Home / Cotidiano

COTIDIANO

Feminismo x Machismo: entenda a complexidade dos temas

A conjuntura atual exige que estejamos em sinto­nia com temas atualiza­dos como conceitos que definem o comportamento social como o feminismo e o machismo. Muitos se justificam usando a nomencla­tura, mas, na verdade, não enten­dem o tema. Confira o que estas palavras significam e como podem servir para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

ENTREVISTA–GLÁUCIA MARIA TEODORO REIS

O que é feminismo?

Feminismo é a luta pelo di­reito de igualdade entre homens e mulheres. É importante dizer que feminismo não se contrapõe ao machismo. Machismo é uma questão cultural, uma questão que prega simplesmente o ódio. O feminismo, ao contrário, pre­ga a igualdade de gêneros. Es­tamos em um período em que muitas pessoas refutam a pala­vra feminismo, porque entendem que as mulheres querem se sobre­por aos homens ou que as mulhe­res estão fazendo apologia a ou­tras questões como por exemplo à orientação sexual. Feminismo é a busca de igualdade de direi­tos, o que estamos ainda muito longe de alcançar. Sobre a igual­dade de direitos entre homens e mulheres no Brasil principal­mente, mas também em outros países, vivenciamos uma série de desigualdades, como por exem­plo a desigualdade salarial, de direitos em relação a muitas le­gislações, etc. Mesmo que nós te­nhamos uma constituição mo­derna, elaborada em 1988, que estabelece que homens e mulhe­res são iguais perante a lei, ain­da as mulheres têm dificuldade de ocupar espaços de poder. As mulheres no Brasil tem uma re­presentatividade no parlamen­to em torno de 10%, seja ela na Câmara Federal e nas Assem­bleias dos Estados federados. A participação no executivo é ain­da menor. Goiás, por exemplo, nunca teve uma mulher eleita governadora. Temos uma Sena­dora mulher, o que sobe a nos­sa participação para 19%. Mas isso, no contexto do país, gira em torno de 10%. Se continuarmos nesse ritmo, apenas alcançare­mos a igualdade de gênero em 100 ou 200 anos, dependendo da instituição, seja na Câmara dos Vereadores ou Federal. En­fim, precisaremos ainda de mui­tos anos de participação. E a lei de cotas em relação à participa­ção no processo eleitoral, garan­te apenas a inscrição partidá­ria do partido ou das próprias coligações. Então, a lei colocou um dispositivo que falava que há a necessidade de 30% de par­ticipação feminina nas chapas que concorrem ao pleito eleito­ral, não no pleito eleitoral. Des­sa forma, a regra geral contem­pla os homens, ou seja, 70% das vagas é masculina, embora a lei não fale em homens ou mulheres, mas participação entre os sexos. Nós ainda temos um processo eleitoral extremamente machis­ta, além do que o processo eleito­ral é determinado pelos caciques de todos os partidos. Isso ocor­re tanto nos partidos de direi­ta como de esquerda. Eles con­seguem a cota de participação mínima das mulheres, e muitas vezes não apoiam as candidatu­ras femininas. Há uma prática machista sim no processo eleito­ral brasileiro. Nas outras insti­tuições, como o poder executivo, basta nós olharmos a composi­ção, seja dos ministérios ou do secretariado. Quando eu fui Se­cretária de Políticas Para as Mu­lheres, eu era a única mulher do secretariado. Obviamente, numa Secretaria da Mulher, não seria colocado um homem, embora agora esteja um homem à fren­te da Secretaria da Cidadania, que se chama Secretaria da Mu­lher, do Trabalho, dos Direitos Humanos e Assistência Social, ou seja, é um homem ocupan­do uma Secretaria da Mulher. E no judiciário, a mesma coisa. A proporção nos tribunais su­periores é mínima: no Supremo Tribunal Federal são 9 homens e 2 mulheres. Nos demais tribu­nais superiores ocorre o mesmo. O último exemplo foi o proces­so do quinto constitucional do Tribunal de Justiça de Goiás. A vaga foi preenchida por um ho­mem. No judiciário, há o concur­so público para ascensão ao car­go de juiz. Desta forma, está se igualando o ingresso de mulhe­res tanto no Ministério Público como no Judiciário. O número de mulheres advogadas é maior do que o de homens. Nunca tive­mos uma mulher presidente da OAB/Go. De modo que nos três poderes, a participação da mu­lher é mínima, nos espaços su­periores. Nos espaços interme­diários ainda ocupamos cargos fundamentalmente pela nossa competência, e no ingresso por concurso público, somos a maio­ria. O número de mulheres ma­triculadas nas universidades é maior do que o dos homens nos cursos de graduação, nos cursos de pós-graduação, mestrados e doutorados. De outro modo, não há muitas reitoras no Brasil. As mulheres estão estudando mais, o que é comprovado por dados, inclusive na graduação. Então, por que nos espaços de poder so­mos ainda uma minoria ínfima? O Brasil, estatisticamente em co­locação de espaços de poder, per­de para países considerados ma­chistas como a Turquia, onde as mulheres, mesmo de burca, vão para o Congresso e têm uma par­ticipação maior. O Brasil é um dos últimos da América Latina na participação especialmen­te no parlamento. Isto está re­lacionado ao machismo, que é um processo cultural que ainda se encontra nas famílias, nas es­colas ou nas instituições públi­cas. Goiás é um estado extrema­mente machista, e dentro disso, chegamos a um processo extre­mo de violência contra a mulher, quando o homem brasileiro ain­da se sente o proprietário dela.

