Drauzio Varella diz em seu blog que "a doença de Alzheimer provoca deterioração das funções cerebrais, como perda de memória e da linguagem. Além disso, o médico diz que a doença causa progressiva e inexorável perda da razão e da habilidade de cuidar de si próprio.
Em 1907, o neuropatologista alemão Alois Alzheimer identificou uma afecção neurodegenerativa progressiva e irreversível de aparecimento insidioso que acarreta diversos distúrbios cognitivos.
Não se conhece a causa da doença, mas acredita-se que seja geneticamente determinada. O Alzheimer se instala quando o processamento de certas proteínas do sistema nervoso central começa a dar errado. Não há cura para a doença de Alzheimer.
Uma família com Alzheimer
A advogada Patricia Dutra e seus cinco irmãos convivem com o Alzheimer desde 2008, quando sua mãe, Déa Dutra da Silva, foi diagnosticada com a doença. Patricia nos respondeu algumas perguntas.
1 – Como e quando você e sua família perceberam que estavam convivendo com uma paciente de Alheimer?
Patrícia: a gente percebeu que havia alguma coisa de diferente na minha mãe quando ela passou a repetir com muita frequência o que falava, começou a esquecer coisas rotineiras. Além disso, ela era uma excelente cozinheira e, de repente, começou a fazer só dois pratos; só fazia estes dois pratos e foi desaprendendo a cozinhar. Isso chamou a nossa atenção e resolvemos levá-la aos médicos – neurologistas e até psiquiatras – fizemos exames e foi aí que foram detectados os primeiros sintomas do Alzheimer.
2 – Qual foi a reação de vocês?
Patrícia: nossa primeira reação foi a negação; mamãe sempre foi uma pessoa muito ativa, muito guerreira – foi professora primária por trinta anos – depois trabalhou como voluntária em obras sociais, em educação para adultos e pra gente era muito difícil aceitar que ela pudesse realmente estar com esta doença. Depois da fase da negação, veio a fase do luto e da revolta: por que com a minha mãe? Essa doença maldita não tem cura. É uma doença que destrói a família. Eu costumo dizer que o Alzheimer é a doença da alma que se despede aos poucos, sabe? Porque você vê a pessoa minguando. E o Alzheimer traz indignidade. Você vê a pessoa que ama perdendo as suas funções; é muito difícil você ver a pessoa desaprender coisas básicas e se tornando completamente dependente.
3 – Como foi a reação da sua mãe?
Patricia: Minha mãe morava sozinha e assim que a gente teve um diagnóstico mais completo, a gente decidiu que ela iria morar com a minha irmã mais velha. No início ela relutou. Foi difícil, havia muita teimosia, mas uma das coisas que eu agradeço (se é que dá pra agradecer alguma coisa), é que desde 2008, quando a gente começou a perceber os sintomas, ela nunca passou por uma fase de agressividade, como tantos passam. Nunca foi de fugir de casa e não teve a fase de tirar a roupa. Minha mãe sempre foi dócil.
Ela era teimosa quando ainda tinha alguma lucidez porque ainda não entendia a extensão disso. Isso foi outra coisa muito difícil; como explicar pra pessoa que você mais ama na vida que ela tem uma doença degenerativa que não tem cura e que, mesmo com você cercando sua mãe com todo o amor e carinho possíveis, infelizmente esta doença está ali, alojada e não há cura. Nós fizemos cursos, assistimos muitos videos, conversamos com muitos médicos e demos a ela o melhor tratamento possível, mas é cruel ter que explicar e lidar com isso quando a pessoa ainda tem uma certa lucidez.
4 – Como é a convivência com alguém que se esquece de você um pouco mais a cada dia?
Patricia: a convivência com quem está perdendo a memória é difícil, porque em alguns momentos a gente também não está bem, e a gente às vezes está impaciente. Antes do diagnóstico, quando a gente não conhecia absolutamente nada acerca da doença, éramos um pouco impacientes: todas as repetições, o esquecimento – estes detalhes – eu já me culpei muito por esta impaciência. Isso se deu por conta da ignorância. O Alzheimer, a princípio, não traz sofrimento pro paciente, mas pra quem o cerca. Conviver com alguém que tem Alzheimer e vai perdendo a memória é sofrido.
O dia que mais chorei foi um em que eu estava viajando de ferias e voltei exatamente no dia das mães e fui almoçar com ela. Era um almoço em família e eu soube que ela estava saindo de uma internação por causa de uma infecção urinária. Quando cheguei, ela olhou pra mim e me olhou como se estivesse olhando através de mim; minha mãe não me reconheceu. Este dia foi o mais difícil. Ela não viu mais a filha. Hoje, sei que ela me reconhece pelo coração – eu posso ser qualquer pessoa que ela já amou – filha, irmã, mãe; ela ama, mas não sabe quem é. Isso é doloroso demais.
5 – Vocês dividem os cuidados com ela?
Patricia: durante muito tempo nós dividimos os cuidados com ela. Quando ainda havia um pouco de lucidez, enquanto o Alzheimer ainda estava no início, mas chegou um momento em que não deu mais: hoje ela está numa clínica e minha irmã é a responsável por ela. Eventualmente ela a busca e passam uns dias juntas. O cuidado hoje com a minha mãe é muito desgastante, inclusive, no aspecto físico. Minha mãe não se ajuda, é totalmente dependente hoje pra ir ao banheiro, pra tomar banho, pra comer, pra colocar sentada, pra levanter, pra colocar deitada e isso requer um esforço físico muito grande. Além do esforço emocional – isso tudo destrói a gente – ver a pessoa minguando é muito difícil. Quando minha irmã a busca, nós passamos um tempo juntas. Inclusive, quando ela vem pra cá, dorme comigo. Quando acorda, a primeira coisa que eu vejo é o sorriso dela; ela está sempre sorrindo. Este talvez seja o nosso único consolo: dentro deste mundinho dela, ela é feliz.
6 – A família se prepara pra uma despedida final, ou este é um assunto evitado entre vocês?
Patricia: a gente sabe que um dia isso vai acabar, mas a gente não está preparado. Uma coisa eu posso afirmar; nós somos seis filhos. Cada um reagiu de uma forma diferente. Cada um teve um tempo de aceitação diferente. Nem todos souberam lidar com a situação. Houve quem se eximiu da responsabilidade de cuidar. Eu não julgo mais porque cada um tem os seus motivos. É doloroso ver este afastamento. Eu já julguei e já tentei entender. Porque é muito difícil. Uma coisa eu posso dizer: o dia em que minha mãe partir, se ela for antes de mim, eu vou sofrer muito! Mas vou sofrer de saudade, não de remorso ou arrependimento por qualquer coisa.
Todos nós, cada um do seu jeito, fizemos nossa parte. Alguns poderiam ter feito mais. Minha mãe sempre foi cercada de muito amor. Talvez por isso ela já esteja chegando a quase quinze anos com esta doença. Com uma condição de qualidade de vida ótima, dentro do que se pode oferecer. É engraçado; os médicos que a acompanham dizem que “ela está excelente!”, dentro do quadro possível. Mas a gente, que tem envolvimento emocional, vê a decadência. De saúde ela está ótima, já faz dois ou três anos que nós utilizamos o canabidiol no tratamento e o único porém é que deveríamos ter começado a usar antes.