humanidade tenham as mesmas oportunidades na vida e condições de ter uma vida gratificante. Barreiras que impedem o avanço das mulheres, negando-lhes acesso a serviços de educação e saúde, por exemplo, serão eliminadas para sempre. As normas sociais deixarão de determinar o papel da mulher na sociedade e, particularmente, seu trabalho não remunerado de cuidar de crianças e outras pessoas no lar será reconhecido, reduzido e redistribuído.
A tecnologia será colocada a serviço dos 99%. Novas tecnologias têm um enorme potencial de transformar nossas vidas para melhor. Isso só acontecerá com a intervenção ativa dos governos, especialmente no controle das tecnologias. Pesquisas governamentais já estão impulsionando algumas das maiores inovações da atualidade (inclusive o telefone inteligente, ou smartphone). Os governos devem intervir no sentido de garantir que a tecnologia contribua para reduzir a desigualdade, não para aumentá-la.
A economia será movida por energias renováveis sustentáveis. Combustíveis fósseis têm impulsionado o crescimento econômico desde a era da industrialização, mas eles são incompatíveis com uma economia que efetivamente priorize as necessidades da maioria. A poluição do ar provocada pela queima de carvão causa milhões de mortes prematuras em todo o mundo, enquanto a devastação causada pelas mudanças climáticas afeta mais intensamente os mais pobres e mais vulneráveis. Energias renováveis sustentáveis podem garantir o acesso universal à energia e promover o crescimento do setor energético respeitando os limites do nosso planeta.
O que realmente importa será valorizado e mensurado. Além do PIB, precisamos mensurar o progresso humano com base nas diversas medidas alternativas disponíveis. Essas novas medidas devem levar plenamente em consideração o trabalho não remunerado das mulheres em todo mundo. Elas devem refletir não apenas a escala da atividade econômica, mas também como a renda e a riqueza são distribuídas. Elas devem estar estreitamente relacionadas à sustentabilidade e ajudar a construir um mundo melhor na atualidade e para gerações futuras. Isso nos permitirá aferir o verdadeiro progresso das nossas sociedades.
Podemos e precisamos construir uma economia humana antes que seja tarde demais.