Com o fim da Copa do Mundo, a política entra no bate-papo no cotidiano dos goianos. Para além das diferenças entre marconistas, iristas, caiadistas, petistas e outros “istas”, a população quer ouvir dos candidatos a governador o que eles pensam sobre problemas fundamentais. Todas as pesquisas eleitorais indicam que o eleitor já tem uma lista de prioridades para o próximo governador. O levantamento do instituto Grupom, publicado pelo Diário da Manhã, revelou ainda no mês de maio que 75% dos goianos consideram a saúde o principal problema da administração estadual, empatados com 56% ficaram a segurança pública e o desemprego. O que os governadoriáveis têm a dizer sobre estes temas? A pesquisa Grupom/DM constatou que 16,6% dos goianos se declararam desempregados, o que torna o índice de sem-trabalho em Goiás acima da média nacional, que é de 14,5%.
Recentemente, um outro debate tomou conta da imprensa e das redes sociais: projeto de lei número 6.299, chamado PL do Veneno que libera a comercialização de 14 tipos de agrotóxicos que já foram banidos na Europa, EUA e países da Ásia. Matéria publicada no DM pela jornalista Silvana Marta mostra que o Brasil lidera o ranking mundial do uso de agrotóxicos. O texto aponta pesquisa feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) que mostra que as águas são amplamente contaminadas pelos agrotóxicos, favorecendo ao envenenamento do ecossistema dos rios e matas ciliares e de pessoas que se utilizam destas fontes de abastecimento.
A pergunta está no ar: o próximo governador de Goiás vai afrouxar a fiscalização sobre o uso indiscriminado de agrotóxicos? O que ele vai fazer em relação ao desemprego? Quais são as suas medidas para acabar com o assassinato de mulheres, no qual Goiás ocupa o desonroso terceiro lugar no país em número de feminicídios?
Goiás é um Estado cuja principal vocação econômica é o agronegócio, mas isto não implica que este setor da economia não deva estar sujeito a controle social. Por exemplo, a questão do uso indiscriminado da água dos rios e de poços artesianos para irrigação, que desde 2016 vem causado crise hídrica em Goiás, principalmente na região metropolitana de Goiânia e no Entorno de Brasília, onde estão registrados o maior número de pivos de irrigação da América Latina nas cidades de Cristalina e Luziânia. Qual será a política hídrica do próximo governador?
Crise hídrica ameaça cidades
De acordo com dados da Superintendência de Recursos Hídricos do Estado, Goiás possui 185 mil hectares de água irrigada por pivô central e Cristalina, no Entorno de Brasília, conta com 50.722 hectares. O total de pivôs no Estado é de 2.488 equipamentos instalados, destes, 627 estão localizados em Cristalina. Desde 2016, tem ocorrido escassez de água nas cidades que compõem o Entorno do Distrito Federal, e Brasília também tem sido afetada.
Goiânia também não escapou de ter torneiras secas, apesar de ter sido concluída em 2010, ainda na gestão do governador Alcides Rodrigues, a Barragem do João Leite, cujo reservatório tem capacidade prevista para suprir as necessidades de água de Goiânia e Região Metropolitana até o ano de 2025.
A captação de água indiscriminada, sem fiscalização e controle tem sido um dos motivos da crise hídrica em todo Estado. Além dos pivôs de irrigação de grandes lavouras na região de Cristalina, o manejo inadequado da água por horticultores no cinturão verde das grandes cidades também contribui para a escassez. Mas o grande vilão dos rios e córregos de Goiás está na cultura da cana-de-açúcar.
Em 2017, a TV Anhanguera veiculou reportagem sobre a decisão do juiz Leonisson Antônio Estrela Silva que determinou que a usina de álcool CRV Industrial interrompesse captação de água da Bacia do Rio das Almas, em Rialma, no Vale do São Patrício. O motivo: o Rio das Almas – um dos principais afluentes do Tocantins –, estava secando. Em seu despacho, o juiz advertiu que a usina fazia procedimento irregular na irrigação da cana-de-açúcar o que gerou “impactos ambientais severos” na região.