Como está o feminicídio em Goiás?

Goiás ocupa o 3º lugar em fe­minicídio do Brasil, e o Brasil é o 5º do mundo.

O que é feminicídio?

É um crime que foi tipifica­do recentemente e que tem rela­ção com o gênero. Por exemplo, se uma mulher for assassinada por latrocínio, que é o roubo se­guido de morte, não é feminicí­dio. O feminicídio ocorre sim­plesmente pela sua condição de mulher, ou seja, ela é assassinada por ser mulher. Isso se torna um agravante para um homem que mata mulheres. Demonstra que houve uma necessidade de tipi­ficar um crime tendo em vista o grau de regularidade e violência que a mulher sofre. O feminicídio é o último grau da violência do­méstica. Mas a violência contra a mulher não se resume à violên­cia física. Existe a violência mo­ral, patrimonial, psíquica, a se­xual e a morte (feminicídio). A lei Maria da Penha classificou to­dos esses tipos de violência, mas como ela não deu a nomencla­tura ao feminicídio, veio uma lei própria para tipificar.

A lei Maria da Penha tem efetividade?

Pouca. É preciso que as ins­tituições se unam para promo­ver de fato uma proteção à mu­lher de acordo com o que a lei preconiza. A lei determina que devem haver varas específicas de atendimento à mulher e o executivo tem que ter os centros de apoio à mulher, mas tudo isso ainda é muito inicial den­tro das instituições públicas. Na verdade há avanços. Hoje o judiciário tem uma comissão de enfrentamento à violência doméstica. Cada Tribunal de Justiça dos Estados tem. Outro­ra esse assunto não era trata­do, que dirá dentro de um tri­bunal. Mas ainda precisamos da implantação de muito mais políticas públicas.

Por que a mulher não reage nos casos de violência física?

Há um grau de violência psí­quica e moral enorme nas famí­lias. Por exemplo: se a mulher sofre uma violência física, por que ela não sai de casa? Porque ela tem filhos. E esse agressor, na maioria das vezes, faz amea­ças, como “se você sair de casa eu mato você e mato os filhos”. Outrossim, muitas dessas mu­lheres não têm condições eco­nômicas para sair de casa.

O que você pode dizer sobre a liberdade econômica da mulher?

É um dos pontos em que a po­lítica pública precisa abranger, no sentido de garantir salários iguais, a proteção contra a vio­lência e criar condições de tra­balho e boas condições para a garantia dessa autonomia eco­nômica através de um processo de capacitação. Quando eu fui secretária, vivenciei esse proces­so muito de perto na secretaria que geri. O governo federal tinha uma proposta muito boa em to­das essas áreas a que eu me re­feri, e criou um fórum de gesto­ras em todo o Brasil. Havia um propósito de implementação de políticas públicas para as mu­lheres, mas no governo Temer acabaram todas. E isso inter­rompe um processo de avanço para as mulheres.

