A comunidade de Lésbicas, Gays, Bisexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Queer (LGBTQ) representa quase 9% da população brasileira, mas enfrenta dificuldade para se inserir no mercado de trabalho. Essas pessoas sofrem todos os dias com a exclusão, com o preconceito, com a violação de seus direitos, com a dificuldade de acesso à educação e ao mercado de trabalho. Em geral, as empresas estão longe de promoverem inclusão e respeito à população LGBTQ.
Dados da ONG Transgender Europe informam que o índice de violência contra trans é alto. Em um período de sete anos, de 2008 a 2015, 802 trans perderam suas vidas no Brasil, o que deixa explícito preocupante realidade de intolerância. Segundo pesquisas realizadas pelo plantão plomo Brasil, uma em cada cinco empresas se recusam a contratar homossexuais com medo de que a imagem da corporação fique associada àquele funcionário. Enquanto isso, o levantamento apontou que 68% das pessoas já presenciaram algum tipo de homofobia no ambiente de trabalho.
Todavia, uma rede de supermercado de Goiânia vem na contramão da tendência constatada nas pesquisas. Com nome masculino preenchido no momento em que enviou formulário para vaga de repositória, constando entre parênteses como ela de fato gostaria de ser chamada, a transgênero Kethelyn Machado da Cunha, 38, queria ser reconhecida como mulher. Sempre se viu como tal e, quando morou na Cidade de Goiás, à qual se mudou ainda na infância, passou mais de 24 anos sem coragem para assumir sua verdadeira identidade.
“Uma amiga me contou da vaga, e eu fiquei com muito receio de mandar porque não queria ter que me vestir como homem, nem ser tratado como tal. Mandei o currículo, coloquei o nome que utilizava entre parênteses e aí me chamaram. Logo na entrevista fui chamada por Kethelyn, comecei como repositora, passei a embalar as compras, trabalhei como operadora de caixa e agora já estou sendo treinada para orientadora. São seis anos de trabalho sendo eu mesma”, conta.
Kethelyn nunca se relacionou com mulheres. Aos oito anos de idade, soube que sua atração era por rapazes e começou a tomar anticoncepcionais escondidos da irmã mais velha. Relatou que sempre teve a sensação de que “tinha nascido no corpo errado”. “Eu e minha irmã brincávamos que tínhamos nascido trocadas. Até em serviços normalmente atribuídos a homens e mulheres, gostávamos do posto”, diz. A operadora lembrou que, enquanto sua irmã ajudava em serviços de pedreiro, ela gostava de “limpar a casa e lavar a louça”.
O diretor geral da rede de supermercado que contratou Kethelyn, Alexandro Arruiz, disse que o código de ética desse setor é contrário a qualquer forma de preconceito. Segundo ele, caso haja esse tipo de conduta nas dependências da rede, é necessário que clientes ou funcionários façam a denúncia. “Estamos falando de pessoas que, quando satisfeitas, felizes trabalham e produzem melhor. Construir uma organização mais inclusiva depende de todos e esse é o nosso objetivo”, afirma.
PAI DE TODOS OS PRECONCEITOS
Em entrevista ao Diário da Manhã em novembro de 2016, a jornalista e militante LGBTQ Elaine Gonzaga afirmou que o machismo é considerado o pai de todas as outras formas de preconceito. Para ela, as pessoas em geral se equivocam ao atribuir esse tipo de comportamento à sociedade capitalista. Explicou ainda que do machismo deriva a homofobia, a misoginia, o sexismo e toda a estrutura do patriarcado, que é “fundamentada” por meio de “uma sociedade machista”.
“Mas se for para destrinchar a crença e o fanatismo religioso são os piores. Porque a religião tem o poder de formar e moldar as pessoas. Atualmente, as decisões legislativas são formatadas com base numa doutrina cristã. O Brasil precisa entender o que é o sentido do Estado laico. Com urgência. O Uruguai, por exemplo, é um país com forte tradição cristã, principalmente católica. Mas lá o aborto é legal, existe lei de identidade de gênero, a maconha é legalizada para uso. Por quê? Porque é um país que entende fielmente e respeita a separação entre estado e religião”, argumenta.
Pesquisador voluntário do Observatório Goiano de Direitos Humanos, o advogado Gustavo Borges Mariano afirmou em artigo publicado no site Justificando que o acesso a direitos básicos de cidadania, como trabalho, educação e saúde, é dificultado para a comunidade LGBTQ. Ele pontuou que “usar o termo ‘Direito LGBT’ cria o risco de desentendimento sobre o que realmente precisamos dialogar”. Lembrou também que “esses direitos são os direitos negados a pessoas LGBTI no cotidiano simbólica e institucionalmente”.
Estamos falando de pessoas que quando satisfeitas e felizes trabalham melhor, produzem melhor. Construir uma organização mais inclusiva depende de todos e esse é o nosso objetivo” Alexandro Arruiz, diretor geral de supermercado Mandei o currículo, coloquei o nome que utilizava entre parênteses e aí me chamaram. Logo na entrevista fui chamada por Kethelyn, comecei como repositora, passei a embalar as compras, trabalhei como operadora de caixa e agora já estou sendo treinada para Orientadora. São seis anos sendo eu mesma” Kethelyn Machado da Cunha
CONFIRA DIFERENÇAS ENTRE GÊNERO, IDENTIDADE E ORIENTAÇÃO:
Gênero
Construção social e cultural ligada às características do órgão sexual biológico de uma pessoa – o qual recebeu ao nascer.
Identidade de gênero
Trata-se do gênero pelo qual a pessoa se identifica. Não é relativo ao outro, e sim sobre como ela reconhece a si mesma.
Transexual/ transgênero
Quem não se reconhece com o gênero que lhe foi atribuído no momento em que nasceu. Por exemplo, mulheres trans não foram designadas como homens, porém se veem como tais. Ou homens trans que não foram designados mulheres, porém se vêem como tais.
Cisgênero
Pessoas que se identificam com o gênero que lhe foi atribuído no momento em que nasceu. Por exemplo, uma mulher cis é aquela que se vê como tal. Mesma coisa com homens.
Orientação sexual
Trata-se do sexo pelo qual a pessoa sente atração. É diretamente ligado à preferência sobre o outro. Tanto faz se é heterosexual, homosexual, bixesual etc.