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COTIDIANO

A força da imprensa

Como qualquer nova invenção, a internet arrebatou imediatamente seus entusiastas com a ideia de que o jornal impresso estava com seus dias contados. Mas se esqueceu de convencer, de fato, os leitores. Pesquisa inédita realizada pela pesquisadora Simone Tuzzo, professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), mostra que os jornais online não substituem o prazer e a credibilidade dos impressos. “Os leitores que preferem o impresso gostam do cheiro da tinta, do som de virar páginas, da textura do papel e da calma que traz a leitura do formato do jornal, sendo também um prazer para a visão”, diz a pesquisadora da UFG.

Durante a pesquisa, diz Simone Tuzzo, um dos fatores preponderantes para os leitores optarem pelos impressos é a maior veracidade das notícias que são veiculadas pela imprensa. Diante da internet, os jornais impressos sofrem bem menos com o efeito das “fake news” – a onda das notícias falsas que tomou as redes sociais e a própria internet.

O estudo foi resumido no livro “Os Sentidos do Impresso”, lançado no ano passado antes mesmo que estourasse o escândalo das falsas notícias que passaram a caracterizar as redes sociais em 2016. Sob a égide da pós-verdade, a mídia eletrônica passou a sofrer toda sorte de críticas quanto a veracidade, acurácia e objetividade do noticiário.

Simone Tuzzo, ao contrário, mergulhou no universo dos leitores de jornais, que, apesar das crises e da redução de circulação de parte dos impressos, enxergam neles verdadeiras fontes de informações confiáveis.

Conforme a pesquisa, os jornais online não devem substituir os impressos. Assim como as emissoras de tevê não conseguiram fazer o mesmo com as emissoras de rádio – mais ágeis para dar notícias do que as emissoras de tevê. “Por que alguém iria querer continuar a utilizar um veículo que só emitia som, se com a TV todos poderiam ter som e imagem? Ainda assim, o rádio está conosco até os dias atuais sem o menor sinal de que desaparecerá, isso porque soube se reinventar, se adequar às novas realidades”, exemplifica

O estudo de Tuzzo demonstra que os jornais impressos são estruturados e utilizados de um modo diferente. Muitas vezes, os leitores se interessam pela informação de forma surpreendente, principalmente pela forma com que as histórias são relatadas.

A maioria dos entrevistados pela professora credita ao jornalismo impresso maior veracidade das informações do que aquelas transmitidas por meios eletrônicos, o que corroborou, antes do boom desta discussão, a queda de credibilidade dos veículos que se sustentam apenas em ambientes digitais.

CRITÉRIOS

A pesquisa de Tuzzo, na verdade, procura estabelecer os critérios que levam ainda alguém a adquirir um impresso. Além do fator conteudístico, já que as plataformas digitais ainda não se desenvolveram por meio de outros gêneros jornalísticos (caso da reportagem e do jornalismo opinativo), existe uma forte relação sensorial entre os leitores. Ou seja, o hábito de tomar café e folhear um jornal é mais forte do que muitos imaginam.

Para Tuzzo, as notícias até podem ser disponibilizadas de graça nas redes sociais, mas jamais terão impacto que as fizeram atravessar gerações e manter as audiências públicas interessadas em sua leitura. A pesquisadora entende que os veículos impressos tendem a ocupar cada vez mais o espaço da crítica e da análise – elementos que não conseguiram ser absorvidos pelas redes – especialistas em notícias, mas notícias muitas vezes falsas ou adulteradas.

Resenha

Os Sentidos do Impresso

4-2

Os Sentidos do Impresso são explorados de modo minucioso e atual neste livro que apresenta um ângulo analítico dos jornais impressos tencionando-os com a realidade dos meios digitais. A obra é uma evolução investigativa sobre opinião pública calçada nas lógicas do jornal impresso dentro do panorama contemporâneo, executado pela professora Dra. Simone Antoniaci Tuzzo. Trata-se ainda do quinto volume da coleção “Rupturas Metodológicas para uma Leitura Crítica da Mídia”, desenvolvido pelos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Dentro deste projeto, uma série de investigações foram executadas no Laboratório de Leitura Crítica da Mídia, aglutinando reflexões em trabalhos apresentados e publicados, na experiência de sala de aula e no próprio intercâmbio da autora, que mudou-se para Portugal durante uma etapa da pesquisa para agregar mais propriedade ao olhar subjetivo desenvolvido. A elaboração das reflexões foi assim fruto de quatro anos de trabalho intensivo e dedicação às etapas sugeridas pelas próprias inquietações, desencadeadas ao longo do processo metodológico. A autora esclarece, logo na apresentação, que foi a partir deste processo cumulativo e gradativo de conhecimento e das próprias assimilações adquiridas em cada etapa que as questões foram se delineando e formando a rota do trabalho que compõe o livro.

Saindo da pergunta central sobre qual o papel do jornal impresso em tempos de redes sociais e internet, o trabalho caminha por averiguações qualitativas feitas no Brasil e em Portugal, com leitores, jornalistas e editores dos dois países, buscando não só responder a questão proposta como também compreender como tem se desenrolado a relação entre o jornal impresso e a internet. Neste teor, se explora em paralelo as possibilidades e versatilidades dos aparatos tecnológicos e digitais e como a tradicionalidade dos jornais impressos tem sido mantida à custa da adaptação, credibilidade e da manutenção de particularidades inerentes ao meio.

