Goiás perde um dos precursores de mudanças na área da atividade agropecuária, do associativismo e da extensão rural. Josias Luiz Guimarães, médico veterinário formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, articulou a criação da Emgopa, empresa estatal que fomentou a pesquisa no Estado; do Goiás rural, programa destinado ao desenvolvimento agropecuário goiano; desempenhou funções públicas como a de secretário executivo da Emater, secretário da Agricultura e, ainda, a de superintendente da Pesca (Sudepe) no governo Figueiredo.
Nos idos de 1974-75, criou o Projeto de Apicultura, objetivando o desenvolvimento da criação de abelhas. Parece até ironia do destino, Josias foi vítima sexta-feira passada de um enxame de Anthophila, seu nome científico. Ele havia dispensado o peão no feriado. Estava, portanto, sozinho na sua fazenda, situada em Formoso, região norte goiana. O filho sempre o acompanhava nas viagens. Mas, desta vez, optou por ir só. Presume-se que tenha tomado uma foice para remover algum mato e atingiu em cheio uma colmeia. Segundo o legista que examinou o seu corpo, Josias levou mais de trezentas ferroadas, em grande parte na cabeça e no abdômen.
Pedro Luiz Brasil Guimarães narrou ao Diário da Manhã que seu pai deve ter passado por grande agonia com as ferroadas. Josias voltou para a casa da fazenda e deitou no piso da sala. Foi encontrado sábado à tarde pelo peão com as mãos na orelha. Segundo o legista, a morte aconteceu por volta das 17 horas de sexta-feira. Supõe-se que Josias tenha desmaiado e em seguida morrido em decorrência dos múltiplos edemas ou inchaços. Comunicado à família, a remoção do seu corpo para a cidade de Porangatu passou pelo processo de embalsamento e posteriormente trasladado para Goiânia. Seu sepultamento ocorreu, ontem pela manhã, no Cemitério Jardim das Palmeiras.
VELÓRIO E SEPULTAMENTO
O seu corpo foi velado na capela do Cemitério Jardim das Palmeiras. Dezenas de amigos, familiares e admiradores acorreram ao velório e ao sepultamento. O padre Leo oficiou ato religioso, lembrando passagens bíblicas e de amor ao próximo. Conforme acentuou o sacerdote, “Josias foi um pai e um avô amoroso e um amigo dos amigos”. Pediu aos fiéis que “não guarde apenas este momento, mas a sua grande obra de conteúdo humano”. Disse, ainda, que “nascemos, crescemos, e renascemos para outra vida”. Para padre Leo, “a morte não deve ser de tristeza, mais de alegria”. Finalmente, pediu a “bênção de Deus para todos”. Denise Gomes, dedilhando seu violão, cantou músicas de homenagem póstuma, entre elas Aleluia, Nossa Senhora, de Roberto Carlos. Muitos se emocionaram.
Josias Luiz Guimarães, 83 anos, deixa viúva Maria Audízia Guimarães e quatro filhos, dos quais dois homens e duas mulheres, e duas netas gêmeas.
TRABALHO, ELIXIR DA VIDA
O trabalho para Josias constituía basicamente no elixir da vida. E morreu agarrado na foice. No aperto de mão, as mãos calejadas chamavam a atenção de muitos, conforme lembrou o amigo Raymundo Cândido de Rezende, companheiro de longa data no mundo da extensão rural. “Era um homem que não tinha medo de nada”, observa. Hildo Áureo Viana, amigo dos tempos da Emater-Goiás, confirma que “Josias gostava do trabalho como poucos. Era isso que o mantinha vivo e saudável”. Seu espírito de brasilidade foi reforçado por muitos antigos companheiros.
Pedro Wilson Guimarães, ex-prefeito de Goiânia, estava bastante abalado, e caladão. Postou-se praticamente o tempo todo ao lado do irmão na urna funerária, após votos de pesar. Pedro Português, funcionário da Emater, também compareceu para a “última despedida do amigo”. E lembrou que Josias Guimarães “foi um grande associativista”. Disseminou dezenas de sindicatos rurais por todo o Estado que abrangia anteriormente o Tocantins.
Helvécio Magalhães, ex-delegado da Agricultura em Goiás e contemporâneo de Josias na Emater, também reforçou o seu pioneirismo. “Sempre à frente quando o negócio era o agro”. Carlos César Queiroz, também da extensão rural, lembra sempre da obra de Guimarães, observando que os pés de mogno à frente da sede da Emater foram plantados por Josias. Hoje, estão com mais de trinta anos e despertam a atenção de quem chega à empresa. São árvores viçosas e que proporcionam beleza e sombreamento.
O Sindiagri (Sindicato dos Trabalhadores do Setor Público Agrícola de Goiás) emitiu nota sobre o falecimento de Josias e discorreu em linhas gerais sobre a sua importância para os goianos.
