Filho de peixe, peixinho é? Um levantamento realizado pelo Catho, maior portal de Seleção e Recrutamento do País, apontou que 74,77% dos pais não gostariam que seus filhos seguissem suas profissões. Apesar disso, a referência dos progenitores continua sendo forte, mesmo quando eles se isentam de exercer tal influência. Confira histórias de inspiração espontânea que aconteceram em Goiânia.
PAI CARPINTEIRO, FILHA ENGENHEIRA
O mestre de obras Edson Fernandes Honorato, 45 anos, faz jus ao que diz o levantamento feito pelo Catho. Pai de três filhas, entre elas a estudante de engenharia civil Natalia Dias Fernandes, de 22 anos. Com mais de 20 anos de experiência numa área até hoje dominada pelos homens – ele começou como auxiliar de carpintaria – a construção civil não estava entre as aspirações profissionais que ele, como pai, desejava para as filhas.
Mas a influência veio assim mesmo. Edson conta que, despretensiosamente, carregava a filha para visitar as obras no fim de semana – quando não havia serviço no canteiro. Era apenas uma forma de estar próximo da menina, que foi filha única durante seis anos. Mas esse cenário das obras ficou gravado na mente da futura engenheira civil, que desde criança já sentia a admiração pelo o que o pai fazia. Curiosa, o pai diz que a filha estava sempre interessada em seu trabalho.
Acabou tomando gosto e na hora de definir uma profissão, Natália não pensou duas vezes: engenharia civil. “Essa foi uma escolha dela, inclusive eu não queria por considerar ainda um meio muito masculino. Mas eu a apoiei porque sempre disse que ela deveria escolher algo de que gostasse muito”, conta o pai.
Hoje, Natália está no último ano do curso e, agora, tem a alegria de atuar, como estagiária, há um ano e meio e no mesmo canteiro de obras do pai. Os dois trabalham numa obra icônica para Goiânia, o Kingdom Park Residence, que será o mais alto prédio residencial do Centro-Oeste, com 175,09 metros de altura e 52 pavimentos.
“Eu me sinto em casa quando venho para a obra”, diz a jovem. No começo, conta Edson, teve gente que pensou que esse negócio de pai e filha trabalhando juntas não iria dar certo, mas eles mostraram que a cumplicidade adquirida ao longo de anos, se tratada com profissionalismo, torna-se um benefício no trabalho. No canteiro, aliás, eles separam bem as coisas e para a Natália, o pai é o Edson, o mestre de obras. “Sou cobrada do mesmo jeito que os outros estagiários”, garante a futura engenheira.
Quando saem do trabalho, ele volta a ser “pai”, mas a conversa sobre a obra não pára. “A gente sempre conversa sobre algumas decisões tomadas durante o dia, se algum procedimento poderia ser feito de forma diferente e eu continuo aprendendo”, diz. Para Edson, não foi possível fazer o curso de engenharia, mas o peito se enche de orgulho ao ver Natália alçando voos ainda maiores. “Ela é muito positiva”, diz ele ao se referir ao fato de ela não se deixar intimidar por essas questões de gênero dentro da obra.
MAIS DO QUE PALAVRAS
Os especialistas do comportamento humano são enfáticos: as atitudes valem muito mais do que palavras. Na relação pai e filho, a máxima é ainda mais válida. O empresário imobiliário Ricardo Teixeira, 48 anos, diz que sempre fez questão de não intervir na decisão filho, Pedro Teixeira, de 25 anos, sobre que profissão seguir. “Sempre dei a maior liberdade para ele seguir a carreira que quisesse, ou seja, algo que ele gostasse e que se sentisse bem fazendo. Assim como eu sou apaixonado pelo que faço”, diz Ricardo, que tem cerca de 30 anos de experiência no mercado imobiliário e hoje, como diretor da URBS RT Lançamentos Imobiliários, uma das maiores empresas do setor em Goiás, figura entre os executivos mais prestigiados no Estado.
Quando estava no Ensino Médio, seguir a carreira do pai na área da corretagem imobiliária não estava nos planos de Pedro. Ele diz que se considerava muito tímido para seguir os passos profissionais de Ricardo. Por isso, na época de vestibular, acabou escolhendo o curso de engenharia de produção, contando com o apoio irrestrito do pai.
Mas o jovem, mesmo não tendo, inicialmente, a intenção de seguir os passos profissionais do progenitor, revela que não ficava indiferente a influência positiva que via nas atitudes do pai, principalmente no trabalho. Pedro diz que desde menino sempre observava a garra do pai em aproveitar todas as oportunidades que via, por menor que fossem. “Sei que todo mundo tem um pai, mas infelizmente nem todo mundo tem admiração por ele. Tem gente que tem a frustração. Mas, para mim, meu pai é meu ídolo. Além de ser um cara que nasceu para fazer o que faz, o diferencial dele é o jeito que tem para lidar com as pessoas, além da ética e honestidade”.
O primeiro contato com esse meio imobiliário veio no primeiro estágio, que foi na empresa onde o pai é diretor, mas o objetivo de Pedro era estudar os princípios de otimização de processos–um dos principais atributos da profissão para a qual ele estava se formando. Após essa primeira experiência profissional, ele acabou mudando os planos. “Meu pai nunca disse uma palavra de desaprovação para minha escolha na época do vestibular, nem tentou me influenciar. Ao contrário, se colocou à disposição para me ajudar a encontrar estágio e trabalhar na área. Mas o entusiasmo dele pela sua atividade é tão grande que acabou me contagiando. Ele é muito apaixonado pelo que faz”, conta.
