Uma hora da manhã do último domingo, 19, em um apartamento no setor Leste Universitário. Uma voz que surge do nada, sem origem ou sentido, sussurra de forma bem audível: “Mamãe, mamãe...Mãe!!!”. Esta mensagem se repete. Ao lado, duas mulheres estão transtornadas: mãe e filha adolescente choram. Não sabem o que fazer. Antes, a voz era ouvida apenas pela mãe, uma jornalista de meia idade absolutamente normal e que jamais apresentou qualquer narrativa sobre episódios paranormais.
Poupada da desagradável experiência durante duas semanas, a filha passou a ouvir no sábado, 18, quando a mãe decidiu pedir que ela fechasse os olhos e prestasse atenção na fala que ora parece ser de uma criança ora de algo não perceptível, quase inaudível, um vento tenebroso. Naquele dia ela então ouviu a “voz”. Era a deixa para indicar que a mãe não estava (sozinha) com alguma doença psiquiátrica, caso de demência ou esquizofrenia, cujos sintomas incluem ouvir vozes.
Na madrugada silenciosa, naquele prédio da rua 225, naquele domingo, a voz surgiu mais audível. No dia, duas testemunhas foram até o apartamento – inclusive o repórter que conta esta história.
Munido com óculos que realiza gravações de áudio e vídeo, uma lanterna e uma Bíblia (sim, na hora é sempre em Deus que se busca a solução), armamos um ambiente para entender ou comunicar com a “voz’.
A paranoia urbana e a insegurança é tamanha que nas últimas décadas as narrativas de fantasmas e poltergeist praticamente desapareceram das esferas públicas das metrópoles. O medo maior passou a ser o bandido que está nas esquinas, o usuário de crack transtornado ou pedófilos e serial killers.
E mesmo no interior elas custam a surgir. Entre famílias, todavia, não publicadas ou discutidas em público, ainda existem muitas narrativas a serem colhidas.
Como no apartamento da rua 225, ao menos momentaneamente, várias histórias estão mal contadas ou sem aparente explicação. Um dos casos mais rumorosos que ocorreram em Goiânia está nas redes sociais para intermináveis debates: em um prédio, de frente para o elevador, surge uma imagem fantasmagórica e distorcida. Ela permanece por um tempo em pé. E voa, de repente, pela parede. Cleber Rocha Alves, investigador de casos paranormais, diz que o fato não passa de uma edição de vídeo. “Um fantasma não sairá voando. Nos casos reais ele simplesmente desaparece frente a câmera”, diz o estudioso, que realmente acredita nos fenômenos.
No caso do elevador de Goiânia, os mais céticos afirmam que existe um inseto na câmera, que imita a imagem do fantasma. E assim segue a eterna discussão sobre a cena: inseto, montagem ou poltergeist?
“A maioria dos relatos acaba descartada com o uso do bom senso e da observação. No passado estas lendas perduravam ou por interesse de quem as criava ou por falta de conhecimento das pessoas envolvidas”, diz a psicóloga Cristina Pilar, que também ressalta a existência de relatos sobre vultos e vozes perpetrados por pessoas com esquizofrenia. “Esta questão de doença é outra completamente diferente. Surgem sinais e o psiquiatra consegue identificar claramente”.
As fantasmagorias, todavia, fogem do âmbito interno – que é ouvir vozes, por exemplo – e costumam flagrar imagens. Um dos relatos mais intrigantes que circulam dentre especialistas traz um vídeo que flagra uma imagem na janela de uma academia, em um balneário de Caldas Novas.
A cena aconteceu na noite de 16 de dezembro de 2016 com uma moradora de São Paulo que visitava Goiás. As imagens que circulam na internet revelam uma garota com sua mãe dentro de uma academia. Elas relatam que gravavam o local quando de repente observam uma imagem de mulher passar pela janela, como reflexo. Ao observarem de fora, não seria possível que alguém andasse lateralmente, já que a academia está em um segundo andar. E mãe e filha juram que ninguém entrou dentro da academia naquele momento. Além do mais, sentiram uma pressão no corpo.