O magistrado destacou que a captação de água no rio, que abastece várias cidades da região, é feita “sem qualquer controle ou observância da legislação pertinente”. Na ocasião a Secretaria de Meio Ambiente, Recursos Hídricos, Infraestrutura, Cidades e Assuntos Metropolitanos (Secima) justificou à reportagem que a CRV tem licença de funcionamento com validade até 11 de novembro de 2019 para operação da unidade de produção de álcool e açúcar, além da cogeração de energia elétrica. Porém, o órgão não especificou se a licença permite a retirada da água do rio.
Em nota à imprensa na época, a CRV Industrial disse que possui o licenciamento para realizar a captação, mas o interrompeu espontaneamente até que a situação seja plenamente resolvida. O caso do Rio das Almas, infelizmente, não é o único. Moradores das bacias dos rios Turvo, Verdão e seus afluentes na Região Sudoeste do Estado também reclamam do impacto nocivo da captação indiscriminada da água destes rios para irrigação dos canaviais das usinas instaladas na região.
Aumenta violência contra mulheres e jovens em Goiás
O Estado de Goiás ocupa o 3º lugar no ranking de mortes violentas de mulheres no País, segundo dados do estudo “Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres”. De acordo com a pesquisa, divulgada na segunda-feira (9), em 2003 foram registrados 143 casos. Já em 2013, esse número passou para 271, ou seja, uma alta de 89%. A taxa de mortes violentas de mulheres no Estado, a cada 100 mil habitantes, no período, passou de 5,4 para 8,6. Esse resultado deixou Goiás empatado com o Alagoas, na terceira posição, ficando atrás apenas do Espírito Santo (taxa de 9,3) e do líder Roraima (15,3).
O estudo é de autoria do sociólogo argentino Julio Jacobo Waiselfisz, radicado no Brasil, e analisa dados oficiais nacionais, estaduais e municipais sobre óbitos femininos no Brasil entre 1980 e 2013, passando ainda por registros de atendimentos médicos.
Segundo os dados, entre as capitais do País, Goiânia aparece na 5ª posição, com taxa de 9,6 homicídios de mulheres a cada 100 mil habitantes. Em 2003, as mortes violentas de mulheres foram 38. Já em 2013, o número chegou a 68.
Goiás também é o oitavo Estado no País em termos de assassinatos da juventude – taxa de 96,4%. Trata-se de um Estado mais perigoso do que São Paulo, Rio de Janeiro, Maranhão, Tocantins, etc. Apenas Estados do Norte e Nordeste aparecem na frente de Goiás, o líder absoluto em todas espécies de violência dentre os estados do Centro-Oeste.
A taxa de homicídios de jovens homens por grupo de 100 mil chega a ser absurda para um Estado em clima de “paz”. Goiás registra 177, 2 por 100 mil pessoas – número maior do que qualquer zona em guerra no mundo. Nos últimos dez anos, a morte de mulheres cresceu 66,4%. Uma conquista: em relação a 2015 para 2016 ocorreu uma queda de -6,7%. No acumulado da década, todavia, o dado é uma alerta para a mulher goiana: enquanto no Brasil a média de variação é de 6,4%, em Goiás ela chega a 45,4%
Os dados do ”Atlas da Violência 2018”, organizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), trouxe dados estarrecedores sobre a violência em Goiás. Considerado o principal estudo científico quantitativo sobre violência do País, baseado em dados do Ministério da Saúde (DataSus) e que serve de base para as pesquisas das Nações Unidas (ONU), o atlas mostra que as políticas públicas de segurança pública de Goiás e as ações sociais destinadas à redução da violência da última década não surtem efeito ou na pior das hipóteses fracassaram.
Visível nos números, o aumento dos casos é escalar e típico – como o assassinato de um jovem de 19 anos, dentro do Campus Samambaia, da Universidade Federal de Goiás (UFG), ou a morte da vendedora grávida Denise Ferreira da Silva, assassinada pelo marido .