Aos poucos, Pedro acabou descobrindo aptidões que ele achava que não tinha e começou a descobrir-se na profissão do pai. Durante o período de estágio, por estar atuando indiretamente nesse meio imobiliário, acabava dando muitas orientações e dicas, de forma espontânea, a amigos que procuram um imóvel para comprar. Daí começou a gostar da área em que o pai atuava. Quando passou a integrar oficialmente a equipe de vendas da URBS RT, em 2016, conseguiu vender um imóvel de alto padrão logo no primeiro mês. “Eu me lembrei do pai de um amigo meu que estava procurando um imóvel daquele jeito e liguei para ele”, diz ao lembrar de sua venda de batismo.
Não demorou muito para que a corretagem também virasse uma paixão na vida de Pedro, assim como é na do pai, de quem ele seguiu intuitivamente os passos.
PARA OS FILHOS
Aos 22 anos, ainda em 1999, os dois irmãos gêmeos Rodrigo e Rogério Queiroz Silveira, recém-formados em Engenharia Civil, resolveram abrir a própria construtora. O grande incentivador foi seu pai, o engenheiro agrônomo Maurício Orivaldo da Silveira, hoje com 72 anos, que na época preferiu que os filhos fossem protagonistas do negócio, passando a atuar mais nos bastidores. “Chega um momento em que precisamos lançar os filhos como flechas para a vida, para que cheguem mais longe que nós mesmos”, disse.
O pai continuou na empresa, agregando tanto a experiência como empresário e também da sua área na incorporação, especialmente na avaliação de imóveis rural e levantamento topográficos. “No mais, todo o crescimento da empresa é mérito deles”, diz, orgulhoso. Hoje, a Queiroz Silveira Incorporadora, com 19 anos de história, já entregou 500 mil metros quadrados de obras entregues de incorporação, foi pioneira no desenvolvimento de novas regiões como o Park Lozandes e assina residenciais de alto padrão em Goiânia.
Para os filhos, entretanto, contar com a presença do pai dentro da empresa foi um pilar importante para estes desenvolvimento acontecer. “Nós creditamos nosso sucesso a ele, que sempre foi nosso conselheiro, nosso ponto de equilíbrio, nosso braço forte e confiável tanto nos bons quanto nos momentos mais desafiadores, quando acertamos ou quando erramos”, diz Rogério, que lembra-se de momentos em que, por serem muito novos, era preciso que Maurício participasse de reuniões para que os jovens empreendedores ganhassem mais credibilidade em suas posições.
Hoje, pai e filhos passam mais de 10 horas juntos todos os dias no trabalho e sem desgastes, garante Maurício. “O respeito tem gerado uma convivência harmônica e até os aproximado na idade adulta”, diz o pai, que coloca apenas uma condição nessa relação que transpõe o núcleo familiar: no almoço de domingo e nas viagens da família, não é permitido falar de trabalho.
Atualmente, o restante da família também se dedica à empresa: a mãe. a designer de interiores Lizete Queiroz da Silveira, e a irmã, a engenheira e gestora de shopping center, Karine Queiroz da Silveira Gomes.
A gente sempre conversa sobre algumas decisões tomadas durante o dia, se algum procedimento poderia ser feito de forma diferente e eu continuo aprendendo” Natalia Dias Fernandes, estudante
Sucessão tem seus desafios, mas quando dá certo é um privilégio para pai e filhos
Empresas familiares, que são a grande maioria das corporações no Brasil, um hora ou outra irá se deparar com o dilema de definir a sucessão no comando do negócio. Segundo um estudo da consultoria Strategos Empresarial, baseado no histórico de mais de 200 companhias brasileiras e multinacionais – das quais 130 têm gestão familiar, concluiu que 70% das empresas não sobrevivem à passagem de bastão para a segunda geração, e apenas 10% passam para a terceira.
Mas é claro que isso pode ficar mais fácil se o fundador da empresa tem a sorte de ter os filhos engajados no negócio da família, como é o caso do incorporador e engenheiro civil José Marcos Pimentel, que tem como seus sócios os dois filhos, Bernardo Pimentel, 28 anos, e Rafael Pimentel, 20. Embora admita que é um grande privilégio trabalhar com os filhos, o empresário faz questão de dizer que nunca impôs nada aos filhos.
Mas, muito provavelmente, a grande influência do empresário sobre os filhos de fato não tenha vindo de palavras ou de alguma imposição, mas sim do exemplo de sucesso. Fundador da GMP Incorporação, há 23 anos, José Marcos Pimentel é um empresários mais respeitados em Goiás no setor imobiliário e da construção civil.
O depoimento dos filhos do executivo comprova que o bom exemplo em casa pode sim influenciar naturalmente na decisão de carreira de uma pessoa. Bernardo conta começou os estudos em engenharia civil, mas ao iniciar o trabalho na empresa ainda com 16 anos, percebeu sua forte vocação para as áreas de finanças e comercial. Decidiu então mudar o curso para administração e hoje, formado, ocupa cargo de gerente financeiro de loteamento da empresa.
Já Rafael está no terceiro ano de faculdade, e assim como o pai, vai se formar engenheiro civil. Segundo ele, a presença de muitos engenheiros na família influenciou, mas o fator determinante para escolha foi a vocação pelas áreas exatas. “Do meu pai trago o exemplo de honestidade e compromisso com tudo que ele faz, por isso ele é tão querido no meio empresarial”, afirma.
José Marcos acredita que é um privilégio ter a oportunidade de ter os dois filhos engajados em fazer crescer o negócio da família. “A gente não consegue decidir o caminho dos filhos, mas quando temos a oportunidade e a sorte de tê-los por perto, temos que aproveitar”, diz. O desafio foi encarado com entusiasmo pelos jovens e com muita seriedade pelo pai que já trata os filhos como sócios.