Os produtores vivem a dramática expectativa – bem como toda a cadeia da carne brasileira – de restabelecimento da comercialização normal das carnes bovinos, suínas e avícolas. Ainda são muitos os frigoríficos fora das compras. É o que constata os organismos voltados para a sondagem dos mercados como a Scot Consultoria. Em Goiás, a Faeg (Federação da Agricultura e Pecuária) confirma o prognóstico e ressalta as especulações da mídia e das redes sociais. Em Porangatu, cidade situada no norte goiano e que abriu, ontem, a Expopec (exposição tecnológica voltada para o rebanho), a operação Carne Fraca era o assunto predominante.
A Scot observa que em todo o País “são observadas ofertas de compra até R$5,00 a menos por arroba”, entretanto, acentuava que “nesse patamar os negócios não acontecem”. Em Goiânia, a arroba do boi gordo oscilava de R$128 a R$130 na última sexta-feira quando ainda se praticava preços. Porque de lá até agora, a plantas frigoríficas permanecem fora das compras e outras ofertam até R$138,00 na arroba do macho terminado, mas sem negócios terminados, em São Paulo, o maior mercado consumidor brasileiro.
7% do PIB
Nos últimos dias, a pecuária brasileira, setor responsável por 7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e que, “dentro da porteira”, emprega mais de 3 milhões de pessoas, vem atravessando momento bastante delicado. Embora a operação Carne Fraca, da Polícia Federal, tenha como principal foco a investigação de indústrias de embutidos, o mercado bovino foi fortemente afetado, desde o frigorífico até o produtor. De acordo com pesquisadores do Cepea, na sexta-feira, dia em que a Operação foi divulgada, o ritmo de negócios esteve significativamente lento.
Assustados e preocupados com as possíveis repercussões, muitos representantes de frigoríficos consultados pelo Cepea suspenderam as compras ou pressionaram com força os valores na aquisição de novos lotes. Vendedores, por sua vez, só aceitaram negociar com pagamentos à vista, quando, em situações normais, muitos comercializam seus animais com prazos. No entanto, nestes negócios à vista, frigoríficos pagaram valores inferiores, com deságios. Muitos colaboradores indicam que negócios foram postergados para a primeira semana de abril.
No início desta semana, diante da confirmação de embargos nas importações por parte de importantes compradores da carne bovina nacional, o mercado ficou travado, sem negócios. Com 23 anos de pesquisa diária e ininterrupta, a equipe de coleta de preços de Pecuária do Cepea nunca vivenciou um mercado como o dessa terça-feira. Em muitas praças, não houve relatos de negócios nem de preços “abertos” para comercialização de novos lotes. O setor ficou em compasso de espera. Alguns poucos negócios e o abate foram resultados de contratos já fechados anteriormente.
Suinocultura vive incerteza
A Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, trouxe incertezas à suinocultura brasileira, especialmente quanto à reação do consumidor final. Segundo pesquisadores do Cepea, até o momento, o impacto nos preços tanto do animal vivo quanto da carne tem sido pequeno, com estabilidade ou ligeiras quedas, mas agentes de frigoríficos e produtores consultados pelo Centro de Pesquisas estão cautelosos nas negociações de novos lotes. A baixa liquidez é reforçada, ainda, pela combinação do período de Quaresma com a segunda quinzena do mês. A repercussão das investigações não atingiu somente o mercado interno.
De acordo com pesquisadores da instituição, com a perda de confiança na carne brasileira, de modo geral, parceiros comerciais importantes do Brasil, como a China, exigiram relatórios técnicos a respeito de adulterações nos produtos, e alguns países chegaram a bloquear temporariamente os embarques da carne brasileira. O governo de Hong Kong decidiu, ontem, suspender as compras de novos lotes da carne brasileira, inclusive suína.
Em 2016, o país foi o segundo maior comprador da carne suína nacional, sendo responsável por 156 mil toneladas, 22,3% do total embarcado naquele ano. A China tomou uma decisão mais radical: bloqueou o envio de todas as carnes do Brasil, inclusive lotes que já estão nos portos chineses. No ano passado, o país comprou 87 mil toneladas de proteína suína brasileira, 12,4% do total no ano.
