Cotidiano

A classe operária desce ao inferno

Diário da Manhã

Publicado em 5 de abril de 2017 às 02:49 | Atualizado há 8 anos

O torneiro mecânico Lulu Massa é um operário padrão, muito estimado por seus chefes mas detestado pelos colegas. Por causa dos baixos salários e das péssimas condições de trabalho, o sindicato decreta greve. Lulu decide não se envolver com o movimento, até o momento em que sofre um acidente, o que lhe custa um dedo. Face o descaso de seus patrões com o acidente, ele decide participar dos grupos revolucionários que fazem agitação nos portões da fábrica.

Este é, em resumo, o enredo do filme “A classe operária vai ao Paraíso”, do diretor italiano Élio Petri, com Gian Maria Volonté e Mariângela Melato. Um clássico do cinema realista. Estreou em l971, na Europa. No Brasil, tivemos que esperar o fim da censura para assisiti-lo. O título é uma gozação. Sugere que o trabalhador só toma consciência do conflito entre trabalho e capital quando a desgraça bate à sua porta e o patronato a tudo assiste indiferente. Nesses momentos, o proletário desce aos infernos.

No mês de fevereiro deste ano, a classe operária brasileira desceu um degrauzinho a mais em direção ao inferno. A indústria é o setor da economia brasileira mais atingido pela crise. Em fevereiro, as estatísticas indicaram uma interrupção de trajetória de queda dos indicadores. Mas não dá para dizer que isto possa ser interpretado como recuperação.

A análise não é de nenhuma organização radical de esquerda. São os porta vozes do capital industrial que dão esta informação. Saiu o relatório da Confederação Nacional da Indústria sobre o desempenho do setor industrial no mês de fevereiro deste ano. Os números são fornecidos pela entidade.

“Os Indicadores ainda não apontam retomada”, declara de saída o relatório. Segundo o redator do documento, os dados da indústria seguem caracterizados pela ambiguidade. “Ao longo dos últimos meses, dados positivos são sucedidos por acomodações ou quedas. Dentro do mesmo mês, parte dos indicadores mostra evoluções positivas, enquanto outra caminha na direção contrária”, observa.

Percebe-se que a longa e difícil trajetória de queda em todos indicadores da indústria parece ter se encerrado. “Contudo”, ressalva, “ainda não há uma recuperação forte e sustentada em curso. Com isso, os indicadores de atividade industrial e do mercado de trabalho permanecem em patamares muito baixos”.

Em fevereiro, quando descontados os efeitos sazonais, faturamento real, horas trabalhadas e emprego mostraram variações mensais positivas. Por outro lado, massa salarial, rendimento e utilização da capacidade instalada recuaram. Das variáveis que mostraram crescimento, somente o faturamento real cresceu pelo segundo mês consecutivo, acumulando crescimento de 1% nos dois primeiros meses de 2017. “No caso de horas trabalhadas e emprego, o crescimento em fevereiro foi insuficiente para reverter a queda do mês anterior”, afirma.

O faturamento real da indústria aumentou pela segunda vez consecutiva na comparação mensal, quando descontados os efeitos sazonais. Com o crescimento de 0,4% em fevereiro, o faturamento real acumula 1,0% de variação em 2017. Apesar do aumento recente, o faturamento industrial cai 8,4% ao se comparar o primeiro bimestre de 2017 com igual período de 2016. Por faturamento, entende-se tudo que foi vendido, a vista ou a prazo. É uma massa bruta, da qual serão depois apurados custos e lucros. A CNI não indica se o conceito de faturamento usado é o que foi recentemente definido pelo Supremo Tribunal Federal em súmula vinculante: impostos não integram o faturamento.

Mas isto não é o mais importante. Os números indicam que houve um pequeno aumento da oferta de bens industriais. Um aumento irrelevante que indica apenas o fim da trajetória de queda com estabilização. Ainda falta muito para voltar aos níveis de 2014, quando teve início o declínio do faturamento.

