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Em novo livro, Casagrande mergulha fundo em si mesmo

Que goooool! Golaço do Corinthians! Um golaço! Assim Osmar Santos, na Rádio Globo, narrou o tento anotado por Casagrande na final do Campeonato Paulista de 1982. Dono de talento ímpar para mexer com as emoções do público, Osmar – com sua eloquência alvinegra – descreve o lance mágico e charmoso no qual Ataliba, eu diria que uma espécie de maître do ludopédio, entorta dois são-paulinos com um drible de corpo e serve sob medida o camisa 9, selando a primeira conquista do time mais transgressor do futebol brasileiro: o da Democracia Corinthiana. “Casagrande faz o gol Rita Lee para decidir o título”, vibra o “Pai da Matéria”.

Walter Casagrande Júnior, ou simplesmente Casão, brilhou com Doutor Sócrates, dentro e fora de campo, nos anos de abertura política. Juntos, os dois jogaram o fino da bola, mas também participaram da vida política e cultural do Brasil. Amigos de estrelas da MPB e do rock, os libertários atletas foram os idealizadores daquela parafernália democrática do Parque São Jorge, como a dita imprensa esportiva do País fardado se referia a Casão e companhia. Sim, a dupla ousou mudar – ao lado de Wladimir e Adilson Monteiro Alves – a estrutura reacionária do futebol brasileiro. O resultado? Um aprimoramento da invenção grega à moda corinthiana.

Após exorcizar seus demônios em “Casagrande e Seus Demônios” (2013) e declarar seu amor ao parceiro de vida na obra “Sócrates & Casagrande: Uma História de Amor” (2016), o autêntico ex-jogador mergulha em si mesmo. Em “Travessia”, novo livro que o comentarista da TV Globo lança pela Globo Livros com o jornalista Gilvan Ribeiro, é o mais intimista dos três: nada, absolutamente nada, nem os momentos mais assustadores da vida do craque, foram poupados. Tudo começou no comovente depoimento de Casão durante a final da Copa do Mundo de 2018, quando ele revelou em rede nacional ter passado o mundial sóbrio.

“Eu tive que encarar essa luta dramática e, após beijar a lona algumas vezes, consegui a maior virada da minha vida. Foi um processo lento, que começou em 2007 e se consolidou a partir de 2015, quando se iniciou a fase da sobriedade plena”, escreve o ex-centroavante na introdução de “Travessia”. O relato, sincero e comovente, dá o tom da prosa que se encontra no livro. Com ajuda de amores e amigos, Casão mostra – sem filtros, sem amarras – seu lado mais humano, com recaídas, choros por causa da dor da perda, muita música – rock´n´roll, é claro – espiritualidade, política e outros temas que fizeram parte de sua trajetória.

O maior triunfo: são três centenas de páginas – bem escritas por Gilvan Ribeiro, aliás – com o propósito de ajudar o próximo. Com formidável coragem, como aquela com que enfrentava os zagueiros, Casão rememora imagens fantasmagóricas e explicita o purgatório diário que enfrenta para manter-se sóbrio. Ainda assim, o ídolo do Corinthians tem de conviver com comentários de que tudo isso não passa de uma malandragem. Acredite, essa falácia irritantemente povoa o tribunal do Facebook. Nada disso, ainda bem, atingiu a Gilvan e Casão, que se desvencilharam das cerradas e desleais marcações de falsos moralistas, como bons craques.

Casagrande participa de sessão de autógrafos em Ribeirão Preto ...
Casagrande com Sócrates, seu parceiro dentro e fora de campo - Foto: Reprodução

Em “Travessia” habita ainda depoimentos com alta carga emotiva de amigos do ídolo corinthiano, como Baby do Brasil (ex-integrante da banda Novos Baianos), Nasi, Nando Reis, Paulo Miklos e Branco Mello, os três últimos fundadores dos Titãs enquanto aquele até hoje comanda os vocais do Ira!. Se antes o público limitava-se apenas a imaginar como seriam as histórias de Casão, eis aqui um libelo de uma vida guiada pela transgressão. Casagrande abre seu coração para contar momentos de dor e de quando sentiu sua privacidade invadida após assumir um relacionamento amoroso fora dos padrões com Baby, musa de infância.

Por isso tudo, a nova autobiografia de Casão reserva momentos saborosos e impressionantes, como apenas uma personalidade destemida como o ex-centroavante é capaz de fazer. E o mais importante: o comentarista global, páginas após páginas, deixa uma mensagem àqueles que lutam contra a temerosa dependência química. Walter Casagrande Júnior, figura atenta aos rumos do seu País, batalha todo dia contra os malfadados que estão presentes na inquisição virtual das redes sociais com seus prazeres autoritários. Sorte que ele não é guiado por esses sentimento. Sorte.

Ficha Técnica

‘Travessia’

Autor: Casagrande e Gilvan Ribeiro

Editora: Globo Livros

Páginas: 314

Preço: R$ 49,90

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