Poderia citar algumas das políticas públicas para as mulheres?

O Centro Municipal de Educa­ção Infantil (Cmei), por exemplo, que substitui a creche para crian­ças de 0 a 5 anos, ajuda as mu­lheres a irem para o mercado de trabalho. Saúde da mulher, edu­cação dos filhos, creches, são polí­ticas transversais que uma secre­taria de política para as mulheres têm que atuar, seja no plano fe­deral, estadual ou municipal. Há que se ter uma articulação dentro da estrutura de Estado para fazer essa transversalidade. A questão da saúde da mulher é tratada na secretaria da saúde, mas é impor­tante que uma secretaria de polí­tica para as mulheres fomente es­sas políticas para que haja toda uma estrutura de estado, tendo em vista a especificidade das po­líticas para as mulheres.

Existe machismo institucional?

Sim, e é grande. Como Secre­tária da Mulher, eu mesma sofri essa violência. Eu vivenciei o ma­chismo institucional porque era considerada uma Secretária de menor importância dentro des­ta estrutura de poder.

O que você tem a dizer sobre o conceito religioso da afirmação bíblica de que a mulher tem que ser submissa ao marido?

Eu não sou vinculada a nenhu­ma religião, mas já ouvi as duas polaridades sobre essa questão. Existem estudiosos da Bíblia que falam que Jesus sempre pregou a igualdade entre as pessoas. En­tão, esta questão da submissão, se está de fato colocada, é den­tro de um contexto que deve ser analisado. O que eu vejo de noci­vo dentro do contexto religioso é um fundamentalismo conserva­dor que tem avançado nos dias de hoje, não só no Brasil mas no mundo todo, onde igrejas extre­mamente conservadoras fazem apologia ao machismo dentro de­las, ou seja, que a mulher tem que se submeter a todos o tipos de hu­milhação dentro de uma vida em casal. E o mais importante que eu acho quando falamos em violên­cia contra a mulher, seja qual­quer tipo, e humilhação é uma violência, é que ela interfere em toda família. A violência contra a mulher é uma violência intra­familiar. Os filhos sofrem e geral­mente esse machista reproduz essa cultura inclusive em mulheres.

Há mulheres machistas?

Não considero que há mulhe­res machistas, mas considero que existem mulheres que reprodu­zem uma cultura machista na educação dos seus próprios fi­lhos, quando ela não enxerga que homens e mulheres têm os mesmo direitos, quando desde a educação do bebê ela come­ça a distinguir pela própria cor: rosa é de menina, azul é de meni­no. Isso vai colocando dentro da própria família uma educação sexista. A luta é por uma educa­ção não sexista. Até os brinque­dos são distintos entre homens e mulheres. A mulher recebe toda uma carga de machismo dentro da própria casa. Então quais são os brinquedos? Fogãozinho, vas­sourinha, liquidificador e bone­quinha. Qual a mãe que presen­teia com uma boneca o seu filho homem? E ela tem medo, pois acha que se der uma bonequinha para o seu filho, ele vai virar ‘gay’. Sa­bemos que ninguém vira nada. A questão LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros) trata-se de uma orientação sexual. E ademais, ela teria sim que colocar um bebezi­nho para essa criança brincar, in­dependente do sexo. E se for me­nino, para despertar o instinto paterno dele, para que ele se tor­ne um pai melhor promovendo uma educação não sexista den­tro da casa. Hoje eu vejo que se nós não trabalharmos a famí­lia e as escolas, não venceremos essa cultura machista. Por mais que tenhamos delegacias, várias especializadas de enfrentamen­to à violência doméstica, centros especializados de atendimento à mulher, ainda estaremos corren­do atrás da violência. Para que haja uma prevenção à violência contra mulher temos que traba­lhar com crianças e adolescen­tes e com as famílias.

Isso é fundamental. Na época que eu estava à frente da Secre­taria da mulher, nós criamos um projeto que chamava “Cidadania e Direitos Humanos”. Este projeto visava fomentar discussões nas escolas sobre igualdade de direi­tos, sobre a violência doméstica e sobre outras questões relativas às mulheres, como bullying por exemplo. Infelizmente não conse­guimos implementar, porque po­líticas públicas para as mulheres ainda não são vistas como prio­ridade nos governos.

