A cada 10 anos o Plano Diretor Municipal (PDM) passa por uma revisão, de acordo com as demandas surgidas ao longo dos anos de sua vigência. Já em fase de conclusão, o PDM está recebendo sugestões da população através de três audiências públicas. A primeira delas foi realizada no início desta semana na Escola Superior de Advocacia, no Setor Sul. A outras duas estão previstas para o mês de dezembro.
O Plano Diretor, que é de responsabilidade da Secretaria de Planejamento e Habitação (Seplanh), é um instrumento da política urbana que procura orientar a ocupação do solo urbano, a partir de interesses coletivos e mantendo a preservação da natureza, memória, patrimônioshistórico e cultural. Após sua conclusão total, quetemprazoparaofimdedezembro, o PDM será encaminhado para apreciação na Câmara Municipal. A previsão é de que, se aprovado, entre em vigor no início de 2018.
A sustentabilidade é a principal base do Plano Diretor e o maior desafio atual está centrado na crise hídricarecentequesedesencadeouna capital. A primeira saída encontrada pela Seplanh foi a restrição do rebaixamentopermanentedolençolfreático, que é prática comum na construção de edifícios. Nesses casos, o curso hídrico é rebaixado para que seja construído os pavimentos de subsolo. O novo Plano prevê que as construtoras utilizem técnicas de rebaixamentoprovisóriodolençolfreático, que funcione somente durante a execução das obras. Após a finalização, o curso hídrico deve ser reposicionado em seu local de origem.
Paracompensaramedida, onovo PDM vai flexibilizar a construção de pavimentos sobresolo, possibilitando que os três primeiros andares das edificações funcionem como estacionamento. A ideia é que o novo regulamento evite perdas de água e mantenha o desaguamento nos locais de abastecimento do sistema hídrico de Goiânia.
Aindanointuitodeconstruiruma Goiânia sustentável, o projeto pretende estabelecer Zonas de Proteção nas áreas de captação de água, que hoje estão concentradas nas bacias de São Domingos, João Leite, que designa o Sistema Muro Borges, Meia Ponte e Anicuns. O Plano Diretor estabelece um raio de proteção para preservação dessas regiões.
O coordenador do Plano Diretor de Goiânia, Henrique Alves, afirma que a capital “vai continuar mais restritiva que a lei federal em relação a ocupação dos seus mananciais”. Alves se refere às chamadas Áreas de Preservação Permanente (APP). O Código Florestal Brasileiro determina que essas APPs tenham um raio de 30 a 50 metros, a depender da largura do rio. Em Goiânia, essas medidas variam de 50 a 100 metros.
Para a construção do novo PDM, a Seplanh pesquisou Planos de outros municípios do Brasil e do mundo, com destaque para São Paulo, Campinas, Belo Horizonte e Salvador. A cidade de São Paulo teve seu PDM aprovado em 2014 e, em Campinas, o projeto está para apreciação na Câmara. Henrique Alves ressalta que os pontos positivos encontrados nessas cidades foram adaptados para a realidade de Goiânia, que possui suas particularidades.
A Cota Solidária é uma das novidades que foi incorporada de outra cidade, nesse caso, Salvador. A medida pretende evitar a segregação social da população. No modelo atual, as regiões periféricas da cidade concentram pessoas de baixa renda, e as centrais, de alta. A Cota determina que 5% de áreas comercializáveis, novos loteamentos, por exemplo, sejam doadas para o município, que serão destinadas à chamada Habitação de Interesse Social. Além dessa alíquota, o empreendimento também precisa retirar do terreno as áreas destinadas ao sistema viário.
A área a ser doada, não precisa, necessariamente, estar localizada dentro dos limites do empreendimento, podendo estar em outro local, desde que dentro da Unidade Administrativa. De acordo com Henrique Alves, Goiânia possui sete dessas Unidades. A doação também pode ser feita em espécie para o Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social, de acordo com avaliação de valor do imóvel.
A diferença, no caso de Goiânia, é que a Cota Solidária terá validade não somente para os pequenos empreendimentos, como é o caso dos loteamentos. Em áreas superiores a 15 mil metros quadrados os 5% de Cota Solidária também serão exigidos. “Assim será possível que esses lotes destinados à Habitação Social não estejam somente nas franjas [periferias] do município, mas também nas centralidades. Isso é uma política de habitação mais eficiente”, afirma Alves.
A capital também sofre com a deficiência na mobilidade urbana. Em 2015, Goiânia chegou a 1,14 milhão de automóveis registrados. Umamédia de 1,23 veículo por habitante, a maior relação entre as capitais do País. O PDM de 2007 previa a diversificação dos modais, ou seja, que as possibilidades de locomoção na cidade fossem variadas, sem priorizar os veículos particulares. O novo projeto pretende manter essa ideia de diversificação e ampliar as possibilidades de locomoção. De acordo com Alves, o PDM prevê um plano de funcionamento, mas a execução desse projeto é de responsabilidade da gestão da cidade.
