Pelos idos dos anos 2000, o então presidente do Crea/ GO, José Luiz Prudente, professor de terraplanagem da então PUC/GO, reuniu três especialistas de áreas ligadas à engenharia para fazer uma avaliação das verdadeiras condições de uma das mais importantes vias de escoamento de veículos da Capital: a Marginal Botafogo.
Nos idos de 2000, ao invés de trocarem conhecimento, Crea e Prefeitura de Goiânia trocaram farpas e criou-se um embate político onde cada um defendeu sua posição.
O que o Crea procurou fazer à época foi oferecer uma consultoria técnica com gente especializada no assunto, ou seja, engenheiros da parte estrutural, terraplanagem e de concreto armado. Mas a prefeitura tomou uma decisão política: o tapa-buraco. Encheram de concreto os buracos espalhados pela Marginal.
Como o canal estava assoreado no meio do córrego e o concreto foi jogado ali, a água procurou um outro caminho de escoamento, qual seja, por baixo das vias públicas que margeiam o córrego. Hoje, a situação é pior que a de antes, pois a área afetada, com o injetamento do concreto, aumentou. Na época Nion Albernaz afirmou sobre José Luiz Prudente na televisão: “esse rapazinho que está começando agora na política, e vem com essas opiniões desastradas”.
A função do Crea é fiscalizar o exercício da engenharia civil e da agronomia, o que foi feito à época do remendo da Marginal.
O engenheiro José Luiz Prudente afirmou em entrevista exclusiva a este jornal que até hoje as intervenções da prefeitura não tiveram sucesso, contraposto ao fato de que muito dinheiro foi investido, mas nada resolvido. 20 anos depois ele alerta: o perigo só aumenta.
Ele fez um resumo técnico da real situação da Marginal Botafogo ao Diário da Manhã: “Sou professor de drenagem subterrânea e drenagem superficial. O maior problema hoje de nossas pavimentações não é a capa asfáltica e nem a estrutura. É o controle da água subterrânea. Os buracos que acontecem na rua são resultado da água subterrânea, que enfraquecem a capa asfáltica e formam as chamadas ‘panelas’, ou seja, o asfalto enfraquece por baixo, vem o peso por cima e ele rompe. Só recentemente o governo estadual deu uma ênfase maior na drenagem das rodovias, com a construção de valas padronizadas (1,5 m). Isso fez com que houvesse diminuição significativa dos buracos nas estradas”, explica.
“As estradas em Goiás não foram reformadas. Foram refeitas porque a água já tinha destruído tudo por baixo das estradas antigas, ou seja, as estradas que foram refeitas com esta sistemática das valas profundas lateralmente, estão perenes. O recapeamento é necessário porque o asfalto oxida. Ele vai perdendo suas propriedades pela ação do vento, sol e chuva”, ensina José Luiz.
“Há dezoito anos, quando ainda era presidente do Crea, avisei que a Marginal iria ceder. Naquela época, a maior parte da água do córrego já estava passando por baixo do concreto. O Córrego Botafogo é um córrego perene e é também um talvegue (onde converge o relevo em sua parte inferior), ou seja, o córrego é a parte inferior do relevo. Quando chove, a água penetra no solo e desce para o córrego, de todos os lugares. Na época de chuva, os córregos são alimentados pelas águas da chuva que penetram no lençol freático, além do que água está permanentemente correndo. E quando a OAS executou as primeiras obras na Marginal Botafogo, ela não executou o projeto de drenagem que estava previsto no projeto original. O prefeitoda época, questionado sobre essa omissão da construtora, que, no caso, veio com os recursos próprios para executar a obra, ele disse: “cavalo dado não se olha os dentes”, relembra.
DRENAGEM
O engenheiro José Luiz explica que a primeira obra do córrego Botafogo foi feita sem drenagem: “a água vem das laterais e a estrutura da via lateral ao córrego Botafogo é compactada em várias camadas de solo para depois receber a capa asfáltica. Essa compactação tende a tornar o solo impermeável. Então, sob a pressão da água que desce das partes mais altas (ex. Praça Universitária, Praça Cívica), a terra por baixo da estrutura da estrada está sendo assoreada. Isso desde o começo da obra, quando avisei, ainda na presidência do Crea que pela falta de drenagem a obra estaria comprometida de origem.”
