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Conflito de leis

No último dia de trabalhos da Assembleia Legislati­va do Estado de Goiás, foi aprovada uma lei que cria a Câma­ra de Conciliação, Mediação e Ar­bitragem da Administração Esta­dual (CCMA), sob a nomenclatura de Lei Complementar N º 144 de 24 de julho de 2018. O texto aprovado fere vários dispositivos da legislação federal que regulamenta o assunto.

“É bem-vinda a adesão do Esta­do de Goiás à política de implan­tação dos métodos consensuais de solução de conflito. Dentre eles, se enquadra a mediação e concilia­ção. O marco regulatório da me­diação no Brasil é a Lei Nº 13.140 de 26 de junho de 2015. Essa lei não só criou as câmaras privadas como estabeleceu no âmbito fede­ral a mediação judicial, a media­ção extrajudicial, bem como trouxe a previsão para que a União, os Es­tados, os municípios, o Distrito Fe­deral, as empresas públicas, as au­tarquias, a administração direta e indireta também pudessem ou fa­zer convênios com as Câmaras Pri­vadas credenciadas nos Tribunais ou que o próprio Estado, no âmbi­to da administração pública, pu­desse criar as suas câmaras de re­solução de conflitos consensuais.” É o que afirma o dr. Luis Cláudio Duarte, especialista no assunto.

O legislador estadual aprovou nesta última sexta-feira (27/07), jun­to com o pacote de autoconvocação, um projeto de lei do Governo do Estado de Goiás, juntamente com a Procuradoria Geral do Estado, a criação de uma Câmara de media­ção e conciliação, e inseriram tam­bém a arbitragem, que inclusive já foi abandonada pelo Tribunal de Justiça, a quem era vinculado.

Dr. Luiz Cláudio Duarte assevera que o artigo 13 trata de como deve­rá ser composta a Câmara de Con­ciliação da Administração Estadual:

“Art. 13. A CCMA será composta por Procuradores do Estado, Pro­curadores da Assembleia Legisla­tiva e por advogados regularmente inscritos na OAB-GO, os quais in­tegrarão as listas abertas públicas para escolha das respectivas Co­missões, sendo estas compostas sempre em número ímpar maior ou igual a 3 (três) integrantes, po­dendo ser assessorados por ser­vidores efetivos, de acordo com a necessidade do serviço, median­te designação do Procurador-Ge­ral do Estado”, e observa: “A lei es­tadual foi criada com base na Lei federal 13.140, que é a lei fede­ral que dá autorização para que a União, os Estados e os municí­pios criem suas câmaras. Porém, ela vai contra o que estabelece a Lei 13.140 e o novo Código de Pro­cesso Civil, que prevê que só pode­rão fazer mediação e conciliação aquelas pessoas devidamente ca­pacitadas mediante curso de aper­feiçoamento e formação de media­dores e conciliadores. Portanto, não há como, no âmbito da admi­nistração pública, uma câmara ser criada e não contemplar os profis­sionais regularmente habilitados, que são os mediadores formados e capacitados mediante curso que é via de regra ministrados pela Esco­la Superior da Magistratura, para que possam atuar como media­dores e conciliadores, tal qual fun­ciona dentro do Judiciário e nas câmaras privadas, como prevê o artigo 11.”

Deste modo, a lei estadual con­traria a lei federal, ou seja, nega vi­gência à lei federal. Também, o me­diador não pode ter interesse na causa, o que é outra cláusula es­drúxula criada pelo legislador es­tadual, uma vez que o procurador estadual, por investidura, tem in­trínseco e indissociável na sua fun­ção a advocacia a favor do Estado. Em hipótese alguma poderá exer­cer a função de mediador ou con­ciliador e nem mesmo ser árbitro, vez que é parte interessada.

Ademais, o funcionário da jus­tiça pode atuar apenas como vo­luntário na função de mediador, sendo vedada a sua remunera­ção. Por extensão de entendi­mento, os procuradores estaduais ou da Alego não poderiam rece­ber algum provento se exercerem a função de mediação.

É incompatível com o desem­penho da função de servidor pú­blico do Judiciário o exercício pa­ralelo de mediação extrajudicial, sobretudo remunerada.

