É claro que não é só os custos da atividade bancária e os fatores de risco que determinam o valor do spread. A taxa Selic também exerce forte influência na medida em emprestar dinheiro ao governo virou a mina de ouro dos bancos. Segundo doutrina do Banco Central, o manejo da taxa Selic visa conter o processo inflacionário. O raciocínio é que com os juros altos, as vendas a crédito e o uso de cartões de crédito sofrem pressão. Diminuindo-se as vendas, os preços caem.
Mas já se questiona a eficácia desta política. Os economistas das escolas desenvolvimentistas argumentam que o consumidor brasileiro não faz conta de juros quando vai comprar a crédito. O que é levado em conta é se a prestação cabe no seu bolso. Se couber, ele compra, mesmo que, no final, só em juros tenha que pagar três ou quatro vezes o preço à vista do bem adquirido. É um problema cultural.
Outro fator de manutenção dos juros em patamares altíssimos é a inexistência de concorrência entre os bancos. Nos últimos anos, o Banco Central vem promovendo uma concentração bancária no País, por meio de liquidação extrajudicial de bancos com problemas de liquidez, ou mesmo por meio de fusões de empresas bancárias. Cinco grandes conglomerados bancários, incluindo aí os bancos públicos, dominam cerca de 70% do mercado de crédito no País. O resto é dividido para menos de 30 entidades financeiras. Tem-se a impressão de que os bancos estariam formando cartéis para impor taxas únicas.
Mas a impressão é falsa. Na verdade, há forte discrepância nas taxas praticadas pelos bancos. O que ocorre é, de modo geral, a clientela não tem informações, ou não procura por elas. Talvez seja por isso que o Banco Central iniciou em final de abril um serviço altamente relevante para quem precisa de banco para qualquer coisa.
O site do Banco Central, menu “perfil cidadão”, disponibiliza informações atualizadas sobre as taxas bancárias, sob o título Taxas de Juros, cálculos, índices e cotações”. São várias seções informativas, mas a que merece destaque é a que se refere a “taxas de juros em operações de crédito”.
Ao acessar esta seção, o interessado dá de cara com informações sobre todas as modalidades de crédito existentes no mercado financeiro do Brasil. Além dos valores praticados hodiernamente, o interessado poderá verificar os que eram praticados no passado, a partir de 2012.
Suponha-se que o cidadão, pessoa física, esteja interessado em operações com cartão de crédito rotativo regular. As 45 entidades que operam nesta linha de crédito estão listada por ordem crescente do valor da taxa cobrada. Hoje, um instituição – cujo nome vamos omitir -, aparece no topo praticando taxas de 3,39% ao mês e 49,26 ao ano. A instituição que cobra a maior taxa – cujo nome também omitimos -, pratica taxas de 25,05% ao mês e 1.361,50% ao ano. A diferença é brutal! Veja-se um exemplo para pessoa jurídica, operação corriqueira no mercado, o desconto de duplicata: um banco de origem estrangeira – nada de nomes! – cobra 0,88% ao mês, e 11,10 ao ano, verdadeira pechincha. Já no fundo da lista, a mais careira, cobra 4,92% ao mês e 77,93% ao ano.
É claro que o interessado, estando de posse dessas informações fornecidas pelo Banco Central, poderá buscar os serviços de quem oferece taxas módicas. Se os clientes chiassem menos e gastassem um pouco mais de sola de sapato, é possível que as taxas cairiam. Afinal, se há uma crença que todas as escolas de economia sustentam é que a concorrência leva à redução das cotações.
Por que os juros são altos
Tempos atrás, a “presidenta” Dilma Rousseff, bem antes de ter sido deposta mediante golpe, chocou o mercado financeiro, mandando os bancos públicos, Caixa Econômica e Banco do Brasil, reduzir os juros cobrados, o BB em até 70% e a Caixa em até 88%, dependendo das linhas de crédito. A carteira de clientes do Banco do Brasil representa 20% do mercado brasileiro e a da Caixa 12.8%; ou seja, o governo iniciou o processo para que mais de 30% das contas bancárias nacionais tenham ofertas de juros menores em empréstimos, e taxas de serviços mais baixas. Mas isso é passado.
