No dia 11 de abril do ano de 2017, o já falecido Sr. J.L.A, reclamou a sua mãe e irmão dores abdominais e vômitos constantes.
Diante do quadro de saúde do falecido, seu irmão se prontificou a procurar atendimento médico no Cais Jardim Guanabara III, Setor localizado na região norte da Cidade.
Ao chegarem no referido Cais o falecido foi atendido por um dos médicos da Unidade de Saúde, em atendimento de urgência, foi examinado e narrou os sintomas.
Diante do grave quadro do paciente, o Médico prontamente requereu sua internação em algum hospital da Rede SUS de Saúde.
Justificando a necessidade de internação o médico apresentou em laudo os principais resultados de provas diagnósticas, resultados de exames realizados.
Estas narrativas justificavam o pedido de Internação hospitalar, segundo o Laudo Médico para Emissão de AIH (Autorização para Internação Hospitalar) em estabelecimento de saúde com internação (públicos federais, estaduais, municipais, privadas com ou sem fins lucrativos) integrantes do Sistema Único de Saúde- SUS.
Segundo explicação médica do próprio CAIS, o mesmo não dispunha de equipamentos, acomodações, medicamentos e recursos para internação de pacientes graves, sendo necessária uma transferência imediata do paciente para um hospital com melhor estrutura.
O pedido foi reiterado por várias vezes e por vários médicos da Unidade de Saúde.
Porém, mesmo diante do quadro grave de saúde do paciente, e duas solicitações de transferência para um hospital, o CAIS não obteve resposta da Secretaria de Saúde de Goiânia, ficando o paciente padecendo em condições precárias, sem atendimento necessário, pelo período de 13 dias, aguardando vaga em algum hospital da capital.
A consequência da omissão e negligência da Secretaria de Saúde Municipal resultou em perda da função renal do paciente e parada cardíaca, que levou o paciente a óbito na data de 24/04/2017.
O paciente agonizou por 13 dias no CAIS aguardando transferência para hospital onde lhe seria dado tratamento adequado, até não resistir e vir a óbito.
AÇÃO AJUIZADA:
Indignada com a conduta do Município, a mãe do paciente ajuizou ação de indenização contra o Município de Goiânia, requerendo danos morais e materiais.
Representada Judicialmente pelo Advogado Leandro Borba Ferreira Nascente, este invocou os direitos do paciente, dentre eles: Constituição Federal (direitos fundamentais), Direito Civil (responsabilidade aquiliana, ausência de boa fé, etc) e colacionou várias jurisprudências do Poder Judiciário no País, inclusive do STJ e STF.
SENTENÇA E FUNDAMENTAÇÃO:
Em Sentença, a Magistrada assim fundamentou:
´´Tanto o Município de Goiânia, quanto o Estado de Goiás, e até mesmo a União, são legitimados para integrar o feito, porque a disponibilização de leitos de UTI pelo SUS faz parte das políticas sociais de promoção à saúde, insertas na Constituição Federal e atribuídas às esferas federal, estadual e municipal, conforme prevê, também, a Lei n.º 8.080/90´´.
´´A responsabilidade civil consiste na obrigação de alguém reparar dano sofrido por outrem. A sua principal consequência é a obrigação de indenizar os prejuízos decorrentes de uma conduta. Como dispõe o art. 186 do Código Civil, existe um dever legal de não lesar, do qual deriva a obrigação de indenizar sempre que, por meio de comportamento contrário àquele dever, uma conduta cause prejuízo injusto a outrem´´.
´´Na hipótese em discussão, a responsabilização pretendida possui viés extracontratual derivado da falha na prestação de serviço. Em tais casos, apesar da discussão doutrinária, prevalece o entendimento de desnecessidade de demonstração do elemento culpa do preposto para responsabilização do Poder Público, vez que, ao optar pela inércia, o agente responde como se algo tivesse feito, pois poderia ter evitado o resultado lesivo ou contribuído para minorá-lo, mas não o fez´´.
´´Importa lembrar que o Estado deve criar meios para prover serviços médico-hospitalares adequados, a fim de reduzir o risco de doenças e promover medidas necessárias à proteção e recuperação da população´´.
´´No caso concreto, o paciente foi atendido no Cais do Jardim Guanabara III e, como a unidade não dispunha de leito para internação de pacientes em estado grave, foi solicitada autorização de transferência ao Município de Goiânia, através da Central de Regulação, para localização de nosocômio credenciado pelo SUS´´.
´´Registre-se que a solicitação de autorização para internação hospitalar (AIH) foi renovada por outra profissional, em razão da ausência de resposta do Município requerido, o que demonstra que o ente municipal sequer analisou o pedido apresentado pelo médico responsável pelo pronto atendimento do filho da requerente´´.
