Em fevereiro desde ano, começou a tramitar no Senado Federal uma proposta de lei que tinha o objetivo de criar o Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero. Proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o texto recebeu parecer favorável da senadora Marta Suplicy (MDB-SP) na Comissão de Direitos Humanos da Casa, mas até hoje o projeto não engatinhou. O Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que a mudança de nomes a transexuais podem ser feitos sem cirurgia para mudança de sexo. Já Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que transexualidade e travestismo não são considerados doenças.
No ano passado, o juiz federal do Distrito Federal Waldemar Claudio de Carvalho gerou polêmica ao autorizar psicólogos a tratarem gays e lésbicas como doentes. A decisão do magistrado foi em caráter liminar e teve como base uma ação popular assinada por psicólogos defensores de terapias de reversão sexual. Entre 2012 e 2017, três profissionais da área foram denunciados por realizarem terapias desse tipo. Em contrapartida, o Conselho Federal de Psicologia (CEP) recorreu da decisão e contou com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em seguida, o juiz disse que nunca enxergou a homossexualidade como doença.
A advogada Isabel Lira explicou que o parecer do MPF pode ser ou não acatado. Para ela, quem tem o poder de determinar o desfecho do recurso é Supremo Tribunal Federal (STF). “A medida é uma clara ofensa aos direitos fundamentais e básicos do ser humano”, afirma. Do ponto de vista jurídico, ressalta ela, o MPF é um guardião da lei e da ordem e, assim, a instituição não poderia ter emitido opinião tão controversa que surpreendesse à sociedade. “Nos anos 90, a OMS já retirou a homossexualidade como doença e, então, diante dos estudos da psicanálise, foi compreendido que esse tipo de orientação não implica em doença mental”, argumenta.
Mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Karina Oliveira Martins, 25, afirmou que a questão de identidade de gênero possui apelo histórico. De acordo com ela, houve um retrocesso “no tocante à reorientação sexual” com o Poder Judiciário intervindo em um assunto que tem aspecto científico. “Qual seria a legitimidade do Judiciário?”, questiona ela, pontuando que diversos estudos na área mostram que questões de gênero não são consideradas patologia. “É necessário haver respeito à diversidade de gênero”, relata a psicóloga, que é homossexual.
Nascido em família pobre do interior de Goiás, o policial rodoviário federal e pré-candidato ao Senado Federal, Fabrício Rosa (PSOL), relatou que sua vida toda foi permeada por preconceitos em relação à opção sexual. Segundo ele, a frase “vou te pegar lá fora, viadinho” foi a tônica de sua infância e adolescência. “Durante o ensino fundamental eu tinha muitos amigos, mas também alguns inimigos gratuitos. Rapazes que nunca tinham falado comigo e que pareciam me odiar”, conta. Ele disse ainda que certa vez chegou a levar uma surra pelo fato de ser homossexual. “A violência não ficou apenas no furto, mas os xingamentos todos eram homofóbicos, com tonalidades que eu não conhecia muito bem”, completa.
CONSERVADORISMO
Após eleger o Congresso mais conservador em cinco décadas, a sociedade brasileira chegou ao nível mais alto de conservadorismo dos últimos anos em 2016. De acordo com pesquisa divulgada à época, 54% dos brasileiros adotam posições tidas como tradicionais em relação à questões como legalização do aborto, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pena de morte e redução da maioridade penal. Com isso, em 2017, o assunto da “cura gay” ganhou força depois de um juiz determinar que psicólogos poderiam adotar esse método de atendimento.
A mestranda em Psicologia na Universidade Federal de Goiás (UFG) Karina Oliveira Martins, 25, acredita que o conservadorismo é um fatores que provocou a disseminação da “cura gay” pelo País. De acordo com ela, o Brasil vem assistindo avanço do pensamento retrógrado em vários aspectos nos últimos tempos. “Sem dúvida, essas questões estão diretamente relacionadas ao avanço do conservadorismo em vários âmbitos. O pedido do MPF certamente é reflexo desse tipo de coisa”, afirma. Para ela, o mais justo seria ser fiel aos métodos científicos. “É o mais coerente”.
É necessário haver respeito à diversidade de gênero” Karina Oliveira Martins