Se o governo de Bachar al Assad for derrubado, diz Rafael Magul, “todos os cristãos, judeus e muçulmanos não fundamentalistas estarão em grande risco de vida”. Diz ele que o mundo ocidental “tem um olhar errado sobre a realidade do mundo árabe”. Consequência disso foi o monstruoso ataque de sábado passado, 14 de abril, as posições sírias perto de Damasco, ataque perpetrado por forças americanas coligadas com francesas e inglesas.
Rafael Magul é padre da Igreja São Nicolau, de Goiânia, pertencente ao Catolicismo Ortodoxo. A Igreja São Nicolau congrega os cristãos de origem síria e libanesa em Goiânia. Padre Rafael é nascido na Argentina, filho de pai libanês e mãe egípcia. Viveu por mais de 10 anos no líbano, em inúmeras cidades daquele país. Conhece todo o Oriente Médio e fala fluentemente, além do espanhol e do português, o árabe e o hebráico. Tem amigos muçulmanos e amigos judeus.
A cegueira do mundo ocidental parece incurável. Nos últimos anos, vários países europeus e também os Estados Unidos da América têm sido vítimas de ataques terroristas promovidos por muçulmanos fundamentalistas. Depois da morte de Bin Laden, esses ataques passaram a ser organizados por um certo “Estado Islâmico”, que chegou a controlar mais da metade do Iraque e uma parte da Síria. Os países que vêm efetivamente combatendo os jihadistas são a Síria e o Iran, com o auxílio da Rússia.
Contudo, as potências ocidentais vêm apoiando fortemente as forças insurgentes que, há sete anos tentam, infrutiferamente, derrubar o governo de Assad. Do ponto de vista econômico, o apoio aos vários grupos rebeldes – alguns deles inimigos entre si – não passa de um investimento comercial. O ocidente capitalista demanda à Síria permissão para atravessar o país com uma tubulação para levar petróleo e gás provenientes da Arábia e do Iraque até o Mar Mediterrâneo.
Atualmente, estes artigos são levados de navio através do Oceano Índico até o sul da África, seguindo daí pelo Atlântico no rumo norte, numa navegação de mais de 40 dias. Mesmo que os navios pegassem um atalho pelo Mar Vermelho, entrando no Mediterrâneo pelo Canal de Suez, o tempo de navegação não seria substancialmente encurtado. Além dos perigos que correm por atravessar uma região conflagrada, o trânsito de gigantescos navios tanques iriam causar tumulto na zona do canal.
O problema é que Assad não permite que se construa na Síria está tubulação. E a Rússia, cuja economia petroleira seria profundamente prejudicada, apoia incondicionalmente o governo de Assad. Graças a este apoio, econômico e militar, Assad vai vencendo a guerra civil. As forças leais ao governo já controlam quase 80% do país, depois de um período em que mal conseguia dominar 20% do território.
Padre Rafael defende o governo de Assad. Ele afirma que o atual governante da Síria não é um ditador, “como falsamente é chamado pela imprensa”. Afirmando que Assad foi eleito pelo povo, Padre Rafael afirma que, graças às leis do atual regime sírio, “nós, os cristãos, temos vivido em harmonia com nossos irmãos muçulmanos”. Ele afirma que até mesmo os judeus de Damasco, que constituem uma comunidade de tamanho expressivo, gozam da proteção das leis sírias e nunca foram hostilizados.
A razão disso é que o regime de Assad é laico, ao contrário de muitos países do Oriente Médio que são teocracias islâmicas, ou, no caso de Israel, judáico-sionista. “A Síria é um país civilizado, e está sendo devastado por uma guerra injusta patrocinada pelo Ocidente”, afirma Padre Rafael.
Antes da guerra, a população síria era de 20 milhões de pessoas. Pelo menos 1,5 milhão era constituída de cristãos. Hoje, a população do país foi reduzida pela metade. Mais de 100 mil escolas foram fechadas, juntamente com a Universidade de Damasco.
A cidade de Damasco é a segunda mais antiga do mundo ainda habitada. ( A mais antiga é Jericó, na Palestina ). Foi lá que, segundo a tradição, Jesus se revelou a Saulo de Tarso. Num certo sentido, o cristianismo, enquanto movimento organizado de fé, teve ali o seu início.
Padre Rafael aponta a grande incoerência das potências ocidentais que tentam justificar as agressões à Síria em termos de luta pela democracia. ‘É um falso argumento, pois os que falam em democracia no Oriente Médio são os mesmos que apoiam as monarquias retrógradas, feudais, da península Árabe”.
Rafael também chama a atenção para o pretexto fútil usado para o ataque de semana passada. “Não há provas de que o governo de Assad tenha usado armas químicas contra os rebeldes. Este pretexto também foi usado para atacar o Iraque e derrubar o governo de Sadam Hussen, sendo que os próprios Estados Unidos tiveram que admitir, depois, que estas armas nunca existiram.
“Primavera árabe para quem?”–questiona o Padre Rafael. Para o sacerdote cristão, há muita mistificação em torno de movimentos supostamente democráticos no Oriente Médio. Enquanto governos laicos, progressistas, têm sido hostilizado pelas potências ocidentais, pelo único pecado de serem nacionalistas e buscar o bem estar dos povos, sem fazer acepção religiosa, as retrógradas monarquias sunitas são prestigiadas, porque dominam jazidas inesgotáveis de petróleo. Enquanto o jihadismo terrorista ameaça o mundo civilizado, potências ocidentais atacam justamente um governo que o tem combatido.
A Síria é um país civilizado, e está sendo devastado por uma guerra injusta patrocinada pelo Ocidente” Padre Rafael