Os juros altos e os spreads praticados no Brasil deveriam mudar porque criam obstáculos ao crescimento sustentável e continuado do país. Entre os empresários, é consenso que uma taxa média de 6% ao mês seria razoável. Juros altos inibem o consumo, e ajudam a controlar a inflação – segundo a doutrina do Baco Central -, mas também constrange o investimento. A economia não cresce. O spread, termo inglês que, na gíria bancária, significa a diferença entre o quanto os bancos pagam na remuneração das aplicações financeiras e o custo cobrado de pessoas físicas e jurídicas em empréstimos de toda natureza. O Banco pega emprestado por tanto e cobra, aos seus tomadores, tanto ais tanto.
Claro que um fator a pressionar o spread são as altas taxas pagas pelos títulos da dívida pública. O governo federal é o maior tomador de empréstimos do mercado financeiro – o que ele faz pela “venda” de letras do TN -, e paga as mais elevadas taxas, referenciadas pela Selic.
Lucros exorbitantes
Exortar os bancos privados a seguir o exemplo dos públicos como forma de estimular a produção e o consumo, e gerar mais empregos, é o mesmo que tentar convencer o leão a se tornar vegetariano. Diante da decisão governamental de cortar os juros dos bancos públicos, em vez cortar taxas suas taxas, como era de se esperar, os bancos privados reagiram exigindo alívio. Num documento de 20 pontos encaminhado ao governo por Murilo Portugal, presidente da Febraban, a entidade cobrava incentivos e desonerações, como a redução do Imposto sobre sobre Operações Financeiras (IOF) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrados dos bancos.
Sim, os bancos privados acreditam mesmo que a diferença entre o que captam a 9,5% numa ponta do balcão, e as taxas siderais de até 200% ao ano que cobram quando o recurso vira crédito, é pequena e não deve ser alterada.
Na comparação internacional, o Brasil se mantém há muito tempo em 31% no ranking de spread médio. O Paraguai aparece com 24,8%, a Rússia com 4,8%, a China com 3,1% e o Japão com apenas 1,1%. A discrepância é fácil de ser observada. Quem aplica na caderneta de poupança, por exemplo, recebe 6,75% ao ano de rentabilidade, ou seja, menos de 3% de ganho, descontada a inflação. Da outra ponta vem a facada monumental: caso entre no vermelho, o cliente pagará pelo uso do cheque especial entre 170% e 224% anuais, se emprestar dinheiro de um dos principais bancos privados do País. Ou ao levar um carro para casa, pagará um montante equivalente a dois ou mais, conforme o prazo do financiamento.
Em relação ao cartão de crédito o absurdo dos juros cobrados no Brasil fica ainda mais evidente quando os comparamos com as taxas praticadas em outros países. Uma pesquisa divulgada em janeiro pela Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste) mostra que a taxa do cartão de crédito no Brasil é a mais alta na comparação com cinco países da América do Sul e o México. A soma das taxas dos seis países não chega ao valor médio dos juros cobrados pelas operadoras de cartão de crédito no Brasil.
Segundo a Proteste, o brasileiro pagava no início do ano uma taxa média de juros de 237,9% ao ano. Isto é quase cinco vezes superior à da Argentina, que aparece na segunda colocação com uma taxa média de 50% ao ano. Atrás da Argentina aparece o Chile, com taxa média de 40,7%, seguido pelo Peru, com 40%, o México, com 36,2%, e a Venezuela, com 29%. A menor taxa entre os países analisados foi a da Colômbia, com taxa média de juros de 28,5% ao ano no cartão de crédito.