Chegou a hora, o despertar com a Alvorada, ruas em festas, tambores, cuíca, caixa, reco-reco, pandeiro, cavaquinho, tamborim e a sanfona. O som da África, batuques, atabaques, grande alegria, ritmos e muitas cores, os ternos, tradição e auto de fé. A música das senzalas coloca a Casa-Grande para dançar. O sincretismo e a dança marcada, salve, salve o Congo, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, Congada!
Estudos apontam que a partir do século XVII em Pernambuco, escravos africanos vítimas do senhorio cristão europeu, foram trazidos pelos portugueses para o Brasil, em navios asfixiantes e em condições ultrajantes. Sob o tinir dos grilhões, desembarcaram e, com eles, além da dor do exílio, a saudade da terra mãe. Sua garra e suas raízes como armas de resistência e esperança. A identidade que os açoites e a senzala, que o racismo e a intolerância, não conseguiram silenciar ou apagar.
A construção da grandeza dessa terra, inúmeras vezes marcada pelo sangue alheio, para saciar a sanha de latifúndios canavieiros, cafeeiros, numa supremacia branca, patriarcal e ordinária. O sal gotejado na terra fértil, irrigada pelo suor de bantus e sudaneses, fez a fortuna e a doçura da cana. Do açúcar alvo como a neve, que deixava mel o amargo café. Temperado pela vergonhosa escravidão dos renegados e a miséria dos ignorados!
Pelas mãos e pés de guerreiros que por sua pele negra, resistência de ébanos africanos e afro-brasileiros, historicamente ignorados, inferiorizados e marginalizados, justificada pela pseudociência da Eugenia, alicerçada na intolerância e no darwinismo social.
É inegável o quanto somos um país miscigenado – índio americano, branco europeu, negro africano. Diversidade cultural e religiosa riquíssima, fruto do sincretismo e do ecletismo cultural-religioso, que nos legou não só um povo multirracial, como também, o cristianismo e suas convicções, a grandeza das religiões de matriz africanas e suas tradições milenares. De Xangô deus da justiça, do fogo, tanto quanto Tupã para os Tupis-guaranis e seus Xamãs. O mesmo Atlântico que banha a Baía de todos os santos, banham a África e seus orixás.
Outubro é realizada a festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário em Catalão. A beleza e a grandeza do sincretismo, com elementos de fé, o cristianismo e das raízes africanas, que permeiam nossa identidade cultural. Conhecida como Congadas, congado ou congo, realizada em algumas partes do Brasil, consiste numa celebração, expressão de agradecimento do povo congolês aos seus governantes, inspirada no Cortejo aos Reis Congos.
As festividades na cidade acontecem desde 1876, revelando uma tradição de encher os olhos, um mergulho cultural e histórico, da vitória da resistência contra a opressão! Um espetáculo a céu aberto, numa grande e colorida festa popular e que indistintamente, abarca e abraça todos os credos, etnias e níveis sociais. Demonstração pública e inequívoca do quanto às diferenças, podem ser agregadoras e nos tornam tão iguais!
Os ternos coloridos e festivos, congadeiros e devotos de todas as idades, animam por onde passam o cortejo, com muita dança, sob o ritmo da zabumba, cantorias, alegria e fé. Há uma hierarquia, onde se destaca o rei, a rainha, os generais, capitães, etc. O folclore, a festa popular e a religiosidade presentes na tradição, além das raízes do Congo, também de Angola, Moçambique e outras regiões da África.
Portanto, deixo aqui, dois convites. Um, para visitar Catalão e suas históricas Congadas. O outro, uma reflexão. O quanto muito nos enriquece, esta convivência com tamanha diversidade étnica, religiosa e cultural. Que nos coloca frente a frente, com questões desafiadoras, pautadas pela informação, respeito e a tolerância. Princípios elementares, básicos, grandiosos e determinantes para a construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária.
Querendo ou não, todos nós temos sangue negro! Alguns, nas mãos. A mesma que segurou o chicote e hoje ostenta o racismo e a intolerância!
Axé!
Marcos Manoel Ferreira, Professor, Historiador e Pedagogo. Pós-Graduando (Especialização) em História e Cultura Afro-brasileira e Africana; Mestrando em História – Cultura, Religião e Sociedade – pela Universidade Estadual de Goiás (UEG).