O bullying é um tema abordado todos os anos pelas escolas para conscientizar os alunos a não praticá-lo e encorajar aqueles que sofrem a falar sobre o que acontece durante o período escolar. Contudo, nem sempre a abordagem é colocada em prática e muitos alunos acabam sendo vítimas do bullying, ou violência escolar, e ficam à margem de grupos de amigos, sentindo-se excluídos.
É o caso de Isabella Brito, de 21 anos, que conta que na infância a sua aparência era motivo de chacota por parte dos colegas.
"Na infância, era muito mais marcante nas escolas por conta da minha aparência ou eu ser considerada "esquisita demais" pelo grupinho de meninas populares ou a classe no geral. Lembro que uma das vezes, uma das meninas apenas falou que eu "deveria tomar banho se quisesse andar com elas", desabafa.
No ensino médio a situação piorou, Isabella tinha seus objetos pessoais furtados e, segundo ela, ninguém falava ou não via nada.
"Até que chegou o ponto de que um dos meninos da turma do fundão, que pegou a minha tigela de feijão tropeiro quando eu estava ausente da sala, comeu um pedaço de salsicha que tinha lá, cuspiu de volta e fingiu que nada aconteceu. Só quando fui comer que ele começou a rir e a falar que ele colocou na boca e eu nem percebi. Perguntei à professora e ela disse que não viu nada", conta.
Ela conta também que chegou a reprovar devido à sobrecarga de ter que aguentar as brincadeiras de mau gosto. Chegou a solicitar à coordenação para que lhe mudassem de sala, conversou com os pais, porém não foi ouvida.
"Também era por volta de 2014/15 que eu comecei a ter sérias crises de ansiedade e pânico e comecei a me mutilar pra ver se "melhorava", mas o máximo que consegui foi um uniforme manchado de sangue (meu, proveniente dos cortes) e os pais chamando atenção dizendo que não era nada", relata.
Segundo dados do Comitê Paulista pela Prevenção de Homicídios, em parceria com o Fundo Internacional de Emergência das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em uma pesquisa de 2021, oito em cada dez jovens presenciam pelo menos uma situação de violência contra adolescentes nas escolas do Brasil.
O professor de psicologia da Estácio, mestre em psicologia social e doutorando em psicologia, Gervásio de Araújo, aponta que o bullying se manifesta em duas formas: direta e indireta. “A direta se expressa de duas maneiras, pela violência física, com agressões, extorsões, forçar comportamentos nos outros e ameaça e/ou pela violência verbal, com insultos e falas racistas, machista, misógina, classista, lgbtfóbica e outras relacionadas à diversidade expressa no e pelo outro. A indireta ocorre pela exclusão, fofoca, boato, ameaça de exclusão, ou seja, comportamentos que objetivam manipular a vida social do outro", explica.
A estudante Bianca Rodrigues, de 25 anos, chegou a ser vítima da violência física. Segundo ela, os colegas zombavam de seu cabelo, que era cacheado e a chamavam de "gorda, gordinha, baleia, feia, cabelo feio, cabelo de juba, cabelo de leão, juba de leão, entre outros".
"E teve um episódio mais sério, que foi quando grudaram chiclete no meu cabelo e eu tive que cortar", conta.
Para o Doutor em Psicologia, Gervásio de Araújo, o sofrimento causado pelo bullying pode causar sérios danos mentais à quem é vítima.
“Os danos sociais e individuais são inúmeros por conta da violência escolar. As pessoas que sofrem têm consequências ligadas, principalmente, ao sofrimento psíquico e, em casos extremos, ao suicídio”, complementa o especialista.
Bianca chegou a trocar de escola seis vezes, os resultados de uma infância e adolescência marcadas pelo bullying foram problemas psicológicos, como fobia social, ansiedade, insegurança e baixa autoestima.
Isabella também desenvolveu problemas psicológicos devido ao ambiente escolar extremamente tóxico. Ela apretenou fobia social, transtorno de ansiedade generalizada e transtorno do pânico, além de tentativas de suicídio.
Uma das formas de combater a violência escolar, segundo o professor, está relacionada à compreensão e análise deste fenômeno.
“A causa da violência e do bullying envolve aspectos sociais e individuais: fatores econômicos, sociais e culturais e influência de familiares, colegas e comunidade; temperamento do indivíduo. Por isto, o combate à violência escolar requer reflexão e ação junto ao indivíduo e à sociedade. Em geral, quando se aborda o bullying e outras violências há uma tendência de tratar apenas o indivíduo violento, ou seja, apenas o aspecto particular. Com isto, se individualiza ou psicologiza a violência, de forma a esconder os processos sociais inerentes aos comportamentos violentos ou classificados como bullying”, argumenta Gervásio.
Pais e familiares podem ajudar no combate à violência por meio da educação humanizada das crianças e adolescentes, fundamentada no respeito à diversidade, incentivo a atitudes dialógicas e democráticas na resolução de problemas e conflitos, incentivo à solidariedade. “Além disso, podem contribuir construindo um ambiente familiar acolhedor, onde as pessoas se sintam seguras para compartilhar suas experiências de vida sem se sentirem julgadas ou serem punidas”, indica.
“Não se deve culpabilizar a vítima pela violência sofrida, pois isto resultado numa dupla agressão e intensificação do sofrimento psíquico. Ao se tomar conhecimento de que seus filhos estão sendo vítimas de violência, pais e familiares devem acolher, procurar ajuda psicoterapêutica e comunicar à escola ou instituições cabíveis, o relato da violência para que estas tomem medidas para proteger a vítima”, orienta o especialista.
Contudo, os estudantes ainda não se sentem seguros dentro do ambiente escolar, é o que afirma Isabella.
"Elas [as escolas] nunca estiveram preparadas, e por vezes, sequer se importam com o assunto a partir dos pequenos sinais de mudanças de comportamento ou desempenho dos alunos. Todos os casos que presenciei, apenas tomaram atitude quando viram que aquilo poderia prejudicar outras pessoas além da próprios vítima", reclama.
É importante, portanto, que os tutores das crianças e dos adolescentes fiqum atentos ao comportamento deles e se eles não estão passando muito tempo sozinhos, sem a presença de amigos e realização de atividades em grupo, além de verificar marcas pelo corpo, afinal, todo cuidado é pouco nessa fase da vida em que jovens começam a experimentar mudanças, e a exclusão pode levar a resultados ruins.
O professor conta que não há respostas simples e fórmulas mágicas da paz para a resolução desta problemática. “A violência e sua expressão na forma bullying é um problema complexo, que envolve aspectos individuais e sociais, políticos e econômicos. Algumas mediações são necessárias para adentrar o desafiador caminho de combate à violência. No aspecto individual, pode-se apontar o caminho educativo: ensinar as crianças e adolescentes o respeito à diversidade, o fortalecimento dos laços coletivos e solidários, a democratização das relações e a busca por autonomia e liberdade".
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