O ano de 2016 se encerrou com mais brasileiros em situação de miséria. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 24,8 milhões de pessoas se encontram em situação de pobreza extrema (renda inferior a ¼ do salário mínimo por mês, o equivalente a R$ 220). Tal número representa um aumento de 53% comparado a 2014, ano em que se iniciou a crise econômica no Brasil. Em resumo, mais de 12% da população brasileira vive na miséria, de acordo com os dados da Síntese de Indicadores Sociais (SIS), divulgada ontem, 15, pelo IBGE.
Em 2014, o levantamento do IBGE mostrou que havia 16,2 milhões de brasileiros com rendimento mensal abaixo de ¼ do salário mínimo. Dessa forma, aumentou em 8,6 milhões o número de pessoas com esta faixa de renda em 2 anos. De acordo com a classificação adotada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), famílias com renda de até ¼ do salário mínimo per capita vivem na chamada “pobreza extrema”. Aqueles que vivem com até meio salário vivem em “pobreza absoluta”.
Considerando a faixa de rendimento per capita entre ¼ e ½ salário mínimo, em 2016 havia mais 36,6 milhões de brasileiros que poderiam ser classificados em situação de pobreza. Na comparação com 2014, aumentou em 2,1 milhões (6% a mais) o número de pessoas nesta condição. O maior número de pessoas em extrema pobreza estava concentrado na Região Nordeste, com 13,1 milhões de pessoas vivendo com menos de ¼ do salário mínimo por mês na região. O menor contingente de pessoas nesta condição foi observado no Centro-Oeste, cerca de 900 mil pessoas.
Em nível internacional, o Banco Mundial considera como situação de pobreza extrema a linha de US$ 5,5 por dia para consumo individual. Em 2016, esse valor correspondia, no Brasil, ao rendimento mensal de R$ 387,15 por pessoa, de acordo com o IBGE. Com base nesta classificação, havia no país 52,2 milhões de brasileiros em pobreza extrema. A maior proporção de pessoas nesta condição foi observada no Maranhão (52,4% da população local) e a menor em Santa Catarina (9,4% da população local).
Ainda com base nesta classificação do Banco Mundial, o IBGE destacou que 42 em cada 100 crianças com até 14 anos de idade viviam em situação de extrema pobreza, o que corresponde a 17,8 milhões de pessoas nesta faixa etária. “No mundo, 50% dos pobres têm até 18 anos”, enfatizou o instituto.
DISTRIBUIÇÃO DESIGUAL
Os dados reforçam a constatação histórica de que “o Brasil é um país de alta desigualdade de renda, inclusive quando comparado a outros países da América Latina. A região compreendida entre Argentina e México é a mais desigual do planeta”, segundo o IBGE.
Para fazer esta análise, o instituto fez três bases de comparação a partir do rendimento médio mensal domiciliar per capita. A partir disso, concluiu-se que 1% dos domicílios com maiores rendimentos tinha renda 38,4 vezes maior que 50% dos que têm menores rendimentos; 20% dos domicílios com maiores rendimentos tinham renda 18,3 vezes maior que 20% dos que têm menores rendimentos; 10% dos domicílios com maiores rendimentos tinham renda 16,3 vezes maior que 40% dos que têm menores rendimentos.
O IBGE observou ainda a desigualdade de renda se mantém no país por conta da cor ou etnia. Em 2016, entre os 10% da população com os menores rendimentos, 78,5% eram pretos ou pardos. No outro extremo, ou seja, dentre os 10% da população com os maiores rendimentos, apenas 24,8% eram pretos ou pardos.
MORADIA
Outra variável usada pelo IBGE para avaliar a desigualdade econômica no Brasil foi observar as condições de moradia da população. Os principais indicadores avaliados dizem respeito à cobertura dos serviços de saneamento básico e, segundo o instituto, têm “cobertura significativamente menor entre a população com rendimento abaixo de 5,5 dólares por dia”.