´´Nesse contexto, é de se notar que o Município de Goiânia, através da Central de Regulação, não foi eficiente na disponibilização de leitos hospitalares ao paciente, ou mesmo tenha diligenciado no sentido de encontrar os leitos disponíveis, o que evidencia a fragilidade do sistema tendo o filho da requerente permanecido por 13 (treze) dias no atendimento do Cais do Jardim Guanabara (III), no aguardo de transferência para outra unidade de saúde melhor equipada, convivendo com o risco iminente de morte, que se concretizou no dia 24 de abril de 2017´´.
´´Ora, diante da situação narrada nos autos, não poderia o Município de Goiânia ignorar as disposições contidas na legislação pertinente e deixar de proporcionar a internação do paciente, com risco de morte ou dano irreparável à saúde, em leitos hospitalares´´.
´´Aliás, a ausência de vagas na rede do SUS, não é motivo para deixar de promover a internação, sendo que os entes devem realizar a internação em rede privada, às suas expensas´´.
´´Não se admite que os entes públicos deixem de prestar a assistência à saúde de sua população justamente nos casos mais graves, quando a situação de risco de morte e/ou dano irreparável à saúde exigem imediata internação em leito de maior complexidade´´.
´´Repito: a análise dos autos não deixa dúvidas de que o tratamento dispensado pelo Município de Goiânia, por meio da rede de saúde pública, foi inadequado, o que contribuiu para o agravamento do quadro apresentado pelo paciente, ressaindo inquestionável a omissão/negligência do ente municipal em sua conduta´´.
´´Através dos documentos juntados, notadamente os relatórios médicos e as fotografias juntadas, percebe-se que já no primeiro dia de entrada do paciente (11/04/2017) no CAIS Jardim Guanabara III, foi constatada a gravidade e a necessidade de internação do falecido em hospital, com CID K74-6 (Outras formas de cirrose hepática e as não especificadas), além da já mencionada suspeita de tumor hepático´´.
´´Entendo, portanto, que houve falha no serviço prestado pela rede pública de saúde, face à omissão do ente público em disponibilizar a vaga em hospital para o tratamento do paciente, cujo estado era grave e exigia urgência no tratamento´´.
´´Pertinente lembrar que a tese esposada pelo Município, de que não foi comprovado nexo causal e a suposta omissão, eis que o paciente foi atendido no CAIS do Jardim Guanabara III, não merece guarida diante dos fatos narrados acima´´.
´´O atendimento dispensado ao paciente não foi integral. O Município não cumpriu a norma constitucional e foi negligente ao deixar de oferecer a vaga, inclusive da rede privada (na ausência de vaga em hospital da rede pública), situação suficiente para atrair a responsabilidade civil´´.
´´In casu, a responsabilidade do Município advém da própria falha no atendimento ao paciente, resultando, posteriormente, em seu óbito, o que caracteriza, indubitavelmente, o dever de indenizar´´.
´´Pertinente lembrar que, em se tratando de dano moral, não há necessidade de se fazer prova do efetivo prejuízo, de modo basta que a conduta seja suficiente à violação dos direitos de personalidade, como na hipótese em questão, em que se verifica a perda do filho pela falta de atendimento médico célere e adequado (transferência para unidade com melhores condições de tratamento)´´.
´´O falecimento de um ente querido é, sem dúvida, uma das experiências mais traumáticas que o ser humano pode vivenciar. Consequentemente, complexa se torna a tarefa de valorar o sofrimento moral, tendo em vista a pluralidade de sentimentos, mormente relacionados à dor, angústia, sofrimento e constrangimento dos envolvidos´´.
´´Assim, deve a requerente receber uma soma que amenize o sofrimento experimentado pela morte de seu filho, observadas as peculiaridades da situação fática vivenciada, atendidas as circunstâncias do caso e também as reais condições do agressor, além da situação pessoal da ofendida. Logo, a verba indenizatória não deve ser excessiva que se converta em fonte de enriquecimento injustificado, nem ínfima que se torne inexpressiva, mas que represente reprimenda a desestimular a reiteração do ilícito´´.
´´Na hipótese, inegável o enorme sofrimento da requerente ao ser privada abruptamente do convívio com seu filho, em razão da inércia do município réu´´.
´´Isso posto, com fundamento no artigo 487, I do Código de Processo Civil, resolvo o mérito e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais, ao que CONDENO o Município de Goiânia ao pagamento de indenização, em favor da requerente, a título de compensação por danos morais´´.
´´Em atenção ao princípio da sucumbência, CONDENO o Município requerido, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC´´.
´´Sobre o valor da condenação, incidirão juros desde o evento danoso, no mesmo percentual aplicado à caderneta de poupança, consoante artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97 (aplicação mantida no julgamento do RE 870.947), e correção monetária desde a data do seu arbitramento, utilizando o IPCA-E [2]´´.´´Sem custas´´.´´Publique-se. Registre-se. Intimem-se´´.´´Cumpra-se´´.
O Advogado Leandro Borba Ferreira Nascente salientou que o édito foi justo e que realmente ´´o Poder Judiciário é reduto dos desafortunados de justiça, esperança da sociedade´´.