Nos tempos de estudante, Josias Guimarães morou no mesmo quarto com Batista Custódio, nos idos de 50-60. A república longe da mãe, como era então chamada habitação assim para estudantes que procediam do interior do Estado, ficava na Avenida Anhanguera, defronte o Hotel Magestic, que costumava receber os prefeitos. Um quarto cheio de livros, que eram “devorados” pelos seus moradores. Batista sempre teve um apreço ímpar por seu antigo companheiro de quarto. “Um homem honesto sobre todos os prismas”, lembra.
A GRANDE OBRA DE JOSIAS
Com um currículo de primeira linha, como formação em Medicina Veterinária pela UFMG, pós-graduado em filosofia política pela PUC-GO, e de produtor rural, Josias Luiz Guimarães era natural de Marzagão. Um município no sudeste do Estado com uma população de 2.226 habitantes, segundo dados de 2017do IBGE. Como até hoje, a cidade é pequena e o estudante para alcançar a universidade precisa sair, justamente o que fez Josias no passado. Hoje, Marzagão sente orgulho de seu filho.
Após pegar o canudo em BH, Josias buscou aplicar seus conhecimentos em Goiás. Um espécie de bandeirante moderno, contribuiu fortemente para o fomento da extensão rural no Estado. A Acar nasceu pelas mãos de Valdez Vasconcelos, mas foi disseminada por todo o interior com a criação da Emater. Com a empresa, a assistência técnica era levada pelo extensionista ao interior do Estado.
Os múltiplos projetos de fomento fizeram nascer o algodão, a soja, o sorgo, o milho, as frutas e as hortaliças, além da pecuária de corte e de leite. Os tourinhos das raças Gir e Nelore constituíram multiplicadores no norte, hoje Estado do Tocantins. As semanas ruralistas e os parques agropecuários se multiplicaram. O uso do calcário num solo pobre como o do Cerrado, a sua utilização se deve aos esforços desse médico veterinário arrojado. A correção passou a ser uma constante na agricultura goiana. E as plantações agradecem.
Os sucessivos governos, sobretudo de Leonino Caiado, viram em Josias o “cara certo para o lugar certo”. E deram o necessário apoio a ele. Como secretário executivo da Emater e como secretário da Agricultura nunca faltou recursos para Josias tocar o barco. A criação da Emgopa, primeira empresa estatal destinada à pesquisa agropecuária, despontou graças à sua cabeça aberta. Se a Embrapa podia ser criada no Brasil pelas mãos do ministro Alysson Paulinelli, então que se abrisse uma correlata em nível goiano. Não deu outra.
Ele implementou a apicultura nos idos de 1974/74 e da suinocultura, através da Emater-Go. Atualmente, a criação de abelhas é notória no Estado e também a suinocultura, com aportes pesados no sul e sudoeste goiano.
ENFRENTANDO GENERAL
O sucesso com a criatividade de Josias Luiz Guimarães o levou à Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe), em Brasília. O Brasil era governado pelo general João Baptista Figueiredo (1979- 1985). Aliás, o último presidente do regime militar. Josias ia bem, tentando executar o seu plano de fomento da pesca, até, então, sem grandes atrativos econômicos. Mas, Josias viu que a atividade poderia crescer. E se dirigia nesse rumo para ter sucesso a exemplo de outras iniciativas pioneiras em Goiás.
O filho do general-presidente Paulo Renato cresceu os olhos e tentou criar outro planejamento, contrariando Josias, que considerou a iniciativa “pouco transparente”. Batendo de frente, o filho de Marzagão optou por deixar o governo.
ARTICULISTA DO DM
Josias escrevia praticamente toda semana para a página de Opinião do Diário da Manhã. Gostava de citar exemplos narrados na bíblia e na História Universal, com ênfase para os filósofos gregos. Havia, também, consigo uma preocupação com as eleições brasileiras. Ele, contudo, detinha uma posição neoliberal. De uma honestidade à toda prova, como se pode inclusive perceber de sua reação na Sudepe com os propósitos escusos do filho do general Figueiredo. Em seus trabalhos editoriais, proclamava a necessidade da transparência na vida pública e privada.
No último dia 10, Josias encerrou um artigo com estas palavras:– Incentivar, prestigiar o indivíduo laborioso, ordeiro constitui imperativo, vez que, além de torná-lo, ainda, mais aliado na luta pela prosperidade, crescimento, bem estar da comunidade, passa a despertar a atenção de todos quantos, em cima do muro, querendo bandear para o lado dos maus elementos, porém, ainda meio reticente, mira, enxerga, pelo alarido, exemplo, a política de incentivo, de repente, esconjura a hipótese de imiscuir-se no submundo da bandalheira aderindo, aliando-se, ao mundo da sociedade ordeira e laboriosa. Rememorando, o cidadão laborioso, honesto, sente-se, a cada dia, virtualmente, mais ameaçado, ludibriado, em suas boas intenções, por isto, está a carecer de incentivo do Estado.