Fãs que antes ‘sofriam’ com as letras das canções da ‘Rainha da Sofrência’, hoje lamentam a perda da cantora Marília Mendonça, de 26 anos, vítima de um acidente aéreo na cidade de Caratinga, Minas Gerais, na tarde desta sexta-feira, 5. Local marcado para a realização do velório da sertaneja, a porta do ginásio Goiânia Arena recebia, desde às seis horas da manhã do sábado, 6, admiradores que revezavam entre lágrimas e cantorias das letras compostas por Marília.
Eduardo de Sousa, de 17 anos, encontrou amigos, também fãs da cantora, na porta do Goiânia Arena. O choque, para todos eles, ainda não passou. “Marília estava comigo todos os dias. Como vou de bicicleta para o trabalho, sempre costumava colocar as músicas dela durante o trajeto. Ela estava no auge da carreira. Na primeira vez que vi a notícia da morte, não acreditei. A dor foi como se fosse um parente meu”, lamentou.
Com bandeiras do Brasil, vendidas no local, penduradas nas costas como se fossem uma capa, fãs simbolicamente tentam representar o peso que Marilia Mendonça teve para a música brasileira. “Ela representa o Brasil. Já esteve em todos os estados e nos representou no Grammy Latino”, diz Bia Duarte, de 15 anos, que encontrou o amigo Eduardo no local.
Os fãs que aguardam a chegada do corpo demonstraram respeito. No local, ainda que a quantidade de pessoas aumente gradativamente a cada minuto, os admiradores falam em tom de voz baixo e aproveitam o momento para conversar sobre o impacto da cantora em suas vidas. Com 34 anos, Camila Ribeiro relatou que, desde que soube do acidente, não conseguiu conter as lágrimas. Sentada em frente ao Goiânia Arena, não foi diferente. “A única coisa que consigo dizer é que cada música dela representa uma fase diferente de minha vida”, desabafou.
Antes das dez horas da manhã, na ansiedade por se despedir da cantora, fãs tentaram adentrar o estacionamento do ginásio, mas foram contidos por policiais militares presentes no local. Segundo informações concedidas pelos agentes, os corpos de Marília Mendonça e do tio, Abicieli Silveira Dias, que assessorava a sertaneja, chegaram em Goiânia por volta das 10h40 A primeira hora do velório será destinada somente aos familiares e amigos próximos, estando liberada a entrada dos fãs apenas após às treze horas.
Com a mobilização que a cada momento se alarga, vendedores ambulantes pouco a pouco chegaram ao local com itens personalizados da cantora. Fã há anos da sertaneja, Fábio Menezes de Araújo decidiu, inclusive, vender seu próprio estoque pessoal de itens obtidos em shows de Marília. “Já fui em mais de 18 shows nas mais diversas cidades do Brasil: Manaus, Belém, São Paulo, Itumbiara…”, relembra. Com ingressos comprados para um show da ‘Rainha da Sofrência’, que estava previsto para ocorrer em 18 de dezembro, na cidade de Marabá, no Pará, sua intenção é que os itens fiquem de lembrança aos demais fãs presentes no velório.
A previsão publicada nas redes sociais pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), era de que mais de 100 mil pessoas passassem pelo Goiânia Arena para se despedir de Marília Mendonça.
Procurada pela reportagem, a Polícia Militar do Estado de Goiás (PM-GO) não deu nova estimativa sobre a quantidade de pessoas. No entanto, na preparação para a recepção dos fãs, o ginásio conta com viaturas da PM-GO, da Secretaria Municipal de Mobilidade (SMM), da Guarda Civil Metropolitana (CGM) e do Corpo de Bombeiros. Agentes passaram a organizar os presentes em filas a partir das dez horas da manhã.
Velório
O calorão goianiense obrigou os fãs que estavam ao lado de fora do Goiânia Arena a procurarem amenizar a quentura na sombra de guarda-chuvas. Ironicamente, o clima era outro, mais soturno, triste, melancólico: Goiânia, de fato, não estava preparada para dizer adeus a cantora mais importante a surgir no sertanejo no século 21. Marília Mendonça, aos 26 anos, de alguma forma conseguiu retratar as nossas dores, os nossos desamores, a nossa dor de corno que nos levava a escorar o cotovelo no balcão do bar.
De alguma forma, a multidão que estava no velório, reunida no ginásio ao lado do Serra Dourada desde a madrugada de sexta para sábado, parecia ter saído das músicas que Marília emplacou nas paradas de sucesso. Estava ali, chorando, em pranto, entulado, com uma dor terrível, de rasgar o peito, o boêmio virado das lágrimas afogadas pela madrugada anterior, como se sua vida estivesse sido destroçada por uma desgraça que foge à compreensão da existência, esse sopro que acaba entre um trago e outro, entre um término de relacionamento e outro, entre um cigarro: como dói!
Meteórica, intensa, dona de versos que estão perpetuados na boca do público, detentora do topo das plataformas de streaming e gente como a gente, Marília estabeleceu um magnetismo artístico consciente. Sua escolha política, em 2018, de bradar – em bom português – ‘ele não’ lhe valeu ameaças de morte de intolerantes que povoam a arena pública brasileira desde a eleição do ex-capitão que se faz presidente, mas também evidenciou uma faceta da artista em sintonia com o seu tempo.
Marília rompeu a bolha e chegou a cair na simpatia de tribos distintas com uma música que encontra elementos poéticos semelhantes a era que antecedeu a bossa-nova. E essa fotografia social de dor pela partida de uma artista que tão bem nos representou tornou Goiânia uma cidade vazia, em lágrimas, choro: nos bares, nas calçadas, entre a galera do rock, ou MPB, ou como na feira de vinil realizada na rua 8, nas proximidades do Cine Ritz, Zé Latinhas e Casa Liberté, ou entre os bares de sertanejo. Não importa, Marília Mendonça era unanimidade, suas músicas tocavam em alto e bom som, Marília de alguma maneira sobrevive em nossos corações, ouvidos e memórias.
Você deixou saudade. (*Especial para a Agência Estado )