Falar dos direitos do nascituro é falar de direitos desde a concepção, mas o que o ordenamento jurídico brasileiro põe a salvo ao ser humano concebido? O nascituro tem reconhecido e tutelado seus direitos? Em caso de aborto legal como a lei assegura o direito do nascituro? Essas e outras dúvidas tornam-se tema de importância abordados pela advogada cível, com atuação em família e sucessões, Sylvia Christiane Meira de Moura
ENTREVISTA
Diário da Manhã–Qual o conceito de nascituro?
Sylvia Moura–Nascituro é o bebê que ainda não nasceu, é aquele que está crescendo no ventre de sua mãe.
DM–O nascituro pode ser considerado um sujeito de direito?
Sylvia Moura–O Nascituro que está no ventre de sua mãe, apesar de não ter personalidade civil, mas a lei garante seus direitos, como receber doação, constituir herdeiro em caso de falecimento dos pais, receber seguro DPVAT em caso de acidente de trânsito que cause o aborto, receber direito aos alimentos gravídicos, para sua boa constituição e formação, entre outros.
DM–Qual o início da personalidade e a proteção que se dá ao nascituro?
Sylvia Moura–A personalidade civil começa com o nascimento com vida, sendo assegurado os direitos desde sua concepção, não adianta nascer com um cérebro que não tenha funcionalidade, tem que ter função encefálica para o direito civil para ser considerado nascimento com vida e passar a ter personalidade civil. A personalidade civil não se confunde com a jurídica, pois a jurídica se alcança desde da concepção, e a personalidade civil com o nascimento com vida.
DM–Em relação às teorias sobre o início da personalidade (concepcionalista, natalista, condicional, dentre outras): qual é adotada pelo Brasil e por quais razões ?
Sylvia Moura–O objetivo da adoção da teoria no Brasil foi assegurar ao bebê que ainda está no ventre da mãe, direitos, que antes não lhe eram assegurados. Não se estava satisfeito com simplesmente com o nascimento com vida para que a partir daí pudesse se atribuir algum direito, mas que em momento anterior já se garantisse direitos fundamentais.
O Artigo 2º do Código Civil, assevera que: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. A teoria adotada é a concepcionalista, pois o direito civil assegura desde a concepção os direitos. Desse modo a personalidade jurídica é adquirida desde sua concepção, e não única e exclusivamente com o nascimento com vida, assim alcançando mais direitos em relação ao embrião, feto. Asseguram direitos desde o ventre de sua mãe, garantindo direitos também aos natimortos, como o caso de sofrer acidente de trânsito, com o aborto ocasionado, em inventário no caso de falecimento dos pais, alcança direitos como o nome, imagem, sepultura, reparação por dano moral, entre outros.
DM–Tendo o nascituro direitos desde a concepção, como fica as questões relacionadas ao aborto legal?
Sylvia Moura–A concepção e o desenvolvimento do bebê no ventre de sua mãe, com o consequente nascimento com vida, ou seja, o direito a vida, é excepcionado quando essa gestação for resultante de uma gravidez fruto de um estupro, ou colocar a mãe em risco de vida, ou ainda, quando o feto é anencefálico (não possui cérebro).
Os casos acima são de aborto legal, àqueles que são permitidos pela nossa legislação. Dessa forma o aborto legal cria um afastamento com a teoria concepcionalista adotada no Brasil, pois partindo do pressuposto que a teoria veio com o objetivo de garantir os direitos desde a concepção, por pensamento lógico, dever-se-ia garantir que não interrompesse o direito ao nascimento com vida.
DM–Como a lei recepciona o conflito entre os direitos do bebê (nascituro) que não fala e os direitos da mãe quando a gravidez é fruto de um estupro?
A análise para essa permissão legal decorreu da experiência do cotidiano, já que se verificou que se houvesse essa limitação proibitiva do aborto, em casos de estupro, o que ocorreria e o que estava acontecendo, era o aumento significativo da automutilação, lesões graves, e aumento dos casos de óbitos, dessa forma, para que não houvesse a morte do bebê e de sua genitora simultaneamente, optou pela preservação de uma delas, assim também adotou esse posicionamento em relação ao bebê que está comprometendo a vida de sua mãe.
Não obstante tem–se tido uma visão humanizada do aborto legal, em casos de estupro, já que o ser estuprado é uma vítima, o estupro é um crime, uma violência terrível que marca a vida de forma definitiva, o debate social sobre o tema tem ajudado as vítimas desse crime a tomarem a decisão correta, porque o julgamento moral ainda é grande nesse sentido não basta à violência em si, ainda o valor agregado do julgamento moral arrasta a mãe por seu caminho de vida, e é humilhante, massacrante.
DM–Quando o nascituro não tem o cérebro?
Sylvia Moura–No caso de bebês que não tem o cérebro, a população tem aceitado mais, já que a medicina comprovou que nem há a existência de vida nesses casos, pois somente prolonga o sofrimento da mãe, tanto que há a dispensa de autorização judicial para a realização do procedimento de aborto.
DM–Terceiros podem pleitear pelo direito do nascituro, mesmo quando a genitora não queira conceber?
Sylvia Moura–A vontade da genitora é excepcionada quando em processo judicial de autorização de aborto, verifica-se que o laudo médico é contra a autorização, pode acontecer de o laudo indicar não ter risco de vida à mãe, ou a criança em seu nascimento. O juiz nessa oportunidade suprirá qualquer declaração de vontade de permissão ao aborto ou direito ao nascituro, diante da Junta Médica, bem como com auxílio do Ministério Público.