E reafirma: “quando denunciamos que a água estava passando por baixo do concreto, foi um ‘deus nos acuda’ da prefeitura, que na época tinha como prefeito Nion Albernaz. A prefeitura optou pela operação ‘tapa buraco’, como tudo o que é feito em Goiânia; ou seja, encheu de concreto os buracos. É bom ressaltar que tinha buraco que cabia um Fusca dentro. O professor Carlos Campos tem fotografia de pessoas de corpo inteiro dentro do canal, o que prova o que estamos falando. O concreto foi despejado sem dó, assim como o dinheiro investido neste remendo improdutivo: concreto pressurizado debaixo da capa de concreto.”
José Luiz afirma: “água mole em pedra dura tanto bate até que fura.” A água assoreava apenas debaixo do canal. O que ela comia apenas naquele ponto específico, ou seja, debaixo do córrego, passou a comer nas laterais, haja vista que o concreto tomou conta dos buracos originais. Então, hoje, 18 anos após a nossa denúncia, a água está abrindo ‘locas’ debaixo da rodovia Marginal Botafogo, e não mais debaixo do córrego, haja vista que , uma vez concretados os buracos do córrego na gestão Nion Albernaz, agora, a água deslocou seu curso e assoreia as vias da Marginal.”
Essa terra compactada, a engenharia chama de estrutura de pavimentação, porque são vários pavimentos compactados. O que acontece é que essa estrutura foi assoreada pelas águas do Córrego Botafogo, deixando as vias laterais ocas e comprometidas. Deste modo, a situação atual da Marginal Botafogo é pior do que há 18 anos, já que nas laterais aumentou o índice de vazios na estrutura de pavimentação da marginal, uma vez que essa água subterrânea está solapando por baixo da estrutura da Marginal.
Sobre a solução, o engenheiro José Luiz arremata: “sim tem solução. O professor Carlos Campos e o professor Ricardo Veiga, que é um dos mais conceituados calculistas de Goiânia com a experiência do Córrego Botafogo, tem calculado canais barreiras subterrâneas transversais. O professor Carlos Campos propõe a construção de um muro subterrâneo a cada 50 metros, diminui substancialmente a erosão subterrânea e pode recuperar essa ‘loca’ que já existe em vários lugares, porque o movimento da terra subterrânea que está sendo assoreada vai encostar nesse paredão, recompondo o que já foi destruído por baixo.”
José Luiz assevera que esse paredão de argila deveria ser construído por baixo do concreto da Marginal e das vias. Essa tecnologia já tem sido utilizada em vários locais e tem dado certo. Na época, os engenheiros do Nion preferiram a solução atenuante de encher os buracos do Córrego Botafogo de concreto. E esta solução ficou mais cara do que se os técnicos responsáveis por essa obra na época tivesse feito os paredões, conforme indicamos. Hoje, sob o comando de Iris Rezende, a solução mais conveniente para a marginal Botafogo é a construção desses paredões de concreto, o que ao que parece, não está sendo feito. “A terra está sendo recompactada pela prefeitura, o que não resolverá o problema, que, a curto prazo, voltará a se manifestar”, avisa.
José Luiz também avalia que a construção do fundo do canal em ‘V’ do canal potencializou a força das águas, que, mais fortemente lavou os sedimentos por baixo. “Desde aquela época a gente avaliou que a construção do canal não deveria ter sido em ‘V’, mas plano. O engenheiro Carlos Campos construiu um pequeno trecho de 200 metros plano, e, pode-se observar até a formação de lodo no local. Quando o canal é construído em ‘V’, a pressão da água provoca um desgaste ainda maior porque a velocidade é potencializada, em seu escoamento. Deste modo, o processo de assoreamento foi acelerado. Avaliamos que foi cometido um erro de projeto na pavimentação do Córrego Botafogo.”