De acordo com a pesquisa, 63,7% da população do país tinha acesso a esgotamento sanitário por rede coletora ou rede pluvial; 84,9% tinha o domicílio abastecido com água por rede geral de distribuição; e 89,5% tinham coleta direta ou indireta de lixo. Já entre a população que vivia em situação de extrema pobreza, os percentuais foram, respectivamente, de 42,2%, 73,3% e 76,5%. O acesso simultâneo aos três serviços básicos de saneamento foi de 62,1% para o total da população e de 40,4% para a parcela em situação de pobreza extrema. A Região Metropolitana de São Paulo foi a que apresentou a maior proporção de pessoas (95,2%) com acesso aos três serviços, enquanto a menor foi observada na Grande Teresina (7,4%).
ALÉM DA RENDA
Ao ampliar a análise da pobreza para além da renda, ou seja, para questões relacionadas à saneamento básico e educação, o IBGE constatou que, em 2016, 64,9% do total da população brasileira possuía ao menos uma característica que o colocava no que o IBGE classifica como “pobreza multidimensional”.
Segundo o instituto, “a evolução de indicadores monetários pode diferir de indicadores não monetários de tal forma que o crescimento econômico não seja suficiente para garantir progresso”. A partir desta reflexão, o instituto avaliou, além da renda e do acesso a saneamento básico, o acesso à educação, à proteção social, à moradia adequada e à comunicação e concluiu que 28,6% da população tinha restrição de acesso à educação; 15,2% população tinha restrição de acesso à proteção social; 12% da população tinha restrição de acesso às condições adequadas de moradia; 37,9% da população tinha restrição de acesso aos serviços de saneamento básico; e 32,1% população tinha restrição de acesso à comunicação (internet).
O IBGE enfatizou que “o acesso a direitos é uma questão fundamental para se ter um desenvolvimento inclusivo”, e que a análise destes dados “é relevante para direcionar políticas públicas para se combater a pobreza no país”.
Número de jovens desocupados cresce 20%
O IBGE também divulgou dados acerca dos jovens, entre 16 e 29 anos de idade, cuja significativa parcela (25,8%) não trabalha e nem estuda. Esse número representa um crescimento de 20% entre 2014 e 2016, cujo resultado é de aproximadamente 41,25 milhões (em 2014 esse número era de 34,2 milhões de jovens). “O que a gente constata é que esse aumento não é por conta da frequência escolar, mas pelo aumento da desocupação”, enfatizou Luanda Bortelho, analista da Coordenação de Indicadores Sociais do IBGE.
De acordo com a pesquisa, nestes quatro anos, o número de jovens que apenas estudavam aumentou 3,4 pontos percentuais; o número de jovens que apenas trabalhavam caiu 5 pontos percentuais; e o número de jovens que estudavam e trabalhavam caiu 1,5 ponto percentual. O IBGE destacou ainda que, entre 2012 e 2014, o percentual de jovens que não estudavam nem estavam ocupados se manteve estável. O salto desta população se deu justamente entre 2014 e 2016, período que corresponde à crise econômica no Brasil, com consequente impacto no mercado de trabalho.
DESEMPREGO
O crescimento dos “nem nem” está diretamente relacionado ao aumento do desemprego no Brasil, que afetou mais fortemente os jovens. Entre 2012 e 2016, saltou de 4 milhões para 6,3 milhões o número de jovens com idade entre 16 e 29 anos desempregados no país. Isso representa um aumento de 57% do contingente de jovens desempregados, e revela um dos principais efeitos da crise econômica pela qual passa o Brasil.
De acordo com o levantamento, no mesmo período, a população com mais de 16 anos cresceu apenas 6,5%, enquanto o contingente de desempregados aumentou 40,5%. “Isso nos mostra que são os jovens que mais sofreram com os efeitos da crise no mercado de trabalho”, apontou a analista do IBGE, Cíntia Simões Agostinho.
Enquanto os jovens representam 28,2% da população com mais de 16 anos no país, eles respondem por 54,9% do total de desempregados. “Ou seja, de cada dois desempregados, um é jovem”, destacou a pesquisadora. Segundo Cíntia, o desemprego mais frequente entre os jovens é um fenômeno mundial e histórico. “São muitos os fatores que interferem nesta situação como, por exemplo, a dificuldade destes jovens em se inserir no primeiro trabalho, ou mesmo de conciliar os estudos com uma ocupação profissional”.
