O número de produtores de cachaça subiu 300% em Goiás no ano passado em relação a 2016, quando havia apenas mil fabricantes da bebida no Estado e não era comum tanto estímulo a este tipo de trabalho. Em 2017, o montante saltou para 4 mil, e a expectativa é de que a quantidade aumente ainda mais. Atualmente, a produção goiana do destilado genuinamente brasileiro representa algo em torno de 3% do que é confeccionado no País. As regiões que mais produzem a branquinha são o Entorno do Distrito Federal, que tem os municípios de Alexânia e Formosa como os campeões no ranking de produção da ‘mardita’ na terra dos cantores sertanejos Leandro e Leonardo.
Por meio de incentivos fiscais, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento (SED) pretende ampliar a produção do destilado para uma média de sete milhões de litros por ano, o que colocaria Goiás em destaque no cenário nacional e internacional. No momento, existem cerca de 30 mil destilarias artesanais no Brasil, responsáveis por produzir ao ano aproximadamente 500 milhões de litros de cachaça. Famoso nos quatro cantos do Brasil, o destilado goiano conquistou o paladar dos brasileiros por conta de sua qualidade. A fabricação da bebida em sua maioria é feita em alambiques, que dá um quê diferenciado à aguardente e é uma das marcas registradas da arte de se produzir pinga.
O produtor Antônio César Vieira, 40, é responsável por vários alambiques artesanais de cachaça. Herança de seu avô, que desde 1947 produzia a cachaça Galo no município de Vianópolis, a fabricação da bebida essencialmente artesanal é importante para fechar as contas de Antônio e sua família todo mês. Do tempo que seu progenitor confeccionava o destilado até os dias de hoje muita coisa mudou, mas a utilização de métodos raízes ainda é fundamental para prepará-lo e qualquer intenção de industrializar o processo produtivo é rapidamente descartada por ele, que é entusiasta do jeito clássico de dar vida à aguardente.
“Melhoramos o plantio da cana, correndo atrás de novas variedades, o que proporciona maior rendimento na hora do corte da cana. Além disso, mudamos o alambique, que foi modernizado, deixando de ser um alambique capelo e passando a ser um alambique com coluna, o que aumentou a qualidade da cachaça”, explica Antônio. Mas não é apenas o cuidado no momento da produção que determina a qualidade do destilado. De acordo com ele, o clima possui papel fundamental no gosto final da bebida. “Por isso, a produção de cachaça é muito forte na região sul do Estado, mais amena, e nem tanto na região norte, mais quente”.
Com a morte de seu avô, porém, Antônio optou por manter o nome da cachaça. Contudo, ele decidiu que deveria diversificar os tipos da bebida que eram comercializados pelo criador da marca. “Hoje, produzo cachaça de cor branca e de cor amarela. Essa última, inclusive, é curtida no barril de jabota e chega ao consumidor com gosto mais suave”, diz. No entanto, ao ser indagado sobre o diferencial da bebida goiana em relação à produzida em outros estados do País, ele citou o fato de que aqui a temperatura favorece a produção. Sobre os custos da produção, Antônio relatou que gasta algo em torno de R$ 3 para produzir um litro da ‘mardita’.
Professor de um curso no Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) sobre fermentação de cachaça, o produtor ensina aos alunos os segredos para se fabricar um bom destilado, que seja saboroso e encorpado. “No curso de produção de cachaça, a gente trabalha com os alunos a parte de fermentação da bebida, orientando-os de como se deve fazer esse processo”, relata. Para fabricar o destilado tipicamente brasileiro, além de ser necessário ciência do processo burocrático que permeia a atividade, nunca deve se esquecer das noções básicas do ofício. “É preciso compreender as diversidades de cana que existe, porque a fermentação se dá por meio do próprio caldo de cana”, destaca.
HISTÓRIA
Apesar do minucioso processo de produção, a cachaça possui uma identidade com o público brasileiro. Criada há 500 anos, e famosa por estar presente em várias obras do escritor baiano Jorge Amado, além de outros produtos culturais, a ‘marvada’ é a segunda bebida mais consumida no Brasil, perdendo apenas para a cerveja. Porém, a segunda colocação no quesito consumo não exime o gosto que muitos aficionados pela ‘breja’ possuem em relação à ‘mardita’. Muitos, inclusive, fazem dela o famoso ‘quebra-gelo’ durante sessões etílicas, que popularmente tem a função de ‘lavar’ o aparelho digestivo.
Os escravos teriam sido os primeiros a se apaixonarem pelo destilado que agradou os portugueses que chegaram a levá-lo à colônia durante os séculos XVIII e XIX . Com o tempo, e sem perder sua identidade genuinamente brasileira, a cachaça movimenta algo em torno de R$ 7 bilhões por ano no Brasil. Embora haja muitas estórias de cunho pitoresco em torno da bebida, é certo que a história do destilado se confunde com a própria História do Brasil, tendo como protagonista a cana-de-açucar, o imigrante português e o escravo africano, que, em uma terra habitada em sua maioria por índios, idealizaram a bebida que mais simboliza o modo de vida tupiniquim.