Muitas histórias permanecem intactas, sem explicação – como a que ocorreu em Caldas Novas. Outras, com o tempo, acabam elucidadas. Ainda em Goiânia, há dois anos, na era dos smartphones, Darlan Braz, na época presidente do PPS metropolitano, disse que uma faxineira de seu escritório tentou fazer fotos com seu celular. E mesmo desligado conseguiu captar uma imagem de mulher no canto.
O ex-presidente lembra ao DM que se arrepiou ao ver a cena e sem qualquer relação com a realidade. O fato virou notícia na imprensa. Mas bem depois, pensando melhor e conhecendo o novo aparelho, disse que teria ocorrido algum erro de uso de aplicativo que já vem instalado no aparelho. “Não tenho dúvidas que neste caso não era fantasma. Mas que acredito, com certeza, acredito”, diz o integrante do PPS.
Goiás acumula relatos e lendas
O acumulo de narrativas sobrenaturais nunca foi um problema para Goiás. Cidades como Jaraguá, por exemplo, apresentam farta coletânea de relatos. Um dos mais conhecidos, a aparição de Teresa Bicuda, uma mulher imoral que teria aterrorizado os moradores da cidade interiorana, é ainda montada com sabor de novidade para os turistas.
Na Serra de Jaraguá existe um local com uma cruz. Seria ali que a “lenda” foi enterrada. Um morador relatou para o DM que a história é intensa e repassada de forma oral, já que as instituições públicas evitam o assunto. “Tem a história de um pé de caju assombrado. Quando criança existia uma disputa para ver quem tinha coragem de ir lá. Dizem que a Tereza Bicuda aparece no local”, diz José Carlos da Cunha, que trabalha como atendente em um hotel da cidade.
Outro relato da cidade se passa na Rua das Flores, que seria palco do “cavaleiro de Jaraguá”. A narrativa é de que durante a madrugada é possível escutar as esporas de um cavalo pela rua, em todo quarteirão. Mas quando tentam flagrar o autor das traquinagens, os moradores sempre se deparam com o vazio e silêncio das ruas. Já é comum visitantes chegarem no município em busca da área, tendo em vista o ‘turismo fantástico’.
CATALÃO
Da mesma forma que Jaraguá, Catalão guarda em suas ruas inúmeros relatos. A maioria deles não foi checado nem filtrado pela razão. Daí alcançarem o status de lendas. “Reza a lenda que o pai e mãe enterraram uma menina viva aqui no cemitério dos Anjos. Eles acharam que ela estava morta. Por isso ergueram uma cruz para lembrarem da menina. De noite dizem que é possível escutá-la chorando”, diz o contador José Alberto Gonçalves.
A Paróquia Nossa Senhora Mãe de Deus é a responsável pela igreja que dá toda a beleza para o ponto turístico batizado de Morrinho de São João. A presença da igreja reduz o impacto das lendas trágicas que circulam na literatura e no boca a boca.
Além do Cemitério dos Anjos, onde perdura uma variação de que ali foram enterradas crianças não batizadas, impera o relato dramático de Ritinha. “Diz a lenda” que existia uma viúva em Catalão, Ritinha. Ela tornou-se personagem principal de uma trágica história.
Ela foi herdeira de muitas terras, passando a ser cortejada por inúmeros oportunistas de plantão. Um belo dia chegou de Minas Gerais um dentista charmoso e elegante. “Seus dentes brilhavam!”, relatam os contadores de lenda.
Pela narrativa, o dentista chegou sem falar que era casado e com prole em Minas. Envolveu-se com Ritinha. Fez juras de amor. Após o romance, ele resolveu voltar para sua família, em Minas Gerais. Local de encontro para a despedida: Morrinho de São João. Já desconfiada que o ‘namorado’ a deixaria, ela chegou com uma arma. E diante da situação, Ritinha resolve atirar no dentista (Roberto). Perturbada, foi levada para um hospício. E quando ela conseguia fugir de lá corria para o morro, onde esperava o amante mineirinho. Foi assim até o dia em que morreu. Dizem que nas noites de lua cheia é possível ver e ouvir a moça chorando lá no morro.
Casos para esclarecer
O caso ocorrido no último domingo, no setor Universitário, em Goiânia, é um dentre vários que circulam sobre fantasmas e que adquirem ‘status’ de veracidade. De imediato, após a suspeita de que as vozes fossem de uma “criança”, surgiu a primeira hipótese no apartamento: que criança então estaria ali dentro?