A mulher por ser mulher já sofre um preconceito de gênero?

Sim, isso se chama sexismo. A mulher por si só já sofre, apenas pela sua condição de mulher.

E a mulher negra?

Ela sofre duplamente: ela so­fre o sexismo e o racismo. A mu­lher negra sofre o racismo mui­to mais intenso do que o homem negro, pelo fato dela ser mulher e pelo fato de muitos homens co­locarem no seu imaginário que a mulher negra é sexualmente mais interessante, etc. E a mulher ne­gra e pobre, sofre também em ra­zão da classe social. E também é bom que se mencione as mulhe­res lésbicas e as mulheres trans ou as travestis, que sofrem mais ainda preconceito e discrimina­ção ao longo de sua vida.

A legislação de proteção às mulheres funciona?

As pessoas acham que a legis­lação que pune o agressor não adianta porque há uma cultu­ra introjetada nesse aspecto. Mas adianta no sentido que nós temos uma lei que nos protege. Desta for­ma, se a pessoa for enquadrada, a vítima tem a lei a sua disposi­ção. Por isso é importante a ga­rantia da legislação no sentido de resguardar mulheres vítimas de violência doméstica e leis que garantam cotas eleitorais. São leis importantes que precisam ter a garantia da aplicabilidade. A lei Maria da Penha tutela vários se­tores, inclusive preconiza que se trabalhe com os agressores. Em Goiás, fizemos um trabalho que se chamou ‘grupo reflexivo dos autores dos crimes de violência doméstica’. Eram encontros se­manais direcionados para pes­soas encaminhadas pelas varas criminais do Tribunal de Justi­ça que haviam sido sentenciados por violência doméstica. Na pró­pria sentença havia a determina­ção de que eles participassem des­ses grupos. Esse grupo tinha em torno de 300 homens e apenas 3 rescindiram ao crime. O crime da violência rescinde: o homem começa com a violência moral e vai até o feminicídio. Implantei o programa por determinação da Lei Maria da Penha que previa que o trabalho com os agressores deveria ser feito, com a instituição pelo poder público de políticas de proteção às mulheres, a par­ticipação do Ministério Público no processo posterior às delega­cias, com a participação dos juí­zes, enfim, a Lei Maria da Penha determina que todas as institui­ções participem, cada uma na sua competência, no intuito de se reduzir a violência doméstica.

A feminista é femina?

De fato já escutei muitas mu­lheres dizendo a seguinte frase: “eu não sou feminista, sou femi­nina”. Isso não tem nada a ver. Já ser feminina, vai na subjetividade da mulher, se ela quer usar brin­co ou anel, ter cabelo comprido ou usar o que a mídia determi­na, ou estar na moda, imposta pela conjuntura, etc. O conceito de ser feminina se encontra den­tro da subjetividade da mulher. Mas uma coisa é certa: ser femi­nista é buscar direitos iguais, é entender que homens e mulheres têm os mesmos direitos.

Feminismo é a luta pelo direito de igualdade entre homens e mulheres. É importante dizer que feminismo não se contrapõe ao machismo. Machismo é uma questão cultural, uma questão que prega simplesmente o ódio”


ENTREVISTA–MARCOS ELIAS MOREIRA

O que é machismo?

