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A expansão da lei do silêncio

Organizações crimino­sas como o Primeiro Co­mando da Capital (PCC), Comando Vermelho (CV) ou ou­tras, mais ou menos conhecidas e influentes, podem ver as cam­panhas eleitorais deste ano como uma oportunidade ímpar para ex­pandir seu poder de influência e zonas de operação. O acirramento de conflitos entre essas organiza­ções, observado em vários estados brasileiros, irão ditar e motivar tais facções a organizar suas estratégias, a fim de encontrarem apoio vindo dos poderes Legislativo e Executivo.

O desembargador aposentado Walter Maierovitch, que há déca­das estuda o modus operandi de diversas organizações crimino­sas, afirma que o PCC ainda não alcançou peso econômico seme­lhante ao da máfia italiana, ou dos cartéis colombianos, por exemplo. Mas acredita que tal tensão pre­sente nas relações entre as facções, não somente, mas principalmen­te entre PCC e CV podem impac­tar e muito as eleições em outubro.

“O PCC financia igrejas na peri­feria de São Paulo, organiza quer­messes e patrocina eventos de na­tureza religiosa. O interesse das facções criminosas de se infiltrar na política se justifica pela vonta­de de tramar acordos que redu­zam a repressão policial em certas áreas, por exemplo. E o contrário também vale, a fim de reduzir a in­fluência de alguma organização ri­val e findar seu domínio naquele local, para favorecer a própria ex­pansão”, explica Maierovitch, em entrevista à BBC Brasil.

Segundo o desembargador, um acordo desse tipo já vigora na peri­feria de São Paulo. “A polícia não vai à periferia, onde o PCC age livre­mente. Há uma lei do silêncio na periferia de São Paulo”. A preocu­pação de que facções influenciem o resultado da eleição deste ano já foi ecoada pelo presidente do Tri­bunal Superior Eleitoral (TSE), Gil­mar Mendes, e pelo ministro do Gabinete de Segurança Institucio­nal da Presidência, Sérgio Etchego­yen. Ambos têm dito que o fim da possibilidade de que empresas fa­çam doações eleitorais abrem es­paço para que o crime organizado financie candidatos por fora.

AÇÃO EM GOIÁS

Tal afirmativa também é dada pelo doutor em Ciência Política e professor na Universidade Fede­ral de Goiás Francisco Tavares, que aponta o vácuo provocado pelo desejo em dissociar o partido ou agente político do seu próprio nome (caso de pessoa física), ou da empre­sa (caso de pessoa jurídica). “É espe­rado que o financiamento oriundo do que se chama de economia sub­terrânea, ou seja, o resultado posi­tivo das transações e negócios de natureza criminosa irá suprir essas lacunas que precisam ser preenchi­das”, afirma o professor.

Quanto ao PCC e ao CV, a ne­bulosa influência dessas facções no universo criminoso da Região Metropolitana de Goiânia, e as re­lações com a política no estado, tudo o que se pode fazer sobre o assunto na atual conjuntura, são suposições. “Como eu disse, e o que o próprio presidente do TSE e o Maierovitch disseram, é, sim, esperado que os criminosos se­jam mais atuantes nessas elei­ções, exerçam influência durante as campanhas e, se os candidatos que recebem seu apoio sejam elei­tos, consequentemente terão uma dinâmica e políticas públicas que favoreçam tais facções. Em Goiás não será diferente, mas associar in­fluências do PCC à política goiana é pura hipótese”, explica Tavares.

OPERAÇÃO

Maierovitch associa o PCC com a máfia italiana justamente por sua dinâmica de relação com a população local dentro do terri­tório do qual exerce controle, e como toda organização criminosa de matriz mafiosa, o PCC tem po­der intimidatório. “Com ele a fac­ção controla territórios, quando lança um nome ou uma ordem, as pessoas temem contrariar e aca­bam por obedecer”, pontua.

A Sicília demonstrou que essa estratégia funciona no período eleitoral. Durante anos, a Demo­cracia Cristã, o maior partido ita­liano do pós-guerra, tinha todos os votos na Sicília quando era lide­rada pelo então primeiro-ministro Giulio Andreotti (nos anos 1970 e 1980). Era o partido majoritário, ligado à máfia. Tanto que Giulio Andreotti foi condenado por as­sociação à máfia e só não foi preso porque o crime prescreveu.

“Quando a Democracia Cris­tã foi incapaz de parar o chama­do maxiprocesso conduzido pelo juiz Giovanni Falcone, que fez to­dos os chefões mafiosos virarem réus, a máfia rompeu com o par­tido. A Cosa nostra siciliana deter­minou então que se votasse em outro partido”, relata o jurista.

Em Goiânia, Aparecida de Goiânia e Senador Canedo, nos bairros mais periféricos, ainda não se sabe o quanto o crime se orga­niza e o quanto seu poder exerce influência sobre os goianienses. Mas é fato que nesses lugares po­dem existir espaço e oportunida­des para que essa prática aconte­ça. “O crime opera e toma para si aquilo que o Estado deixa de lado. Se a política se distancia da popu­lação, é lógico que o crime vai ‘apa­drinhar’ essa comunidade e forne­cer aquilo que o Estado é incapaz de fornecer”, esclarece Tavares.

COMBATE

Políticos que prometem adotar uma postura mais rígida em relação aos criminosos, inclusive onde es­ses indivíduos exercem influência maior sobre a população local, na verdade tem a desonestidade im­pregnada em seu discurso. Para o professor Francisco Tavares, é im­possível que essa política agressi­va vá trazer resultados satisfatórios. “Esse discurso é oportunista e se vale da ânsia da população em ver alguém que vá resolver o proble­ma da segurança em seu bairro e na sua cidade”, afirma Maierovit­ch. “O populismo penal não existe, não funciona, essas políticas já fo­ram analisadas, estudadas e disse­cadas várias vezes, e em nenhum momento ela resolveu o problema da falta de segurança”, diz Tavares.

Quanto ao medo que a popula­ção goiana possa sentir em relação às sombras que o PCC e o CV ge­ram sobre a capital, uma questão é levantada: como combater, como evitar que tal força e influência se expanda e se enraíze ainda mais na Grande Goiânia? Para Francis­co Tavares não é entorpecer a Polí­cia Militar ou organizar ações con­juntas de investigação e repressão ao crime que será a principal me­dida para contornar e resolver o problema. “As políticas de segu­rança pública são muito impor­tantes, é claro, para combater a prática criminosa”, afirma.

Mas para o professor é no de­ver do Estado, o de garantir os di­reitos básicos à população (saúde, educação, moradia, lazer, trabalho, etc), associado à uma vigilância con­tra ações criminosas, é que os inte­resses do crime organizado não se fundirão às necessidades dos habi­tantes locais. “Essa questão é mui­to estudada também, e a dinâmica é muito semelhante em todos os paí­ses. O crime organizado não atua no bairro de classe média na Noruega, e sim nas periferias pobres da Costa Rica, Colômbia, México e, no nosso caso, Brasil. O combate é demorado, precisa ser inteligente, convincente e sólido”, conclui o professor.

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