O novo Plano propõe a construção de oito novos eixos exclusivos de transporte coletivo. “É bom ressaltar queoPlanoDiretorplaneja, sevaiser implantado ou não, é uma questão da gestão, mas temos a obrigação de planejar aqueles eixos que podem ou não receber melhoramentos”, pondera Alves. A novidade no setor de mobilidade é a atenção especial para os pedestres. A proposta é de que as novas construções sejam entregues com as calçadas acessíveis, sendo incluída na categoria de infraestrutura básica, juntamente com asfalto, saneamento, energia elétrica e sistema hídrico.
Os últimos 10 anos
A proposta de um novo Plano Diretor para Goiânia também leva em consideração as falhas, deficiências e consequências do último PDM. Considerado ousado, o projeto de 2007 previa uma capital moderna, preparada para receber o crescimento urbano, suportar as verticalizações e não agredir o meio ambiente. Na prática, a cidade enfrentou problemas e sofreu com a falta de infraestrutura, principalmente quando o assunto é mobilidade urbana.
A professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Goiás (UFG), Erika Cristine Kneib, considera que o principal problema que envolve o processo da crescente urbanização de Goiânia não é o Plano Diretor em si, mas a não implementação das propostas. “A principal questão é que muita coisa que foi planejada, dez anos depois não aconteceu”, afirma. De acordo com a professora, a falta de infraestrutura do transporte coletivo na capital impossibilita o controle sobre o crescimento e adensamento nos bairros.
O Plano Diretor de 2007 previa a estruturação da cidade a partir de eixos de transporte coletivo. Esses corredores iriam orientar como a cidade iria se desenvolver e seria ocupada ao longo desses eixos. “O grande problema de 2007 pra cá é que vários bairros foram adensados e esses corredores de transporte, que seriam a base para esse adensamento, não foram construídos”, explica. Da rede de linhas exclusivas que o PDM anterior previa, duas começaram a ser construídas: a Linha Universitária e o corredor da T-63.
Devidoàdeficiêncianamobilidade urbana, o Modelo Espacial, que orienta como a cidade precisa se estruturar espacial e geograficamente, sofreu consequências. De acordo com a professora, os problemas vão se conectando, por exemplo, com a questão do abastecimento de água, energiaelétrica, saneamentoeaquestãoambiental. Ocrescimentosustentável foi um dos principais assuntos debatidosnaprimeiraaudiênciapública do Plano Diretor. Kneib pontua queemalgunsempreendimentosda capital a preservação do meio ambiente não esteve garantida. “Existem áreas em regiões sensíveis, próximas a poços d'água, por exemplo, que deveriam ter sido ocupadas de maneira mais racional”, alerta.
A principal questão é que muita coisa que foi planejada, dez anos depois não aconteceu”
Erika Cristine Kneib, doutora em transportes
Prefeitura deixa de arrecadar R$ 40 milhões com atividades irregulares
A alta inadimplência e irregularidades nos processos de licitação das atividades comerciais em áreas públicas, como pit-dogs, bancas de revista e chaveiros, deixam de gerar aos cofres públicos cerca de R$ 40 milhões, segundo o superintendente de Planejamento Urbano da Secretaria de Planejamento e Habitação (Seplanh), Henrique Alves. Ele também afirma que a inadimplência dessas ocupações chega a 70%. Já para o promotor de justiça Juliano de Barros Araújo, que propôs uma ação pública pedindo a regularização dessas instalações, a falta de pagamento da taxa mínima chega a 90%.
A ação movida por Barros Araújo contra a Prefeitura pede que o município exija licitação para admissão desses empreendimentos em locais públicos. A gestão estaria concedendo autorização de funcionamento sem processo licitatório. O advogado do Sindicato dos Proprietários de Pit-Dogs de Goiás (Sindpit-dog), Marcos César Gonçalves, afirma que a licitação não é necessária. Para ele, o trâmite burocrático não irá solucionar o problema das irregularidades.
“Somente uma fiscalização efetiva por parte do município garantirá que os permissionários se adequem às normas legais. Assim, caso sejam detectadas irregularidades, estas deverão ser analisadas e sanadas de forma pontual, caso a caso”, argumenta César Gonçalves. Ele acrescenta que a licitação dará prioridade para as empresas com maior poder econômico, o que pode negligenciar a qualidade do serviço.
Henrique Alves diz que o objetivo deve ser regularizar a situação desses empreendimentos, sem impedir que eles funcionem, e defende a necessidade da licitação. “É preciso fazer uma seleção pública, não indicar sem critérios”, afirma. A regulamentação dessas atividades é de responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Trabalho, Ciência e Tecnologia (Sedetec). O titular da pasta, Macxwell Novaes Ferreira, afirma que o uso do processo de licitação depende de aprovação da Câmara Municipal. Já a fiscalização dessas ocupações é de responsabilidade da Seplanh.