Andy Warhol criou a capa de “Sticky Fingers”, pintou quadros símbolos da art pop, levou um tiro e quase foi morto por uma mulher que tinha atuado como figurante em um dos seus filmes undergrounds. Não exatamente nessa ordem, Warhol andava com Lou Reed, frequentava festa de aniversário de Sean Lennon, filho de John e Yoko, achava Mick Jagger um cara bonito, marcava presença no Studio 54. Essa era uma vida eletrizante e, cá pra nós, não só dava um livro como também daria um muito bom.
Warhol sabia disso. E, assim que se recuperou dos três tiros que lhe alvejaram a barriga disparados por Valerie Solanas, em 1968, até o ano em que morreu de complicações provocadas por uma cirurgia na vesícula, em 1987, Warhol telefonava para a amiga Pat Hackett, pela manhã, e contava a ela o que lhe passava pela cabeça. Para que “Diários de Andy Warhol”, obra escrita por Hakcett, fosse publicado num único volume foi preciso abrir mão de 20 páginas e, como costuma acontecer ao lapidar textos de fôlego, em um dia no qual Andy foi a cinco festas, pode ser que só uma apareça na narrativa.
“Se Andy mencionou, digamos, dez pessoas, posso ter decidido incluir apenas as três com os quais ele conversou ou dos quais ele falou com mais detalhe. Essas omissões não estão assinaladas no texto porque isso serviria apenas para distrair e deter o leitor”, afirmou a escritora, na apresentação de “Diários”, que foi publicado no Brasil pela editora L&PM. Mais uma vez, como nunca é demais olhar para a vida do artista, os diários ganharam uma nova versão audiovisual, muito bem feita, com teor histórico e estético.
Em seis episódios com duração entre 50 e 80 minutos, a minissérie documental “Diários de Andy Warhol”, dirigida por Andrew Rossi, viaja pelo universo psicodélico de um dos artistas mais geniais, criativos e famosos do século 20. Além de reconstituir a vida noturna pela qual Warhol se apaixonou nos anos 1970, a obra também perfila a juventude do artista, época em que sentia-se excluído, não muito próximo de ninguém. “Via as crianças contando suas problemas umas às outras e me sentia excluído”, dizia o pintor, que libertou-se de contexto repressivo ao qual fora submetido na infância.
Nascido em agosto de 1928 na cidade de Pittsburgh, Warhol estudou design em Carnegie Mellon. Em Nova Iorque, onde trabalhou como ilustrador das revistas Vogue e The New Yorker, a The Factory recebia Lou Reed, Bob Dylan, Mick Jagger e Brian Jones. Era um mix de estúdio de arte com ponto de encontro, em cujas festas que por lá aconteciam rolavam sexo, drogas e diversões, donde – não à toa – serviu como cenário para os filmes experimentais de Warhol, como “Salvador Dalí” (1966), onde retrata o pintor surrealista conhecendo a banda Velvet Underground no Factory.
Mesmo emplacando em sua primeira exposição individual 15 desenhos inspirados na obra de Truman Capote e sendo financiador do Velvet, Andy Warhol sentia uma alienação a respeito do mundo das artes, que era em sua predominância heterossexual, e então lhe fazia retornar à infância. Segundo a crítica Lucy Sante, em depoimento que está a “Diários de Andy Warhol”, o artista entendia que não era bonito e nem estava dentro dos padrões de beleza. “E isso pesava muito sobre ele.”
Comedido e humilde, Warhol evitava dizer para os outros o que fazer – apenas questionava num tom de esperança: “você acha que poderia?” Todos eram por ele tratados com respeito e, segundo Pat Hackett, no texto de introdução ao “Diário de Andy Warhol”, nunca criticava ninguém. “Fazia as pessoas se sentirem importantes, pedindo opiniões e perguntando sobre a vida de cada um. Esperava que cada um que trabalhasse para ele cumprisse sua tarefa, mas mesmo assim ficava agradecido quando isso acontecia – sabia que qualquer grau de competência é difícil de encontrar.”
Mas Warhol não escapou de questionamentos implacáveis de sua vida pessoal. “O que você pensa sobre sexo?”, perguntavam-lhe. Em resposta, distanciava-se de sua sexualidade. Apesar das imagens homoeróticas ser presente aos montes em seu trabalho, ele conseguiu convencer um número suficiente de pessoas de que não pensava em sexo. Até se definia, em entrevistas, como assexuado e dizia que preferia ser uma máquina a uma pessoa. O que será que ele pensaria da evolução tecnológica de hoje?
Narrado em off, com a voz de Andy Warhol recriada com perfeição, “Diários de Andy Warhol” permite que o público faça uma imersão no universo do artista. Sua intimidade é desnudada a partir de três histórias de amor, com cada uma delas ocupando um episódio: a primeira é com Jed Johnson, ex-ajudante da Factory. Foi morar com ele quando se recuperou da cirurgia após o ataque a tiros, o outro romance acabou por causa da vida noturna do artista e o terceiro era platônico.
Andy Warhol impactou profundamente a cultura popular, com sua capacidade de reinventar-se, com a dor de não estar feliz pelo mal-estar da civilização e com a necessidade de apresentar às pessoas uma possibilidade de fazê-las uma versão melhor delas mesmas. Se, como ele dizia, no futuro todo mundo seria famoso por 15 minutos, Warhol tem fama para a vida inteira. Sem exagero, ele é um dos grandes artistas do século 20. Seu legado precisa ser admirado, contemplado e compreendido. “Diários de Andy Warhol” está disponível na Netflix.