De 2006 até 2016, Goiás teve um aumento de 72,2% na taxa de homicídios. Apesar dos esforços utilizados pelo Estado, de 2011 até 2016 ocorreu um incremento de 21,4%. Os dados negativos ou positivos do “Atlas 2018” simbolizam as estratégias de enfrentamento da violência e as ações efetivas para contê-las. Estados como São Paulo, Paraíba, Paraná, Distrito Federal e Espírito Santo reduziram a mortalidade. Ou seja, tem como conter a violência através de políticas públicas e ações de inteligência. A questão é como cada Estado gere um dos problemas mais graves da sociedade.
Os dados revelam uma curva ascendente em Goiás: exatamente a partir de 2011 ocorre um grande salto de mortes violentas. Goiás salta de 26,3 mortes por 100 mil habitantes em 2006 para 37,4. Em 2016, Goiás apresentou uma taxa de 45,3 mortes pela escala de 100 mil. Não é a primeira vez que Goiás aponta dados negativos. Desde 1999/2000 as taxas têm aumentado assustadoramente, conforme outro estudo, o “Mapa da Violência”, do Instituto Sangari, tem demonstrado em sua série histórica que inicia ainda na década de 1970. (Com informações do IBGE, G1, Rede Brasil, Agência Brasil).
Cidades banhadas em veneno
O PL do Veneno, que está em discussão na Câmara Federal, pode agravar os casos de envenenamento de trabalhadores rurais e da população dos municípios que são “banhados” pela aspersão de veneno por aviões ou pela aplicação direta nas lavouras. É o que revelam estudos de técnicos da ONU (Organização das Nações Unidas), Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde (CNS), Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e pesquisadores da UFG (Universidade Federal de Goiás) e USP (Universidade de São Paulo)
Relatório feito por técnicos da Organizações das Nações Unidas enviaram no início de junho (13) um comunicado ao governo brasileiro manifestando preocupações com as propostas de mudança da lei de agrotóxicos no País. Os especialistas alertaram que, caso aprovadas, tais alterações violarão direitos humanos de trabalhadores rurais, comunidades locais e consumidores dos alimentos produzidos com a ajuda de pesticidas.
De acordo com os relatores, alguns pontos do projeto de lei revisam as regulações para registro de pesticidas e seu uso no Brasil com o objetivo de tornar as regras mais flexíveis, facilitando o registro e a propaganda desses produtos no país. Essas modificações podem enfraquecer a regulação e o controle de pesticidas perigosos no Brasil, maior consumidor e importador desses produtos no mundo.O Conselho Nacional de Saúde (CNS) também recomenda ao Congresso o veto ao Projeto de Lei nº 6.299/2002, de autoria do ministro da Agricultura, Blairo Maggi (PP).
Cidades médias e pequenas do interior do estado de São Paulo, localizadas em meio a grandes extensões de terra com monocultura da cana e banana, entre outras, apresentam taxas de incidência de malformações congênitas e diversos tipos de câncer acima da média estadual. Em Ribeirão Corrente, na região de Franca, o índice de malformações é 26 casos para grupos de 100 mil nascidos vivos – mais de três vezes maior que a do estado, que é de 8.2. “Em Franca, uma mulher que engravida tem 50% a mais de chances de ter um filho com malformação do que uma moradora de Cubatão, por exemplo. E nem precisa ser agricultura. Está comprovado por estudos que em 70% dos casos de malformação congênita as causas são ambientais”, diz o defensor público Marcelo Novaes, da Defensoria Pública do Estado de São Paulo em Santo André, no ABC Paulista.
A incidência de câncer também é alta na zona rural. Em Bento de Abreu, na região de Araçatuba, há 18 óbitos por câncer cerebral para cada 100 mil habitantes. A taxa estadual é 6.6. “Essas cidades pequenas são fronteira entre o urbano e rural. Você sai da igreja matriz e já está numa plantação de cana, onde há pulverização aérea ou por tratores”, diz o defensor.
