Por ser um dos maiores produtores agrícolas do mundo, o Brasil tem hoje a grande oportunidade de se tornar o principal centro de excelência em inovação tecnológica de ferramentas voltadas para a Agricultura de Precisão. A constatação foi feita por Tsen Chung Kang, professor da Fatec Pompéia, no interior paulista, durante palestra proferida no Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão (ConBAP 2018), promovido em Curitiba, pela Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (AsbraAP).
“Hoje não existe na agricultura mundial aquilo que tem sido denominado de Ecossistema de Inovação e o Brasil pode forjar esse centro de excelência em Agtech & Newfood”, comentou o palestrante que participou do Painel BigData Agro – como lidar com isso? A seu ver, uma boa base para iniciar esse verdadeiro cluster de inovação em tecnologia agrícola são as cerca de 380 startups recentemente criadas no Brasil. Outro participante do painel, Marcio Duarte, diretor de Tecnologias da InCeres, concorda com o professor Tsen, mas salienta que o maior desafio para estimular e disseminar tecnologia de ponta no agro está na falta de material humano.
No entender de Duarte, estimular a agricultura de precisão demanda convencer jovens talentos na área de TI a ver na agricultura uma opção interessante de carreira. “Eu costumo usar meu próprio exemplo para reforçar a necessidade de atrair jovens para o campo. Eu vivia no Rio de Janeiro e me considerava expert no desenvolvimento de software até descobrir que todo meu conhecimento, que considerava de ponta, pouco valia para aplicação prática no campo. Recebi um convite da InCeres e hoje não troco isso por nada. Creio que tal mensagem temos de passar para todos os jovens”, aconselhou.
Rafael Vieira de Sousa, professor da USP de Pirassununga-SP, acrescenta que fomentar o desenvolvimento tecnológico e da Agricultura de Precisão também passa por uma reavaliação na sistemática de ensino das escolas. “A academia brasileira nessa área de engenharia tem formado alunos da mesma maneira como era feita há 30 anos e isso não tem funcionado, pois está desconectado das necessidades reais da sociedade. A universidade tem de desenvolver capital humano voltado para a resolução de problemas práticos”, conclui.
O ConBAP 2018 reuniu um público de 700 participantes, com diversos painéis e debates sobre o futuro e os desafios da Agricultura de Precisão no Brasil.
COMPARAÇÃO COM AMERICANOS
Em conferência o pesquisador do USDA, Kenneth Sudduth, traçou um panorama histórico da agricultura de precisão nos Estados Unidos. Na fase dos debates, afirmou que o estágio brasileiro nessa área não fica muito atrás das técnicas utilizadas na agricultura americana. Uma das ferramentas destacadas por ele durante sua apresentação foi a da condutividade elétrica do solo, técnica por meio da qual é possível levantar, de forma prática e rápida, parâmetros como textura e umidade do solo.
PALESTRAS
De acordo com o palestrante, nos Estados Unidos a estimativa é de que 10% dos produtores já estejam utilizando tal instrumento de análise de solo. No Brasil, apesar de ainda ser bastante insipiente seu uso, a prática já é bem conhecida pelos produtores. “A principal vantagem é que a nova solução possibilita fazer uma rápida caracterização do solo numa área relativamente extensa para, em seguida, aprimorar a avaliação com análise convencional de solo apenas nos locais previamente identificados pela condutividade elétrica do solo”, explica o engenheiro Marcio Albuquerque, diretor da Falker, empresa que desenvolveu e fabrica um equipamento destinado ao teste de condutividade de solo.
O pesquisador americano observou ainda que também entre os produtores dos Estados Unidos ainda há certa indefinição quando à adoção da agricultura de precisão. “O que acontece é que muitos agricultores não conseguem enxergar valor nas informações fornecidas pelos instrumentos da agricultura de precisão. Um exemplo disso é a desconfiança quando a parâmetros que apontam para a necessidade de aplicação de fosfato ou potássio em suas lavouras”, comentou o pesquisador.
A seu ver, muitas vezes as prescrições previstas pelos instrumentos de agricultura de precisão não surtem o efeito esperado, pois o produtor não acredita nas soluções. “E todos nós sabemos que o processo envolvido na ferramenta exige parceria entre o produtor, o agrônomo e os consultores”, conclui o pesquisador, que presidiu a International Society of Precision Agriculture (ISPA) de 2014 a 2016.
Usina de cana economiza R$ 1 milhão em um ano
Graças ao uso de ferramentas da agricultura de precisão, a Usina São Manoel, localizada no interior de São Paulo, que esmaga anualmente 4,1 milhões de toneladas de cana, conseguiu um ganho de produtividade que possibilitou aos gestores, mesmo sem aumentar a frota de tratores nos últimos 10 anos, dobrar a área de cultivo. “Além disso, com o aprimoramento do controle da vazão nas aplicações de defensivos agrícolas, se conseguiu uma redução de 1% no volume de aplicação do insumo, o que resultou numa economia de R$ 1 milhão por safra”, informou Guilherme Guiné Pinto Ferreira, supervisor agrícola da São Manoel.
No caso da manutenção inalterada da frota de tratores, apesar do aumento da área cultivada, o palestrante salienta que isso foi possível graças a ganhos de eficiência na operação das máquinas, troca dos tratores por outros modelos mais adequados ao tipo de trabalho realizado, aos mecanismos de controle que possibilitam monitoramento 24 horas da operação, otimização do uso evitando o retrabalho, entre outras ações decorrentes da adoção da agricultura de precisão. Salienta ainda que antes de se adotar tais ferramentas, se cogitava inclusive dobrar a frota de tratores.
O executivo da São Manuel relembra ainda que opção da empresa por técnicas de agricultura de precisão remonta ao ano de 2007 e que o início se deu por meio da instalação de piloto automático, controladores de vazão, computador de bordo nas máquinas, entre outras medidas. Segundo Ferreira, apenas as técnicas previstas na Agricultura de Precisão não significam ganhos automáticos de eficiência e produtividade da lavoura. A seu ver, é necessário, entre outras coisas, operadores capacitados e treinados.
“Lá na empresa temos uma máxima de que é necessário criar um meio para que a inovação aconteça. Nesse aspecto, já estamos evoluindo para modelos matemáticos, BigData e outros instrumentos que possibilitarão processar e tirar o máximo de dados acumulados nos últimos 10 ou 15 anos”, comenta o executivo, que participou do painel Inovações da AP para cana-de-açúcar.
Ganhos reais – Em outro painel do ConBAP 2018, sobre formas de inovar e avançar para obter resultados positivos, foram revelados diversos ganhos efetivos de produtores com o uso de instrumentos da agricultura de precisão. É o caso de Joel Raganin, produtor de grãos em Goiás. Segundo ele, que começou a utilizar práticas de Agricultura de Precisão em 2003, tem conseguido grandes avanços.
“Na safra 2003/04, quando iniciamos a aplicação de técnicas de AP em nossas culturas, tínhamos uma produção média de 49 sacas de soja por hectare. Hoje, nossa média está em 65 sacas por hectare. Em milho, saltamos de uma produção média de 90 sacas por hectare, para 130 sacas por hectares no mesmo período”, comenta o palestrante.