Blairo leva explicações ao Senado
Em audiência conjunta nas comissões de Agricultura e de Economia do Senado, o ministro Blairo Maggi (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) explicou, terça-feira, as medidas adotadas após a Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, e lamentou a repercussão negativa no mercado internacional. “Estou preocupado, mas confiante de que vamos resolver os problemas com os países que têm comércio com o Brasil”, disse o ministro, observando que o embarque de carnes no dia anterior foi de US$ 74 mil, enquanto a média de embarque diário era de US$ 63 milhões.
“Na exportação, se houver embargo, nós vamos levar de três a cinco anos para reconquistar esses mercados. Estamos trabalhando muito para que o problema fique restrito a essas 21 empresas, em um enfrentamento claro, direto, transparente, rápido e eficiente”, afirmou, na audiência pública.
Blairo tem conversado com autoridades de governo de países importadores de carne do país para explicar a real dimensão das investigações da PF e as iniciativas que tem tomado, como a de suspender temporariamente as exportações de 18 frigoríficos, colocados sob suspeição e que encontram-se em regime de auditoria. Foi uma medida preventiva para dar maior segurança ao mercado internacional e evitar que embarques dos demais frigoríficos sejam prejudicados. Três frigoríficos apontados pela operação encontram-se interditados.
Mineiros vive drama dos perus
Como o Diário da Manhã noticiou em primeira mão ontem, a avicultura vive momentos dramáticos porque o ciclo de vida dos frangos é bastante curto em comparação aos bovinos e suínos. Em Mineiros, região sul de Goiás, os criadores de peru e de frango estão sob estado de tensão. Afinal, eles abastecem o complexo frigorífico da BRF Perdigão.
A Associação dos Avicultores Integrados da Perdigão em Mineiros (Avip) vive o entra e sai e criadores buscando informações. Fábio Lemos, vice-presidente da entidade, reflete o pensamento dos produtores. “Estamos perdidos. Não temos nenhuma relação com as acusações, mas estamos aqui sozinhos, sem ter a menor ideia do que vai acontecer”. Trata-se de uma das três unidades que tiveram suas linhas de produção interrompidas por fiscais da vigilância sanitária do Ministério da Agricultura.
A planta de Mineiros abate 25 mil perus por dia e que têm como mercado a União Européia. O limite do peso para abate de cada ave, segundo os produtores, é de até 25 quilos. Em média, os animais, conhecidos como “peru pesado”, estão com cerca de 20 quilos no momento do abate. Ao permanecerem nas granjas, eles ultrapassam 25 quilos e não podem mais entrar na linha de produção por conta da configuração técnica da fábrica. Ou seja, não poderão ser processados pela unidade da Perdigão, além de não atenderem às exigências de boa parte dos compradores internacionais.
Nas fazendas de Mineiros, dentro de galpões ventilados 24 horas por dia e com temperatura mantida constantemente em 27 graus, há 4,3 milhões de perus em alguma fase de sua vida de seis meses até o abate. A produção no frigorífico é permanente e ocorre de segunda a sábado, o ano todo. Por dia, 25 mil aves deveriam seguir para a unidade de processamento, mas estão em cativeiro, e continuam a engordar. Por isso, cada dia de paralisação nesse processo gera um efeito em cascata em toda a cadeia, segundo informações do jornal O Estado de S. Paulo.
As vendas brasileiras de frangos correspondem a 30% do comércio mundial. Segundo o Ministério do Comércio Exterior, Marcos Pereira, “o governo está tentando mostrar aos importadores que este é um episódio isolado, que afeta apenas algumas plantas”. Para ele, “é possível que a carne brasileira perca valor no comércio mundial. Vamos trabalhar para torná-lo o menor possível”, concluiu. Segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, as vendas despencaram nesta semana, saindo de uma média diária de US$63 milhões para US$74 mil.