Marietta Telles esteve à frente da criação do curso de biblioteconomia da Universidade Federal de Goiás (UFG) em 1980, mas seu nome estranhamente é mais lembrado pelo batismo de instituições e espaços culturais do que pelos serviços prestados à arte e à cultura de nosso estado. Leitora assídua de Emily Dickinson, Cecília Meirelles, Fernando Pessoa e Clarice Lispector, Marietta se formou em Direito e Letras pela UFG, em cuja editora publicara a obra Teatro Para Crianças, uma de suas mais aclamadas.
A trajetória ligada ao mundo dos livros começou na década de 1960, quando Marietta fez parte do Grupo de Escritores Novos (GEN). Ensaísta rigorosa e dona de estilo refinado, suas empreitadas no gênero lhe valeram menção em volumes de críticas literárias organizados por Heloísa Buarque de Holanda. Partiu cedo, aos 52, vitimada por um ataque cardíaco. Estava no auge, dessas ironias da vida que nos deixam ora como se estivéssemos cercados num beco, ora escorrendo pelas as aventuras da vida.
Se esse compromisso com o universo literário permeou a história de Marietta ao ponto de estar ligada à literatura, nada mais justo que uma biblioteca, localizada na Praça Universitária, carregar seu nome: cronista e contista de talento, ela chegou a ser bastante requisitada para deixar acervos bibliotecários em instituições goianas e noutras cidades, como São Luís, Teresina, Manaus, Rio Branco e Belém. Mas, em se tratando da Biblioteca Marietta Telles, cujas manutenções foram entregues no domingo, 24, de acordo com a prefeitura de Goiânia, não há o que se comemorar.
Goteiras e infiltrações provocaram a retirada das obras que estavam no espaço para evitar prejuízos ao acervo. Em 13 de setembro, pouco mais de um mês antes da inauguração planejada pela prefeitura, os livros estavam empilhados, num canto, em caixas. O dia que o mobiliário chegou para a colocação nas prateleiras, de olho na abertura, teria sido, ao que tudo indica, 20 de outubro – ou seja, quatro dias antes da data estipulada pelo Paço Municipal, na ocasião em Goiânia comemorava 88 anos.
“O nosso acervo possui em torno de 70 mil livros de diversas áreas de ensino. É um dos mais amplos e os títulos mais procurados são os de História de Goiás, Geografia, cultura popular, patrimônio cultural e Césio 137”, relata a bibliotecária Marcia Lourencett, em entrevista ao Diário da Manhã, na sexta-feira, 22. De produção nacional, o espaço abriga obras nacionais de História, Geografia, Matemática, Gramática e Direito, além de Literatura Brasileira, Infantil e Estrangeira.
“A comunidade tem que abraçar a biblioteca pública, ocupar a biblioteca, fazer dela um lugar vivo e cobrar do poder público investimento neste equipamento sociocultural, que é um dos mais democráticos, porque está aberto para todos, acolhe toda a diversidade existente na cidade e, historicamente, inspira pessoas a transformarem suas vidas" - Larissa Mundim, editora
Nas reformas, que ocorreram durante o ano passado, o espaço recebeu nova parte elétrica, hidráulica e de serralheira, bem como esquadrias e novos vidros. Também teve drenagem de água e pintura. Segundo Lourencett, a biblioteca estava fechada aguardando apenas a conclusão da obra pela empresa que fez o serviço. Até o momento, diz, o espaço aguardava novas estantes onde teriam que fazer uma adequação para que fosse os livros fossem organizados.
Decepção
Sem estar climatizado, com falta de instalação da rede e internet e os mesmos computadores, a editora Larissa Mundim visitou a biblioteca há cerca de um mês para doar títulos da Nega Lilu publicados na pandemia. À medida que foi conversando com a equipe de trabalho, ficou decepcionada e, ao mesmo tempo, encontrou estímulo para mobilizar a imprensa a fim de investigar por que a Prefeitura fez a reforma e não resolveu problemas antigos, conhecidos por quem frequenta a Praça Universitária.
“A comunidade tem que abraçar a biblioteca pública, ocupar a biblioteca, fazer dela um lugar vivo e cobrar do poder público investimento neste equipamento sociocultural, que é um dos mais democráticos, porque está aberto para todos, acolhe toda a diversidade existente na cidade e, historicamente, inspira pessoas a transformarem suas vidas. A biblioteca publica é, sem dúvida, um dos melhores lugares do mundo”, diz Mundim, que se orgulha de ter todos os títulos da Nega Lilu integrando o acervo BMMTM e atualizando o acervo de poesia e literatura goianas.
Para Larissa, sem orçamento próprio, com toda a certeza, as bibliotecas públicas não têm recurso para aquisição de livros. “O acervo tem base em doações, portanto”, explica. A maioria vem de gente que quer apenas desocupar espaço em casa e não colabora para a construção de um acervo capaz de gerar interesse na comunidade frequentadora da biblioteca, democratizar o acesso ao livro e proporcionar que obras clássicas circulem de mãos em mãos, e não fiquem empilhadas num canto.
“Um dos grandes anseios da comunidade era a manutenção da biblioteca municipal, principalmente dos alunos que circulam pela região do Setor Universitário. A biblioteca está nova, fachada nova, teto, pintura. Espaço lindo, entregue de volta aos goianienses numa data especial”, afirmou o prefeito Rogério Cruz. Já Zander Fábio, titular da Secult, disse que a ideia é o espaço se tornar um ponto cultural. “Queremos promover eventos como o Chorinho, exposições, feiras e muito mais. A biblioteca em breve estará aberta para a população em horário comercial de segunda a sexta.”
A Prefeitura informou que tanto o Palácio da Cultura, sala de exposição, quanto a Biblioteca Municipal Marietta Telles Machado tiveram de passar por manutenção, com reparos em todos os ambientes, como recuperação estrutural, isolamento das antigas redes de drenagem pluvial, impermeabilização das lajes. Ao todo, continua o executivo goianiense, foram desembolsados mais de R$ 1 milhão dos cofres públicos. As duas edificações possuem mais de meio século de existência.