Próximo do prédio, em 1986, uma criança foi morta por um leão, chamado Guru, que saiu pelas ruas e atacou a pequena Suzana na rua 227. Trata-se de episódio verídico batizado de “O assassinato do Leão da Marial”. Por isso as vítimas das “vozes” questionaram: “Afinal, e se fosse da menina morta pelo leão aquelas vozes?”
Após ouvir e gravar os sussurros, as duas testemunhas começaram a rodar pela casa. Tentaram evocar as vozes. Chamaram e muitas vezes perceberam “respostas”.
Três horas da manhã, desesperados, resolveram abrir a janela. E encontraram uma possível explicação: as “vozes” seriam, na verdade, sons que chegavam de fora, ricocheteavam nos móveis, amorteciam nos volumes e pareciam ser sussurros.
Após abrirem a janela, o som parecia surgir de árvores no outro quarteirão. Seriam pássaros. Naquele dia, mãe e filha dormiram mais tranquilas. Afinal, as vozes não eram bem “Mamãe, mãe”, mas um volume pouco perceptível.
No dia seguinte, moradores do quarteirão relataram que, de fato, escutam os sons de fora. E uma das hipóteses seria exatamente “poltergeists”! Ou seja: o que foi elucidado pelos moradores do apartamento, agora permanecia um mistério para os vizinhos das redondezas. “Pelo que sei, existem sons que surgem nas paredes aqui e ninguém sabe o que é. Inclusive, têm sons nesta duas casas para alugar. Se não tem ninguém lá, quem então faz barulho lá? Quanto aos pombos ou pássaros, digo uma coisa: nunca ouvi aqui pombo fazendo barulho de noite. Aí tem”, questiona um morador vizinho, que volta traz de volta a dúvida para o mistério das vozes do setor Universitário.
Mapa das assombrações de Goiânia Goiânia tem inúmeras histórias de fantasmas, mas a maioria delas não foi investigada. Tornaram-se lendas e já fazem parte do repertório urbano macabro da capital Teatro Goiânia Existem relatos de sons e vultos, típicos dos poltergeists. Outras teorias, como a de que existe um túnel no local, só aumentam as lendas. Uma das mais comuns é o som de instrumentos percutidos na madrugada. Martim Cererê Palco das bandas alternativas e de eventos culturais, o Martim Cererê tornou-se mito por conta das torturas de estudantes e militantes esquerdistas. "Gritos podem ser ouvidos na madrugada". Colégio Santa Clara Escola popular da capital traz inúmeros relatos de fantasmas, principalmente por conta de sua longa tradição religiosa. As crianças que por lá passaram confirmam mais lendas do que fatos, como a da freira que morreu no local. Rua 228, setor Coimbra Existem relatos variados sobre duas casas na rua do setor Coimbra. Em uma delas, os moradores garantem que nenhum locador permanece mais do que dois meses. Em outra, se escutam gargalhadas quando ninguém, na verdade, está dentro da residência. Tribunal de Justiça Ainda hoje existem relatos de que o tribunal é uma espécie de hotel fantasma, com várias lendas conexas. O mais relatado é a existência de vultos por todo canto. Existe a lenda de que uma mulher pulou do sexto andar. Instituto de Educação de Goiás (IEG) A maior lenda diz respeito ao falecimento de três irmãs. Elas morreram em ocasiões diferentes, mas se unem para atormentar os atuais alunos. Mais uma vez, as cenas mais presenciadas dizem respeito aos tradicionais poltergeist - os vultos. Cemitério Santana São tantas as lendas do cemitério que fica difícil listar as mais populares. A de uma criança que pega na mão do visitante e o leva para ver os túmulos mais populares é bastante citada. Outra é da mulher sem cabeça, que é vista por quem passa rapidamente de carro. Tem também a do "Caroneiro" e dos anjos que desaparecem pelos céus. Casa da dona Rosa Uma casa no setor Bueno, que já foi o Departamento de Comunicação da Faculdade Araguaia, reúne lendas de que uma senhora, dona Rosa, foi brutalmente assassinada. E desde então se acumulam relatos de interferência da 'alma penada'.