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COTIDIANO

Plantação de mentiras

A linguagem não é um fenô­meno estático. Ela é afeta­da, com o passar do tempo, por fatores culturais, comporta­mentais, estáticos, etc. Pós-verdade é um neologismo (fenômeno lin­guístico que consiste na formação de novos termos ou expressões de uma língua que surgem na maioria das vezes para suprir necessidades ou lacunas temporárias ou perma­nentes com relação a um novo con­ceito. Resumidamente, neologismo consiste na criação de novas pala­vras pelos falantes da língua).

A pós-verdade é um termo liga­do à política, onde a opinião pú­blica reage mais a apelos emocio­nais do que a fatos objetivos. Deste modo, a verdade dos fatos tem im­portância secundária quando a in­formação recorre a crenças e emo­ções das massas, resultando em opiniões públicas manipuláveis.

É aí que entram as redes so­ciais, que podem ajudar ou preju­dicar o processo político em nos­sa sociedade.

“Assim como o martelo ser­ve para pregar, ele também serve para assassinar alguém. Nenhu­ma técnica é boa ou ruim em si. A fofoca é uma característica hu­mana. Ela é citada na Bíblia e nas grandes obras da literatura.

O problema é que a rede so­cial, ao fazer a detração, perde o nexo com a autoria. O detrator de­saparece, as calúnias são jogadas ao vento onde surge o conceito de pós-verdade, que está sendo con­fundido com mentira.

Também há outra situação, que é a calúnia política, previs­ta por Maquiavel, como quando Trump disse que Obama não ha­via nascido nos Estados Unidos. Ele deliberadamente calunia um adversário político.

Pós-verdade é um pouco mais complexo que a mentira simples, porque a pós-verdade pressupõe que eu perca a necessidade, o nexo e o vínculo com o real, com o fac­tual, com o objetivo, e passe a achar que se está na ‘Rede’ é verdadeiro.

É diferente da simples mentira. A pessoa que espalha uma menti­ra sobre o adversário não é adepta à verdade – ele é simplesmente um mentiroso, e isso é uma das coisas mais antigas do planeta.

Uma pessoa que ao acessar to­das as informações da internet acre­dita naquilo que diga respeito a seu universo, porque a seleção da ver­dade é afetiva de identidade – não é uma seleção objetiva, de modo que tudo que disserem de errado, de mal ou de ruim sobre quem eu não gosto, passa a ser verdadeiro, e eu acredito. Isso acontece porque o critério passa a ser individual, ou seja, a centralização no indivíduo é marca narcísica; a vontade de defi­nir o meu eu como ‘eu absoluto’ é uma das marcas contemporâneas e é uma das coisas que caracteri­zam esse mundo ‘líquido fortale­cido’ que Zygmunt Bauman tanto destacava. Ou seja: não se trata de pós-verdade se eu simplesmente minto”. (Leandro Karnal).

Bauman em 1999, com sua ideia da “modernidade líquida” – definiu tal assertiva como uma etapa na qual tudo que era sólido se liquidi­ficou, quando “nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso”.

Bauman se tornou uma figura de referência da sociologia. Suas denúncias sobre a crescente desi­gualdade, sua análise do descrédito da política e sua visão nada idealis­ta do que trouxe a revolução digital o transformaram também em um farol para o movimento global dos indignados, apesar de que nunca hesitou em pontuar suas debilida­des. Foi ele quem disse que ‘as re­des sociais são uma armadilha’, ou ainda, ‘tudo é mais fácil na vida vir­tual, mas perdemos a arte das rela­ções sociais e da amizade”.

Hoje há empresas especializa­das em fake news. Em contrapar­tida, há pessoas que passam o dia no computador para evitar a fake news ou para atacá-la. Isso é tapar o sol com a peneira, porque a inter­net esgarçou e capilarizou a capa­cidade de acesso à informação. O lado positivo é que mais gente tem acesso à informação, e o lado nega­tivo, é que mais gente tem acesso à informação. (Karnal).

As notícias falsas vêm ganhan­do maior repercussão devido à in­ternet. Pelas redes sociais, um boato ou uma mentira podem ser repli­cados para milhares de pessoas, de forma rápida e em tempo real.

Neste mundo individualis­ta que vivemos, desde que ele é mundo, é sabido que nos últimos tempos haveria homens amantes de si mesmos, ou seja, em conso­nância com o que foi acima co­locado: “quando o critério passa a ser individual; a centralização no indivíduo é marca narcísica; a vontade de definir o meu eu como ‘eu absoluto’ é uma das marcas contemporâneas”, não há outra realidade, a não ser o universo absoluto de cada um, que traça seus próprios critérios e passa a acreditar na teoria de vida que formula para si.

A divulgação de notícias falsas para manipular a opinião pública e reforçar crenças pessoais se dis­seminou com a ajuda da internet e das redes sociais.

Finalmente para disseminar sua visão de mundo, muitas pes­soas compartilham informações sem se preocupar com a veraci­dade ou checar a fonte.

Vivemos a era da pós-verdade, da mentira e do fake news, onde os homens caluniadores, blasfemos e cruéis seguem para a próxima fase.

Salve-se quem puder.

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