 

Ruim para o operário

Já o emprego industrial segue alternando meses de crescimento e queda. Após aumentar 0,2% em dezembro e recuar 0,5% em janeiro, o emprego aumentou 0,4% em fevereiro, considerando a série livre de influências sazonais. Na comparação entre os primeiros bimestres de 2017 e de 2016, o emprego recua 4,3%.

Com menos gente para fazer funcionar as máquinas, apesar da elevada ociosidade da capacidade instalada, os operários tiveram que trabalhar mais em fevereiro. Excluídos os efeitos sazonais, diz a CNI, as horas trabalhadas na produção aumentaram 0,2% em fevereiro. O pequeno aumento não reverte a queda de janeiro, que havia sido de 0,9% frente ao mês anterior. O total de horas trabalhadas no primeiro bimestre de 2017 é 2,9% inferior ao acumulado no primeiro bimestre de 2016.

Segundo a CNI, a massa salarial segue em queda. Recuou 0,7% em fevereiro, descontados os efeitos sazonais. Trata-se da quinta queda mensal consecutiva do indicador dessazonalizado. Nesses cinco meses, a massa salarial encolheu 7,3%. Na comparação entre os primeiros bimestres de 2017 e 2016, a massa salarial diminuiu 6,2%. De 2006 até agora, a queda foi de mais de 130%, segundo a CNI. Taí porque não há mais demanda, não há mais arrecadação.

E o salário, ó!–diria o professor Raimundo. O rendimento médio real recuou 0,7% na passagem de janeiro para fevereiro de 2017 na série livre de efeitos sazonais. É também a quinta queda mensal consecutiva do índice, que acumula queda de 3,1% no período. Ao se comparar o primeiro bimestre de 2017 com o de 2016, o rendimento médio real recua 2%. Trocando em miúdos, o proletariado está ficando mais pobre.

Em 2014, quando apareceram os sinais da recessão, a indústria operava com 80% de ociosidade de sua capacidade instalada. A utilização de Capacidade instalada é um índice que mede o tamanho da paralisação dos fatores de produção na indústria. O volume de máquinas paradas, para simplificar o caso. A CNI informa que a ociosidade aumenta após três meses. A Utilização da Capacidade Instalada (UCI) ficou em 77,3% na série livre de influências sazonais, 0,4 ponto percentual abaixo do registrado em janeiro. O recuo interrompe sequência de 3 meses sem queda da UCI, que em outubro de 2016 havia registrado 76,1% – o menor valor da série histórica, que tem início em 2003. Na comparação entre os primeiros bimestres de 2017 e 2016, a UCI média recua 0,4 ponto percentual.

Para o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, um novo e duradouro ciclo de crescimento sustentado depende de mudanças legislativas “capazes de restabelecer os fundamentos de uma economia saudável e competitiva”. Para Robson Braga de Andrade, “há sinais de que o pior da recessão tenha ficado para trás, mas uma retomada sólida depende de mudanças assertivas no ambiente de negócios”.

É o que afirma ele na apresentação do documento lançado na semana passada pela entidade, a “Agenda Legislativa”. Neste documento, a burguesia industrial do Brasil manifesta suas pretensões, ou, segundo a retórica da entidade, “os anseios de quem produz no Brasil sobre os principais temas em debate no Congresso Nacional e que têm impacto, positivo ou negativo, no dia a dia das empresas”.

Ele destacou que a “Pauta Mínima” deste ano, formada por 16 das 131 propostas da Agenda, reforça “a conhecida necessidade de promover reformas estruturais no país, sobretudo a da Previdência Social. Para o presidente da CNI, “a medida é fundamental para assegurar o sucesso da emenda à Constituição que definiu teto para expansão das despesas federais para os próximos 20 anos, aprovada no fim de 2016”.

O próximo passo, segundo a CNI, deve ser a reforma tributária, a se pautar pela redução da burocracia, pela simplificação dos tributos e pela desoneração da atividade produtiva. Quanto à aprovação de um marco legal para a terceirização, por sua vez, é o “passo fundamental par “preservar a livre iniciativa e contribuir para a geração de empregos, sem retirar nenhum direito do trabalhador”, afirma Robson.

 


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