Em dec i são recente, (20/06/2018) o Conselho Nacional de Justiça manifestou-se pela im­possibilidade de servidores públi­cos do Poder Judiciário atuarem como mediadores extrajudiciais.

A decisão fundamenta-se na im­portância de resguardar o interesse público e de manter a confiança dos jurisdicionados no Poder Judiciário, invocando a observância dos prin­cípios constitucionais da isonomia, da impessoalidade e da moralidade administrativa, bem como na ne­cessidade de preservar os usuários dos serviços de mediação de even­tuais conflitos de interesses.

Também estabelece o artigo 6.º da Lei 13.140:

Art. 6º O mediador fica impedi­do, pelo prazo de um ano, conta­do do término da última audiên­cia em que atuou, de assessorar, representar ou patrocinar qual­quer das partes.

Na condição de procurador es­tadual, o mediador, como está pres­crito na lei estadual complementar nº 144, estaria patrocinando causas vinculadas à administração esta­dual, o que é vedado por lei. O fato é que se ele atua na mediação, ele fica impedido, durante um ano, de patrocinar qualquer defesa que es­teja envolvendo aquelas partes. Se ele está fazendo uma mediação re­presentando o Estado, ele está na corte de mediação como advoga­do do Estado, e não como media­dor, o que é uma afronta à legisla­ção em vigor, sem falar na questão ética que envolve o caso em pauta. Se o procurador atua como media­dor, ele, como advogado do Estado, ele é parte, e não poderá atuar em juízo como procurador, o que o ti­rará da função para qual ele foi em­possado através de concurso públi­co. Finalmente, a conclusão a que se chega é que o procurador do Es­tado deverá abdicar da sua função de procurador para ser mediador. E se atuar como mediador, haven­do de um lado o Estado e de outro um contribuinte, ele está impedi­do de atuar. Primeiro que ele é ad­vogado do Estado. Aí a necessidade de discernir se o procurador esta­rá lá como advogado do Estado ou como mediador. Se ele for procura­dor do Estado e mediador, ele po­derá atuar na mediação, mas fica­rá impedido depois de patrocinar, advogar ou assessorar ou o Estado ou o contribuinte. Por exemplo: se ele atuar em 500 procedimentos de mediador, desde que ele tenha a ca­pacitação pelo CNJ e pelo Tribunal de Justiça para atuar como media­dor, ele não poderá advogar qual­quer interesse. Na mediação extra­judicial qualquer pessoa pode atuar como mediador desde que tenha confiança das partes. Entretanto, a lei não esclarece o papel dos media­dores, deixando o tema em aberto, o que dá vazão a qualquer prática, uma vez que não formalizada.

IMPARCIAL

O mediador deverá ser impar­cial. O procurador do Estado ou da Assembleia é representante do Es­tado, e por isso não poderá atuar. Sem falar na cláusula de confiden­cialidade da mediação. Neste caso, a confidencialidade é quebrada no momento em que o Estado se apre­senta como parte interessada. A me­diação não pode fazer produção de provas, e no caso da atuação dos procuradores autorizados nesta le­gislação, qualquer coisa que a par­te fale diante destas autoridades, ela produz provas contra si mesma.

PRINCÍPIO

O princípio “nemo tenetur se de­tegere” (o direito de não produzir prova contra si mesmo) está consa­grado pela constituição, assim como pela legislação internacional, como um direito mínimo do acusado, sen­do de fundamental importância seu cumprimento, pois este é um direi­to fundamental do cidadão.

Também o artigo 13 § 1.º da lei complementar n.º 144 faz uma confusão como se a câmara de me­diação fosse como a câmara cível do tribunal, que é composta por três desembargadores: um será es­colhido pela procuradoria do esta­do e outro dentre advogados, e es­tes não são mediadores conforme determinado pela lei federal. Esta previsão não existe na mediação, pois a lei não diz quem vai esco­lher. Na mediação, o direito de es­colha do mediador é da parte. Não pode vir por imposição.

Deste modo, a nova lei apro­vada pela Alego está cheia de im­propérios apenas cabíveis em um Estado onde uma Lei é mera abs­tração da justiça.

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