MULHERES PREJUDICADAS
A análise por gênero do grupo de jovens que não estudavam nem trabalhavam revela, segundo o IBGE, que “a desigualdade entre o percentual de homens e o de mulheres de 16 a 29 anos que não estudam nem estão ocupados persiste ao longo da série histórica”. De acordo com a pesquisa, dentre o total de jovens no país em 2016, 19% dos homens não estudavam nem estavam ocupados. Já entre as mulheres este percentual saltou para 32,7%. “Assim, a gente pode afirmar que as mulheres têm 1,7 vez mais chances de estar não estudantes e não ocupadas que os homens”, afirmou Luanda Bortelho.
O IBGE ponderou que essa desigualdade de gênero não é exclusiva do caso brasileiro. Segundo o instituto, entre os países que fazem parte da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as mulheres têm 1,4 vez mais chances de não estudar nem estar ocupadas que os homens. Na Turquia, as mulheres têm 3 vezes mais chances de estarem nesta condição que os homens, enquanto no México chega a 4 vezes mais.
Os afazeres domésticos são a principal razão para que mulheres jovens deixem de trabalhar ou estudar, apontou a pesquisa do IBGE. Questionadas por que não tinham uma ocupação, 34,6% das mulheres disseram que tinham que cuidar de afazeres domésticos, de filhos ou de outros parentes. Entre os homens, apenas 1,4% apontaram o mesmo motivo para estarem fora da força de trabalho. A grande maioria deles (44,4%) afirmou que não procuravam trabalho porque não havia oferta na localidade onde moram.
Mobilidade do mercado de trabalho tem fôlego curto
No Brasil, a ascensão no mercado de trabalho ocorre a passos lentos. Metade dos brasileiros consegue alcançar um estrato social melhor do que o ocupado por seus pais, conforme mostra a Síntese de Indicadores Sociais de 2017. Mas poucos avançam em saltos de longa distância, ou seja, sobem mais do que dois “degraus” na pirâmide social. Além disso, a mobilidade educacional é maior. A parcela dos brasileiros que conclui nível de instrução superior a de seus pais é de 68,9%.
Na base da pirâmide, estão os trabalhadores agrícolas. Em um terço das famílias deste grupo, os filhos se mantêm no mesmo tipo de ocupação. Em pouco mais de metade dos casos (51,8%), a segunda geração dá dois saltos na escala ocupacional — ou seja, os filhos ascendem para o estrato E (domésticas, auxiliares de serviços gerais, vendedores em lojas ou supermercados, entre outros) ou para o estrato D (como motoristas ou trabalhadores na construção civil). E apenas em 15,4% há um avanço de longa distância, para os estratos C (trabalhadores do serviço administrativo), B (técnicos de ensino médio) ou A (dirigentes ou profissionais das ciências ou das artes).
“O Brasil, apesar de ser extremamente desigual, vivenciou mobilidade considerável. Mas essa mobilidade se concentrou nos estratos mais baixos. Ela é fruto do processo de urbanização: da substituição de ocupações mais agrícolas para o conjunto de ocupações urbanas”, explica Betina Fresneda, analista na coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.
O padrão de ascensão de fôlego curto se repete nos outros estratos sociais. No estrato E, 35,1% se mantêm no mesmo tipo de ocupação dos pais e 34,1% avançam dois degraus. Apenas 28,2% alcançam um salto superior. No estrato D, apenas 15,2% dos filhos conseguem chegar ao topo da pirâmide, ou seja, subindo mais do que dois degraus na estratificação ocupacional.
Movimento semelhante ocorre quando se analisa a mobilidade educacional. O percentual de filhos (25 a 65 anos) que possuíam um nível educacional diferente do paterno foi de 73,9%, sendo que 69% tinham nível de estudo superior ao do pai e apenas 5% inferior. Mas apenas 4,6% dos filhos cujos pais não tinham instrução conseguiram concluir o ensino superior. Enquanto 70% dos filhos de pais com ensino superior também alcançaram essa formação.
“O Brasil também tem elevado nível de desigualdade de oportunidades educacionais, pois quanto maior a escolaridade do pai maior a proporção de filhos que alcança o ensino superior”, analisa Betina.