Moradores da cidade de Cavalcante, localizado ao norte da Chapada dos Veadeiros, a cerca de 500 km de Goiânia, acusam o desmatamento ilegal em território Kalunga. O território federal é Patrimônio Cultural e as ações são criminosas de acordo com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD).
Segundo informações da Secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Andréa Vulcanis o Governo de Goiás deflagrou uma operação para conter e punir as ações criminosas de desmatamento registradas no território da comunidade quilombola kalunga. Segundo a pasta as ações chegaram ao conhecimento da secretaria na terça-feira (03).
Os moradores da comunidade, no entanto acusam que o desmatamento começou no dia 01 de abril e que cerca de mil hectares de terra já foram devastados. O ambientalista e guia turístico Douglas Oliveira, afirma “temos a chance de estar perdendo um dos atrativos mais impressionantes que temos aqui que são o Rio da Prata e várias outras nascentes”.
Douglas garante que o desmatamento começou “exatamente dia 01 de abril”, segundo ele “a empresa Rio da Prata Ltda e duas fazendas, a Fazenda Pequi e a Fazenda Alagoas que estão desmatando a cabeceira do Rio da Prata”, ele aponta ainda que a ação está afetando o Sítio Histórico quilombola, “é uma área totalmente protegida”. Ele afirma que antes das empresas começarem a devastar o território havia “zero desmatamento”.
As informações sobre as dimensões territoriais que foram devastadas foram levantadas pelos Kalungas com auxílio de drones e segundo eles até quinta-feira (04), aproximadamente mil hectares foram desmatados. A Semad divulgou que imagens de satélite produzidas pelo sistema da secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, comprovam o desmatamento de vegetação em cerca de mil hectares.
Perdas
A região do Cerrado brasileiro onde está localizado o quilombo também é onde nascem as águas de importantes rios brasileiros. Rodrigo Batista Neves, presidente do Conselho Municipal de Turismo de Cavalcante (COMTUR), explica que a maior preocupação dos habitantes da região é o povo Kalunga, “esse povo está ali há 300 anos conseguindo sua subsistência, preservando”, ele garante que os quilombolas sempre tiveram uma cultura de preservação do local.
Rodrigo que também é ambientalista aponta que umas das fazendas envolvidas arrendou o território a uma empresa de plantio de soja, “colocaram uma empresa laranja a frente de todo o processo, está sendo citada na denúncia, mas há um grupo grande por trás disso”, acusa. “Eles aproveitaram esse período de isolamento social para entrar no território que hoje é pertencente ao Sítio Histórico Kalunga, reconhecido e tombado como Patrimônio Cultural”, diz.
Segundo o presidente do Conselho de Turismo, em dois meses foram devastadas áreas do Cerrado nativo e trechos de nascentes, “esse local fica em um dos pontos mais altos da região. Onde estão todas as cabeceiras e nascentes das principais bacias hidrográficas daqui, são pelo menos de 10 a 15 bacias hidrográficas que serão afetadas por esse plantio de soja nessa área”, explica.
“Podemos ver irregularidades, a exploração indevida dentro de um Sítio Histórico de quilombo, estamos questionando as licenças por estarem nos mananciais, todos os rios serão prejudicados. O local onde eles estão fazendo esse preparo da terra é infértil, serão toneladas de fertilizantes e produtos químicos que escoarão para essas bacias, entre elas o Rio Prata, Rio Corrente, Correntinha, Rio Curriola, Santo Antônio, Rio Preto, Rio Claro, São Félix e até a grande bacia do Rio Tocantins”, expõe.
Além de contaminar a água Rodrigo explica outras consequências, “contaminando a água acaba com a produção da agricultura familiar das comunidades tradicionais, outros povoados serão também afetados. Acaba com turismo porque a água estará contaminada, outra forma de renda deles, com turismo de base comunitária. É uma cadeia imensa que está sendo prejudicada com isso”, finaliza.
A comunidade Kalunga
O presidente da Associação de Quilombos Kalunga Jorge Moreira de Oliveira contou ao DM que atualmente vivem aproximadamente 3.500 pessoas nos territórios Kalunga localizados nas cidades de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. A comunidade está realizando o georreferenciamento das terras, “temos 98% de realização do geoprocessamento dentro do território, rodamos todas as famílias que moram dentro do território para saber onde elas estão, quantos filhos têm e qual a atividade delas”, explica.
A partir desses levantamentos Jorge afirma que a comunidade pretende expandir as atividades turísticas, “expandir o turismo para as outras comunidades que ainda não trabalham com ele. Estamos ganhando espaço no território de acordo com a desapropriação que já aconteceu e esperamos que o restante da desapropriação aconteça. Queremos que todos tenham seus meios de vida dentro do território, usando as belezas que temos”. De acordo com ele “o turismo está trazendo uma renda boa para o território”.
Segundo o presidente da associação dos quilombolas eles dependem do território para tudo, “pra beber uma água saudável, pra ter o alimento orgânico, também ter um turismo comunitário. É nisso que estamos trabalhando”, Jorge defende que a devastação das terras impacta na comunidade de forma sistemática. “Muda a história de vida de todos, já sofreram demais. Os nossos antepassados sofreram muito sem aposentadoria, sem os direitos, sem políticas públicas. Então hoje a gente quer melhorar através dessa oportunidade e como quilombola ter o direito de ter o nosso território é sagrado”.
A comunidade já pediu apoio aos órgãos oficiais, “pedimos também oficializado ao Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual a paralisação disso em documento. Os impactos nessa área do desmatamento causam, por exemplo, a perda dos frutos daquele Cerrado, perde a fauna, a flora e também a qualidade da água lá embaixo. A Comunidade do Prata depende dessa água”, pontua.
A redação do DM tentou contato com a empresa Agropecuária Rio do Prata Ltda e até o momento de fechamento dessa matéria a empresa não havia se posicionado.