Cotidiano

Acordo para reparar vítimas deixa Colômbia e Farc a um passo da paz

Diário da Manhã

Publicado em 16 de dezembro de 2015 às 05:59 | Atualizado há 9 anos

RIO – A reparação às vítimas do conflito armado que há mais de 50 anos assola a Colômbia foi tema do mais novo capítulo no longo processo de paz entre o governo colombiano e as Farc. Em Havana, representantes de ambos os lados firmaram um acordo que não apenas definiu punições para os envolvidos em crimes contra a Humanidade, mas também determinou medidas para que o grupo guerrilheiro compense as vítimas atingidas pela luta armada no país, incluindo ajuda na busca, recuperação e identificação de restos mortais ou desaparecidos durante o conflito, uma exigência de cidadãos que perderam familiares em razão do conflito. Agora, fica faltando resolver apenas um tema para um acordo final: a entrega de armas pela guerrilha.

— Este é o primeiro acordo de paz que não termina com uma anistia geral, mas sim com a criação de uma Justiça especial sobre todas as violações de direitos humanos — afirmou, em Havana, o chefe das negociações das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, Iván Márquez.

Além de fazer atos públicos de reconhecimento e pedido de desculpas, o grupo também concordou em ajudar na reconstrução das áreas mais afetadas pela guerra, participar dos processos de retirada de minas, substituição de cultivos ilícitos e reflorestamento das áreas danificadas pelo conflito. O acordo também define o tratamento que receberão os responsáveis por crimes contra Humanidade sob um sistema jurídico especial, que será criado como parte do processo de paz e que inclui penas alternativas de restrição de liberdade. Guerrilheiros apenas acusados de se levantarem em armas contra o Estado serão anistiados.

A entrega das armas pela guerrilha passa a ser a única questão pendente após mais de três anos de negociação de paz. Caso o acordo final seja assinado, o presidente Juan Manuel Santos pretende realizar um referendo sobre o acordo, provavelmente em meados de 2016.

‘Monstro de sete cabeças’

Para Jhon Torres, editor da seção de Justiça do diário colombiano “El Tiempo”, o fato de a guerrilha estar, pela primeira vez, falando em reparação e reconhecendo várias de suas atividades como crimes, sinaliza que é possível ter esperança de que as negociações para o fim do conflito tenham um final feliz.

— Desde o início das negociações, sabemos que nada estará assinado até que tudo esteja assinado, mas acredito que, pela primeira vez, todos os elementos para que o conflito chegue ao fim estão disponíveis — afirmou Torres ao GLOBO. — Ainda há resistência na sociedade, mas o apoio ao processo de paz vem aumentando.

Para a analista política María Victoria Duque, subdiretora da fundação Razón Pública, a complexidade do conflito e o fato de as Farc estarem concentradas nas áreas rurais do país fazem com que boa parte da sociedade colombiana não perceba a importância das negociações de Havana.

— Não há euforia coletiva. Toda a Colômbia quer a paz, mas se citarmos as Farc, provavelmente 80% dos colombianos irão se opor — contou María Victoria ao GLOBO. — O presidente Santos tem feito um belo trabalho, mas comete um grave erro com o referendo. Esse referendo já foi dado quando ele foi reeleito. O ideal seria iniciar um amplo diálogo até o fim das negociações, para que a sociedade compreendesse sua importância e se manifestasse.

Para Torres, o futuro político das Farc dependerá de uma transformação por parte do grupo.

— As Farc são uma entidade politicamente autista. Não tiveram uma evolução e se distanciaram do sentimento popular — conta. — Ainda assim, sua presença é importante para a oxigenação da política colombiana. Além disso, qualquer negociação com um grupo armado ilegal deve ter como objetivo trazê-lo para a legalidade.

Já María Victoria vê nas negociações uma oportunidade para recuperar o tempo perdido:

— Serão necessárias décadas para que as feridas do conflito se fechem, mas as negociações são fundamentais para que olhemos para a frente — conta a analista. — A paz não surgirá com assinaturas em Havana, mas dar fim ao conflito com as Farc é como matar um monstro de sete cabeças que não nos deixou crescer, e fez de nós um dos países mais desiguais do planeta.

Leia também

Siga o Diário da Manhã no Google Notícias e fique sempre por dentro

edição
do dia

Impresso do dia

últimas
notícias