Derrick de Kerkchove, discípulo indelével de Marshall McLuhan e mundialmente referência na abordagem tecnológica, é quem prefacia a obra, chancelando as propostas inseridas e corroborando as diversas conceituações e conclusões do estudo realizado por Tuzzo. Segundo ele, a pesquisa apresentada na obra se insere no vértice de convergência das principais pesquisas feitas sobre mídia nos últimos tempos em todo o mundo, as quais são inclusive mencionadas e relacionadas ao conteúdo proposto no livro. Além disso, o pensador canadense grifa a validade da teoria inovadora que emerge das ideias de Tuzzo, denominado-a de impacto físico-sensorial.

Para direcionar as pesquisas empíricas, os dois capítulos iniciais trazem uma extensa e completa revisão bibliográfica sobre os fundamentos teóricos contemplados no livro, incluindo opinião pública, líderes de opinião, jornalismo, comunicação, veículos impressos, cidadania etc. Ademais, a inclusão de toda rota histórica dos meios de comunicação, bem como a exibição da trajetória acadêmica das tantas teorias que envolvem a compreensão do jornalismo caracterizam a parte inicial da obra como uma autêntica enciclopédia de conteúdos bibliográficos jornalísticos.

Dentro desta parte teórica, é possível compreender todo percurso acadêmico de autores reverenciados por Tuzzo, que apresenta deste modo a seus leitores suas bases conceituais para que possam acompanhar sua linha de raciocínio, suas indagações e proposições. O modo honesto de dividir com o leitor os preâmbulos de pensamento da autora na obra, não apenas orienta quem está lendo, como permite uma revisitação de autores importantes da Comunicação e de suas contribuições.

A escrita clara e direta, característica forte do Sentidos do Impresso, é uma forma de traduzir a complexidade e uma possibilidade de integrar as teorias e formulações já estudadas na área. Dentro disso, torna-se nítido que a complexidade dos objetos pesquisados, anunciada no livro por meio do próprio Paradigma da Complexidade (MORIN, 2005) se restringe à temática do livro, não alcançando a linguagem absolutamente inteligível e didática adotada pela autora.

Entre as importantes considerações, merece ênfase dentro dessa composição bibliográfica, a relação traçada pela autora para interligar os meios de comunicação impresso com os digitais. As Galáxias de Gutenberg e Marconi são vinculadas ao bios midiático trabalhado por Sodre (2012) e a proeminência de Bill Gates, onde através do trocadilho (Bill e bios) se perscruta sobre a extensão dos bios que conduzem a comunicação em seu âmago evolutivo.

A questão dos sentidos, mais marcante em todo livro (por isso intitulado a rigor), também perpassa a contextualização e o procedimento relacional sobressalente na obra. Tuzzo compara o hábito de ler o jornal impresso com a degustação de um vinho, que como reza os relatos romanos era tido como bebida dos deuses desde sua origem devido à aptidão de aguçar os cinco sentidos humanos. Segundo conta a autora, nos costumes de Roma, a bebida atingia o paladar ao se provar o sabor, a visão ao se reparar o bordô da bebida, o tato ao se tocar a taça e o olfato ao se sentir sua essência. Para que se completassem os cinco sentidos, o hábito de tilintar taças foi incorporado para que a audição se fizesse presente, garantindo assim o status autêntico de bebida celestial.

Nesta vertente, ao estudar o jornal impresso, a autora percebeu, primeiramente no Brasil e posteriormente reforçado nas pesquisas em Portugal, que a questão dos sentidos aflorou diante dos leitores que justificavam o hábito fiel de ler o veículo aos sentidos encontrados. Muitos relatavam sentir prazer no toque do papel (tato), gostavam da formatação gráfica (visão), do folhear das páginas (audição), do cheiro do jornal (olfato) e para completar os cinco sentidos, apreciavam a associação entre a leitura do jornal e a degustação de uma xícara de café (paladar). Dentro desta lógica, Tuzzo explora que o elo estabelecido entre leitores com o jornal firma-se muito mais na relação sensorial e na forma com que o veículo se apresenta do que meramente por conteúdos. Neste sentido, ainda que as notícias sejam disponibilizadas gratuitamente nas redes sociais, o laço cativo com o impresso se mantém e atravessa gerações.

No território lusitano, além da sensorialidade, também aflorou o papel social do jornal impresso que por compor o cotidiano dos portugueses que, majoritariamente o leem durante o café da manhã tomado em cafeterias e esplanadas, funciona como gancho entre as conversas e interações, sendo fonte de assuntos para os debates coletivos. O Português, ao que transpareceu na pesquisa, não só escolhe os meios impressos devido a preferência sensorial que este desperta, mas o faz porque aprecia conversar sobre aquilo que lê, construindo assim uma ferramenta de aproximação social. Para a autora, ler jornal é um ato coletivo, mesmo quando feito de forma individual.

Apesar de findada a pesquisa, o livro termina sem propor uma conclusão, um desfecho e um “fim”. As elucubrações ricas da pesquisadora dimensionam o questionamento sobre o verdadeiro rumo do jornalismo impresso, seu potencial enquanto formador de opinião pública e a convivência com as novas mídias aventadas. Longe de fazer previsões sobre o futuro e para além da credibilidade já reconhecida e apontada em trabalhos anteriores, este livro pontua sobre a permanência dos veículos impressos por uma ótica mais crítica, onde se esmiúça o impacto efetivo causado pelas transformações no jornalismo, e se denota, por fim, a continuidade da teoria de McLuhan de que o meio, com todas as suas características, é mesmo a mensagem.

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