Um trabalho pouco conhecido do governo goiano é o de assistência a refugiados de Guerra ou de grandes catástrofes. Existem em Goiânia cerca de 1500 estrangeiros nesta condição, a de refugiados. O gabinete de Assuntos Internacionais do Governo do Estado de Goiás vem dando assistência institucional e consular a esta gente. Através de sua gerência de atração de investimentos e assuntos consulares.
Na verdade, esta assistência é prestada basicamente por iniciativa de Michel Afif Magul, o gerente. É ele que, sem medir esforços, e até com grandes sacrifícios pessoais, vem dando assistência às pessoas que buscam, em Goiânia, reconstruir suas vidas, deixando para trás os horrores da guerra civil, a destruição material e o aniquilamento de uma vida comum e sossegada, que é, afinal, o que todo mundo deseja.
Os refugiados são haitianos e sírios e, acredita-se, alguns venezuelanos. Em Anápolis, residem duas famílias de refugiados iraquianos. Existem em Goiânia, segundo Michel, pelo menos 60 famílias de refugiados da guerra civil que há quase dez anos vem destruindo um dos países que já foi o centro da civilização no oriente médio.
A importância da Síria no mundo é cultural, é histórica. Damasco, sua capital, é uma das mais antigas cidades habitadas do mundo. Foi lá que o apóstolo Paulo, segundo a tradição cristã, teve seu encontro com Jesus e se converteu, tornando-se o pregador dos gentios, o responsável pela internacionalização da pequena seita organizada em tono do nazareno. Damasco é, ademais, um dos principais centros do catolicismo ortodoxo de todo o mundo.
É claro que Michel tem uma motivação pessoal para desenvolver esta militância humanitária. Ele é neto de libaneses, um povo intimamente ligado à nação síria. Nascido em Buenos Aires, Argentina, filho do sacerdote ortodoxo Gabriel Magul, pároco da igreja São Nicolau de Goiânia, ele já morou no Líbano durante dez anos. Passou lá parte de sua infância e adolescência. É fluente em Árabe. Poliglota com apenas 25 anos de idade, ele também é fluente em Espanhol, Português, Francês e Inglês. É advogado, formado em Direito pela PUC-Goiás e membro da Comissão Internacional da OAB-GO.
Além da assistência jurídica e consular prestada aos refugiados, Michel também articula a inserção dessas pessoas no meio social, envolvendo não só a Igreja Ortodoxa, mas também outras denominações religiosas e entidades da sociedade civil.
Um desses refugiados em vias de inserção na sociedade goiana é Tony Qmqm, natural de Damasco, 24 anos de idade, há três residindo em Goiânia. Pode parecer estranho para falantes de português, mas a grafia do nome dele, transliterado do Árabe, é exatamente esta: Qmqm, cuja pronúncia é “quamquam”.
Tony diz ao Diário da Manhã que deixou a Síria para poder estudar e trabalhar. Não existe mais rotina na Síria. A guerra tornou a vida cotidiana impossível. Para muitos jovens, a guerra é a única atividade possível. Tony preferiu a paz, o trabalho e os estudos. Um tio que há muitos anos reside em Goiânia o convidou para viver em Goiás.
Viver na Síria, hoje, é conviver com o perigo. “Quando saía de casa, corria o risco de ser atingido por uma bala, uma explosão...” conta o refugiado. Esta, diz ele, é a situação pela qual seu País está passando. Eles ficaram em Damasco. Agora, comenta, as coisas estão um pouco mais calmas, já que a guerra parece caminhar para o final, com a derrota dos vários grupos insurrectos que tentam derrubar o regime de Assad.
Tony está fazendo ciências contábeis na PUC e trabalha em um posto de gasolina, como frentista. Ainda não tem namorada. Pensa em, um dia, voltar para a Síria. Mas admite a possibilidade de ficar de vez no Brasil. “Acredito muito no Brasil e nos brasileiros, que me receberam com amor, carinho, hospitalidade”, diz ele. Tony já se sente incluído na sociedade local, através da comunidade sírio libanesa e da Igreja Ortodoxa, que têm sido solidários aos compatriotas tangidos pela guerra civil.
“Sou muito grato ao Brasil, mas a Síria é a minha pátria, é o país de meus pais”, diz ele um tanto nostálgico.
Tony não gosta muito de falar sobre as causas da guerra, que ele diz serem “complexas”. São inúmeros os motivos da guerra, sobretudo econômicos, o que acarretou a ingerência estrangeira no conflito. Em todo caso, a guerra não tem motivações religiosas, afirma. A Síria sempre foi o país mais tolerante do Oriente Médio em matéria de religião. Mais tolerante até do que Israel, que é um país cujos princípios constitucionais estão assentados no judaísmo. Em certo sentido, Israel é uma teocracia republicana.
O regime sírio é laico. O governo não está comprometido com nenhuma religião. E por não estar vinculado a nenhuma, é capaz de tolerar e proteger as outras. Tony, que nasceu em uma família cristã, da linha Ortodoxa, diz que no país a conivência com os muçulmanos é tranquila e respeitosa. Existe ainda, em Damasco, uma numerosa comunidade judaica que sempre conviveu em harmonia com os fiéis das demais religiões.
A propósito dos judeus de Damasco, cabe salientar que se trata de comunidade antiquíssima. Quando Dario livrou os judeus do cativeiro da Babilônia, muitos preferiram não retornar a Sion, isto é, aos arredores de jerusalém. Muitos se instalaram na Ásia Menor, sobretudo em Antióquia e em Tarso, onde nasceu do Apóstolo dos gentios. Uma grande massa de judeus foi acolhida em Damasco, e ali continua quase trezentos séculos depois. Por fim, uma grande quantidade de judeus se estabeleceu em Alexandria, no Egito, chegando a compor quase metade da população daquele importante centro comercial da antiguidade.