Em Goiás, pesquisas feitas pela UFG revelaram aumento no número de casos de câncer e de suicídios em agricultores em Goianápolis, na Região Metropolitana de Goiânia. O município é um dos principais produtores de hortifrutigranjeiros da região. O levantamento apontou como causa os agrotóxicos. Um dos mais famosos filhos da cidade, o cantor Leandro, da dupla Leandro e Leonardo, foi uma das vítima do câncer que aflige os seus conterrâneos.
O Estado do Rio Grande do Sul apresenta o maior número de casos de suicídios no País: 10 a cada 100 mil habitantes – o dobro da média nacional, nos municípios onde está localizada a cultura do fumo: Canguçu, Venâncio Aires, São Lourenço do Sul, Camaquã, Candelária, Arroio do Tigre, Santa Cruz do Sul, Vale do Sol e Dom Feliciano.
No município mineiro de Luz, a análise dos prontuários do Hospital Senhora Aparecida evidenciou média de 8,1 atendimentos/ mês, isto é, cerca de 2 atendimentos/semana relativos a intoxicações por agrotóxicos e 19 casos de suicídio. O diagnóstico destas intoxicações foi clínico, feito pelo médico assistente.
INTOXICAÇÃO
De acordo com dados do Ministério da Saúde citados pelos especialistas, o Brasil registrou 5.501 casos de intoxicação em 2017 (quase o dobro do registrado dez anos antes), uma média de 15 pessoas por dia. Mais de 150 pessoas morreram no Brasil como resultado de envenenamento no ano passado. “Trata-se de uma estimativa conservadora sobre os impactos adversos desses produtos na saúde humana, diante dos dados limitados disponíveis sobre envenenamentos e impactos na saúde de exposição crônica a pesticidas perigosos”, afirmaram.
Os especialistas da ONU também relataram preocupações com a capacidade dos sistemas de fornecimento de água de monitorar regularmente a poluição por pesticidas. Apenas 30% das cidades brasileiras fornecem regularmente informações sobre os níveis de contaminação à entidade nacional que monitora a qualidade da água (Sisagua), disseram os relatores.
ATLAS
Segundo os especialistas, cinco dos dez pesticidas mais vendidos no Brasil (atrazina, acefato, carbendazim, paraquat, imidacloprida) não são autorizados em diversos outros países devido a seus riscos à saúde humana ou ecossistemas. Além disso, notaram que os padrões brasileiros existentes permitem níveis mais altos de exposição a pesticidas tóxicos do que os equivalentes na Europa.
Eles lembraram que, enquanto a União Europeia limita em 0,1 miligrama por litro a quantidade máxima de glifosfato a ser encontrada na água potável, o Brasil permite 5 mil vezes mais, de acordo com dados da academia brasileira.
Dados do atlas Geografia do Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com a União Europeia revelam que o uso indiscriminado de agrotóxico está ligado ao aumento de casos de suicídio, intoxicação, câncer, malformação em crianças e mortes no Brasil e no mundo. De acordo com a professora Larissa Mies Bombardi, pesquisadora do Laboratório de Geografia Agrária da Universidade de São Paulo (USP), as cidades banhadas pelo veneno tem registrado aumento no número destas enfermidades.
Em 290 páginas, Larissa escancara a miséria socioambiental que toma conta do Brasil. No atlas propriamente dito há mapas por regiões, estados e municípios relacionados a intoxicações conforme diversas variáveis, como sexo, circunstância da contaminação, faixa etária, grupos étnico-raciais e locais de exposição.
O estudo demonstra com a realidade de comunidades indígenas contaminadas pelo agronegócio que avança sobre seus territórios, de mulheres que adoecem por trabalhar na colheita de frutas às margens irrigadas do São Francisco, na Região Nordeste. Ou mesmo de bebês intoxicados bem antes de completar 1 ano de vida.