Material usado na construção é proibido na atualidade
O engenheiro civil e geólogo Carlos Campos, ex-professor da PUC de Mecânica dos Solos, afirmou ao Diário da Manhã que quando começou a obra do canal Botafogo, em 1976, a moda era fazer o fundo do canal em V. Naquela época, não existia a unidade de concreto que é usada hoje. A numeração do concreto empregado na obra variava de 12 a 20. Hoje eles nem podem ser utilizados em obras, de tão fracos. Entretanto, o concreto que foi empregado no Canal Botafogo está íntegro e bom. Um dos grande problemas do é ter ele sido projetado no canal como fundo em V. O fundo em V potencializa a força das águas que correm no córrego, o que facilita o assoreamento.
No meio do canal, a água corta o concreto e começa a correr por baixo. Os interventores resolveram fazer um remendo na Marginal. A erosão era tão grande que cabiam duas pessoas em pé debaixo do canal.
A empresa de Carlos Campos construiu 200 metros que é o trecho debaixo da ponte da Rua 10, onde a água corre devagar, o que era o ideal ao longo de todo trecho. O problema do canal é o fluxo de água debaixo dele.
Na época, as soluções propostas foram consideradas caras e optou-se pela ‘operação tapa buraco’, ou seja, a prefeitura pegou a abertura central, jogou pedra e depois remendou por cima, e foi para a televisão e disse: “o canal Botafogo está pronto”.
Pois bem!, emenda Carlos Campos: “Quando a água corria debaixo do canal, ela corria apenas debaixo das placas de concreto. Quando a prefeitura jogou concreto no meio, não teve mais jeito da água correr restritamente naquele lugar. Então, a água foi comer por baixo das pistas da Marginal, agravando-se o problema, outrora localizado, ou seja, atingiu as laterais, que é o maior predicado das vias. “É por isso que as pistas estão caindo”, afirma. “Porque agora a água não corre no meio, já que a prefeitura, ao concretar, ampliou a área de assoreamento jogando ela para a lateral, onde a água está varrendo o grande patrimônio da marginal Botafogo, que são as duas pistas.”
Carlos Campos hoje é doutor em engenharia, mas na época, geólogo, foi muito criticado: “nem engenheiro você é”, referindo-se ao fato de ser geólogo.
A solução proposta por ele é fazer uma barragem de terra compactada (argila) de 40 em 40 metros, debaixo do concreto do córrego, para impedir que água faça a erosão, pois a única coisa que pára a água é a terra vermelha. É pontual. Não há que se reconstruir nada. É preciso apenas fazer as intervenções pontuais. O concreto fissura, a argila permanece para sempre. “Uma vez impedido que a terra corra por baixo do canal, tapando-se o buraco, quebra-se 5 cm nas duas laterais para a água correr na horizontal, e não em V, pois assim a velocidade é diminuída e o córrego correrá lentamente, como deve ser.”, pontua.
Ricardo Veiga, projetista de estrutura de concreto, projetou para o Córrego Cascavel placas planas e cada placa tem uma barragem por baixo, que evita que a água passe por baixo do canal. “Nesse tipo de estrutura, fazemos juntas de dilatação a cada 20 metros aproximadamente, que é o modelo de marcação da terraplanagem. Essa peça, chamada de ‘corta-água’, é dimensionada em função do volume d’agua, do tipo de solo e com a capacitadade de fazer a retenção dessa água para que ela não corra livremente para que não haja o carregamento do material sedimentar.”
“É primordial que haja a retenção do canal, mas se ela não for precedida da retenção da água pluvial, o canal não suportará o volume”, completa o engenheiro Ricardo Veiga, relembrando que na cabeceira da Avenida Independência, o canal se estreita, causando estragos em tempo de chuva.”
Ricardo Veiga relembra que o canal subterrâneo da Avenida Cora Coralina ficou subdimensionado, o que causa inundações na Avenida 87, etc. A água dos locais próximos desce para o Córrego Botafogo, que é o local onde as águas se encontram.
Finalmente avalia que é importante um bom projeto de engenharia, com um dimensionamento correto, e a boa vontade do poder público de realizá-lo.
E arremata: “a Marginal continuará em risco enquanto não for feita a recuperação correta”.
Contactada para se pronunciar, a Secretaria de Infraestrutura de de Goiânia–Seinfra–disse que estão sendo feitos reparos nos pontos críticos, quais sejam desde a Avenida Anhanguera até 400 metros abaixo da Avenida Independência, e que a previsão de término da obra é para o final do ano.