A sociedade humana tem certas características de uma dimensão cultural que delimita, que define padrões de comportamento, pa­drões de interação de relaciona­mento entre as pessoas e são es­ses padrões e delimitações com características culturais é que ex­plicitam comportamento dentro da sociedade. O machismo foi um formato construído de relações humanas de padrões de compor­tamento definidos que pressupu­nham uma expectativa cultural de comportamento entre homens e mulheres nesta sociedade onde o poder ficava concentrado com os homens e caberia à mulher certos papéis, certos comportamentos que tinham uma importância. No en­tanto, esses comportamentos, es­sas ações, eram delimitadas pelo poder masculino. O poder de deci­são, de implementação das coisas concentrava-se no homem, e esse padrão de comportamento cons­truído, ele pressupôs inclusive a ausência da mulher de certos es­paços. À mulher foi negado, por exemplo, o acesso a determina­dos conhecimentos, o que impli­cou em certas dificuldades, como a da mulher ter acesso à educação. Então esse padrão de comporta­mento construído em uma socie­dade que tinha certas característi­cas econômicas, sociais e culturais, no mundo contemporâneo, foi co­locado em cheque, e há, portan­to, toda uma movimentação no sentido de superação do chama­do machismo. E essa movimenta­ção, como em tudo na sociedade humana, dado a sua complexida­de, dado a uma série de aspectos intrínsecos aos processos sociais e culturais, não é uma mudança que acontece num piscar de olhos. Não acontece como por milagre onde você tem, até um determina­do momento, um padrão x de com­portamento, e partir da hora tal, do dia tal, você tem um padrão y. O processo é mais complexo e en­volve idas e vindas, envolve sobre­tudo mudanças de pensamento e isso demora gerações. Então o que nós estamos assistindo no mo­mento é um processo onde aquele padrão de comportamento cons­truído em torno do machismo foi colocado em cheque e um novo padrão de comportamento que pressupõe a igualdade entre ho­mens e mulheres ainda não está consolidado. É toda uma cons­trução que envolve uma queda de braço entre valores e cultura tradicional e entre valores e cul­tura inovadora, transformadora, que é o momento pelo qual esta­mos passando. O de uma transi­ção entre uma sociedade que era profundamente machista e uma que é a nossa expectativa,ou seja, igualitária.

Sobre a diferenças físicas entre homens e mulheres, o que tem a dizer?

Eu não desconheço a existên­cia de diferenças biológicas entre homens e mulheres. Aliás, é óbvio que existem. O que não se pode, dada essas diferenças biológicas, naturalizar determinadas situa­ções que são sobretudo situações sócio-econômicas e culturais, ou seja, ter como natural certo exer­cício do poder, certo impedimento da presença feminina em diversos espaços, em diversas instâncias de decisão como sendo fruto de processos biológicos onde a bem da verdade, são fruto de proces­sos econômicos e culturais e que exigem um tratamento a partir desta ótica. É preciso portanto, incorporar às mulheres, aos pro­cessos produtivos, não simples­mente com viés econômico, mas com o viés inclusive de produção da cultura, da constituição e da estruturação de todas as situa­ções econômicas, bem como cul­turais, que caracterizam a socie­dade humana.

Há como rotular o machismo a ponto de criminalizar comportamentos machistas?

A dimensão legal é importan­te num processo de superação de qualquer situação cultural ou econômica da sociedade huma­na. Há que se trabalhar com a questão da legalidade. Portan­to, a existência de leis que asse­gurem direitos e a existência de leis que punam quem não ga­rante esses direitos é uma pos­sibilidade que pode e que deve ser utilizada no processo de su­peração de situações como a do machismo. O que nós não pode­mos ter é a ilusão de pura e sim­plesmente que, através do viés da legalidade, faremos uma mudança que tem um viés cul­tural. Essa mudança de cunho cultural precisa ter como basi­lar, para além das questões le­gais, a vida humana em socie­dade. Ela tem uma dimensão, e essa dimensão tem uma influên­cia central no processo educati­vo que é básico para qualquer mudança, para qualquer alte­ração deste tipo. Então, não se pode pensar em uma superação de uma sociedade machista pura e simplesmente pela legalidade. Repito: ela é importante. No en­tanto, é preciso, pelo processo educacional, pelo processo de construção das relações cultu­rais e humanas, fazer esse pro­cesso de forma gradual, possi­bilitando conquistar os espaços de poder para que as mulheres não continuem sendo discrimi­nadas a partir de conceitos, a partir de elementos do machis­mo tradicional. Há dimensões que são da legalidade e há di­mensões que são da cultura. Nós assistimos, ao longo do século passado, sociedades que tive­ram governos com legislação que assegurava de forma mui­to peremptória esta questão da igualdade entre homens e mu­lheres e que findo aqueles gover­nos, regrediram. Temos o exem­plo da Rússia. Se você não tem uma dimensão de que a igual­dade é um processo de constru­ção para além do aspecto pura e simplesmente legal, você não supera conceitos machistas in­crustados sem processos de mu­danças sociais e culturais cujo processo não se dá por uma ques­tão de legalidade. Eu entendo que uma mudança dessa dimen­são de superação de uma socie­dade machista e construir uma sociedade de direitos iguais en­tre homens e mulheres não se dá e nem se dará num processo de uma única geração, sobretu­do processual, e aí nós teremos que recuperar o que era o final do século XIX e o que é o início do século XXI, nós temos claro que pelo menos em certas socie­dades como a brasileira, nós ti­vemos avanços absolutamente significativos nessa área. Se pa­garmos certos países do orien­te,certos países da Ásia, certos países da África, com uma ou outra exceção nos países do cha­mado ocidente, mas principal­mente naqueles países constata­mos países que, se é que houve avanços nestas questão do com­bate ao machismo, esse avanço é quase imperceptível.

Homens e Mulheres são iguais?

Nós temos diferenças físicas, que são as biológicas. A questão, na dimensão do que estamos discu­tindo aqui é a igualdade do ponto de vista político. Do ponto de vis­ta político, não há dúvida de que homens e mulheres são iguais, e essa dimensão da igualdade, na dimensão que ela deve ser pen­sada, em conformidade do pen­samento mais contemporâneo, é uma igualdade que reconhece a diversidade e que pensa muito na equidade. Portanto é preciso pensar que há determinadas si­tuações em que aspectos físicos e biológicos, jogam no sentido de facilitar ou dificultar determina­do tipo de presença ou atividade que nós precisamos trabalhar so­cialmente, como a igualdade de oportunidades, de saber respeitar a diversidade. Se eu digo que há diferenças, eu digo que se pegar­mos somente os homens, observa­mos que há profundas diferenças entre homens com capacidades diferentes, com habilidades dife­rentes, e a mesma coisa se dá en­tre mulheres, e se dá ainda mais quando envolve homens e mulhe­res. Então a sociedade por exce­lência tem uma diversidade que quando falamos em igualdade, as pessoas imaginam uma igual­dade que não existe no mundo real. Ela é portanto, segundo o que eu estou trabalhando, uma igualdade política que pressupõe a diversidade e portanto vê que há possibilidades, que há capaci­dades diferentes, habilidades di­ferentes, e essas capacidades, ha­bilidades, essas diferenças não se dão simplesmente entre homens e mulheres mas do conjunto desta sociedade, e o que enriquece essa sociedade é exatamente essa di­ferença ou essa diversidade. Ago­ra, o que nós precisamos de fazer é um esforço social e cultural no sentido de assegurar a equidade, reconhecendo a existência dessa diversidade e diferenças.

Há um conjunto de conflitos que caracterizam toda e qual­quer sociedade humana. A ques­tão que precisamos discutir e ve­rificar é se o apelo à violência é a forma de equacionar essas vio­lências. Me parece que a trajetó­ria da história humana tem de­monstrado que paulatinamente está sendo superada esse forma­to de resolução de conflito como o adequado. E aí, o que caracte­riza a própria instituição da so­ciedade humana é a capacida­de da política, e a política não é outra coisa senão a solução dos conflitos pela intermedia­ção, pelo diálogo, pela constru­ção de pontes, e isso eu acredito que não só é possível mas deve ser feito, não só nas questões macro, relativas ao poder e ao Estado, mas também nas relações pes­soais e em especial nas relações de casais, o que não justifica em absoluto a utilização de violên­cia como forma de equacionar, de resolver conflitos.

A construção de uma socieda­de justa e fraterna entre homens e mulheres não é uma constru­ção fácil, mas a trajetória his­tórica humana demonstra que é aquela que melhor constrói uma sociedade onde seja ga­rantida uma vida de qualida­de para se alcançar a felicida­de. Esse é o caminho. Quanto mais construirmos saídas nes­te sentido, com essas caracte­rísticas, assim estaremos trans­formando a sociedade, e mais felizes serão aqueles que con­vivem nesta sociedade.


A questão LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais ou transgêneros) trata-se de uma orientação sexual” O que eu vejo de nocivo dentro do contexto religioso é um fundamentalismo conservador que tem avançado nos dias de hoje, não só no Brasil mas no mundo todo, onde igrejas extremamente conservadoras fazem apologia ao machismo”

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias